O que está em jogo com a votação do PL 2630/2020? Por que as plataformas não querem que ele seja votado agora? Por que as fake news não são mais o eixo central do projeto, mas sim a transparência? O PL 2630/2020 prevê que a publicidade na internet deverá ser “identificada de forma clara, concisa, inequívoca e em tempo real”. Ocorre que a publicidade é a principal fonte de financiamento das plataformas. Hoje essa publicidade não está submetida a nenhum tipo de regra. O mercado publicitário brasileiro, segundo estudo da UFRJ, foi de R$ 46 bilhões em 2022.
Ao falar do PL 2630/2020, não estamos de internet. Nós estamos falando de Google, ou Alphabet e Facebook, ou Meta. Nós estamos falando das maiores empresas do planeta. O número de usuários passa de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo, cada uma das plataformas. São as empresas que coletam os seus dados. As que usam os seus dados para te oferecer melhores serviços. E as que usam os seus dados para vender publicidade para que você compre produtos e serviços.
Pouca gente sabe disso porque não estamos acostumados a questionar a internet como negócio. Como as empresas funcionam e como elas lidam com o cliente, com os fornecedores e com os anunciantes foi uma decisão delas. Exclusivamente delas.
Com tanta gente envolvida, muitos problemas começaram a surgir, e as plataformas, naturalmente, não conseguiram lidar com isso.
O PL 2630/2020 nasceu daí. A eleição geral de 2018 foi inundada de notícias falsas, houve uma CPI, e o projeto surgiu como uma resposta.
De lá para cá, os problemas aumentaram, as redes sociais cresceram e o impacto dessas redes em nossas vidas, para o bem ou para o mal, também aumentou. Tivemos até uma pandemia, e uma guerra de informações em torno do uso ou não da vacina.
O mundo mudou com a pandemia, e a internet também.
Na Europa, a discussão sobre o poder das big techs já se consolidou. As big techs não são um aparelho de telefone, no qual a gente se comunica com o outro.
Elas são a base de toda a economia globalizada, e decidem hoje o que a gente vê, ouve e lê quando a gente trabalha, estuda e se distrai na rede.
Isso lhes dá mais poder do que todas as emissoras de TV juntas, do que os partidos políticos e do que governos de diversos países.
Para falar de um assunto tão importante, porque afeta a vida de mais de 2,5 bilhões de pessoas, eu convidei o consultor legislativo Guilherme Pinheiro para nos dizer por que a Câmara está pautando a proposta de combate às fake news.
Doutor em Direito e professor, Guilherme é, provavelmente, uma das pessoas que mais conhecem este tema, porque ele acompanhou de perto essas negociações aqui na Câmara:
“O Brasil não está sozinho no debate da regulação da internet. Vários países em discutido o assunto. A internet em âmbito global e os problemas tem repercussões mundiais. No âmbito da União Europeia foi aprovado em 2022 o Digital Service Act, que cria várias obrigações para as plataformas, de transparência, como ela moderna conteúdos, como ela formata, faz vedações de conteúdo, até a obrigada de monitoramento de conteúdos legais, o dever de cuidado das plataformas, que elas seriam obrigadas a remover conteúdo sobre a forma de sanção. Nos Estados Unidos, o debate é sobre as limitações que as plataformas podem fazer para moderar e discutir o alcance do discurso dos cidadãos.”
O projeto de lei é bastante extenso, mas há algo que me chamou a atenção. Ele eleva a lei do consumidor para o mundo da internet. O que isso quer dizer na prática?
Essa é a virada de chave do PL das Fake News. Ele ajuda a Justiça a aplicar o Código de Defesa do Consumidor nas relações na internet. Pode ser um passo importante para transformar mais de 250 milhões de usuários da rede, o que não quer dizer praticamente nada, em consumidor, o que quer dizer muita coisa.
“O Código de Defesa do Consumidor se aplica na relação entre consumidor e fornecedor. Quando a gente pensa em relação de consumo, a gente pensa em uma relação onerosa, onde alguém paga para um fornecedor. No caso da internet, como os serviços são gratuitos, gera uma dúvida se esses serviços é ou não uma relação de consumo. Os nossos tribunais e a jurisprudência têm se firmado, em casos como Uber, Airbnb, Mercado Livre, de que há sim uma relação de consumo, de que esses intermediários tem uma responsabilidade sobre esses serviços, ainda que não sejam eles que prestam essa serviço. E isso gera muita diferença se considerar que é só uma relação civil. Se existir uma relação de consumo, as responsabilidades e obrigações das plataformas possuem um patamar muito mais elevado. A responsabilidade delas passa a ser objetiva e solidária, ou seja, em vez de processar o terceiro, você consumidor poderia processar diretamente as plataformas.”
O receio sobre o PL 2630/2020 é que ele seja usado para gerar censura. Alguns exemplos seriam limitações ao exercício do mandato parlamentar, a remoção de conteúdo não ofensivo na internet ou o impulsionamento, ou seja, o pagamento de conteúdo extremamente nocivo. São os dois lados da mesma moeda.
“Em relação ao PL das Fake News, os pontos que podem gerar debate em relação à imunidade parlamentar, o artigo 53 da Constituição Federal diz que ele não pode ser processado por determinadas falas do seu mandato, seria estendido às redes sociais. Outra questão é o dever de cuidado, em que a plataformas teriam obrigação de monitorar as redes, como crimes ou atentados de racismo, violência contra a mulher, à saude pública, isso gera receio de limitar a liberdade de expressão. Outra coisa são os conteúdos impulsionados pelas plataformas, que são pagos, que serão de responsabilidade das plataformas caso esses conteúdos causem danos a terceiros.”
O tripé do projeto é transparência, responsabilidade e liberdade de expressão. Se a gente está falando de comunicação, não há como ser mais transparente, há? Se a gente está falando de lei, isso já implica em responsabilidade, ainda que seja a autorregularão. O que há de novo então para envolver tanta comoção em torno do tema?
A internet é, como diria o sociólogo Habermas se vivesse no mundo hoje, o espaço público onde a vida é discutida, debatida, e os espaços de poder são disputados.
A internet é um lugar de disputa. Ela não é uma autoestrada onde os carros circulam, cada um do seu jeito. Ela é um sistema complexo que está promovendo uma revolução nas relações e no consumo. Ela lida com as emoções das pessoas, e não há nada mais importante do que isso.
Olha que interessante: no ano passado, quando tentaram votar o projeto, o Google fez uma campanha, mas uma mega campanha, dizendo que aquilo seria o fim da internet. E a urgência, por mil fatores, não passou.
Ontem, eu ouvi uma publicidade do Google dizendo: precisamos discutir mais.
Olha quanta diferença. O terrorismo do Google virou um convite para o diálogo.
Sabe quem ganha com essa mudança de discurso? O Parlamento. Os políticos brasileiros, que estão sendo ouvidos. E quando os deputados são ouvidos, a sociedade é ouvida.
Simples assim.
Lembrando que, quando a internet nasceu, foi batizada como “rede livre”. Tecnicamente era assim. Já a academia e a sociedade a chamaram de rede libertária.
Agora, a grande pergunta é: qual é o nome que a política vai dar para a internet das redes sociais, como a conhecemos?
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