Nos últimos anos, as emendas parlamentares têm ganhado destaque no debate sobre o orçamento público brasileiro, revelando tanto seu potencial quanto suas limitações. Este instrumento, que permite aos deputados e senadores alocarem recursos para projetos em suas regiões, tem sido amplamente utilizado, mas também criticado por fragmentar o orçamento e, em alguns casos, ser usado como moeda de troca política.
Em sua obra Emendas parlamentares ao Orçamento, Helder Rebouças discute com profundidade os desafios e implicações desse mecanismo. Ele observa que as emendas, em princípio, podem ser vistas como uma forma de descentralizar a alocação de recursos, permitindo que parlamentares atendam às necessidades específicas de suas bases eleitorais. No entanto, Rebouças adverte que, sem uma supervisão rigorosa e critérios claros, esse instrumento pode se desviar de seu objetivo e prejudicar a eficiência do gasto público.
Um exemplo do impacto das emendas no Brasil é o crescimento significativo de sua participação no orçamento ao longo dos anos. Em 2014, o montante reservado para emendas era de R$ 6,14 bilhões, enquanto em 2024 esse número saltou para R$ 44,67 bilhões. Isso representa uma fatia expressiva das despesas discricionárias do governo federal, que são aquelas nas quais o Executivo tem maior liberdade de aplicação.
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O cenário internacional
Em comparação com outros países da OCDE, o Brasil destaca-se pela maior influência que o Legislativo tem sobre o orçamento, particularmente por meio das emendas. Em muitos países da OCDE, a alocação direta de verbas por parlamentares individuais é limitada. Por exemplo, nos Estados Unidos, os chamados earmarks permitem que parlamentares direcionem recursos para projetos específicos, mas essa prática foi restrita durante anos e, mesmo após sua reintrodução em 2021, representa menos de 1% do orçamento total. Já em países como o Reino Unido e a Suécia, o Executivo tem maior controle sobre o orçamento, e o papel do Parlamento é mais voltado à fiscalização e aprovação, com pouca margem para mudanças significativas.
Nos países da OCDE, de acordo com dados da organização, 67% dos parlamentos fazem apenas alterações menores, que afetam menos de 3% do orçamento total. Em apenas 7% das democracias presidencialistas ocorrem mudanças maiores, que podem atingir até 20% do orçamento, mas nunca ultrapassando esse limite. Isso reflete um equilíbrio onde o Legislativo participa, mas sem comprometer a função estratégica do Executivo (PRS Legislative Research).
PublicidadeO uso eleitoral das emendas
No Brasil, uma das críticas mais recorrentes é que as emendas parlamentares muitas vezes servem a interesses eleitorais. Deputados e senadores direcionam recursos para obras e projetos em suas regiões, o que pode render votos nas próximas eleições. Embora esse tipo de alocação de recursos não seja necessariamente negativo — afinal, atende a demandas locais —, ele pode distorcer o uso do orçamento, fragmentando-o em iniciativas de menor impacto para o desenvolvimento nacional.
Rebouças destaca que essa prática tende a comprometer o planejamento de longo prazo do governo, pois os recursos acabam pulverizados em pequenas obras, em detrimento de políticas públicas abrangentes e integradas. Além disso, essa dinâmica pode gerar uma desigualdade na distribuição de recursos entre regiões, já que parlamentares mais influentes ou com maior base política conseguem direcionar mais verbas para suas áreas.
Caminhos para um uso mais racional
Diante desse cenário, surge a pergunta: como equilibrar a participação do Legislativo no orçamento com a necessidade de um uso mais racional e eficiente das emendas parlamentares?
Primeiro, é essencial fortalecer os mecanismos de accountability. O uso das emendas precisa ser transparente, com mecanismos robustos de fiscalização, que permitam acompanhar de perto como os recursos estão sendo aplicados e quais os resultados gerados. A digitalização de processos e a disponibilização de dados públicos sobre a execução de emendas são passos importantes para garantir que o cidadão possa acompanhar como o dinheiro está sendo utilizado.
Em segundo lugar, é necessário repensar os critérios de alocação. O ideal seria que as emendas fossem direcionadas a projetos que contribuam para o desenvolvimento local e nacional de forma integrada, em vez de pulverizar os recursos em pequenas iniciativas. Isso pode ser alcançado por meio da criação de regras mais claras e objetivas para a alocação de recursos, com prioridade para áreas como saúde, educação e infraestrutura, que são cruciais para o desenvolvimento a longo prazo.
Além disso, a criação de emendas colaborativas — em que grupos de parlamentares de diferentes regiões ou partidos trabalham juntos para apresentar emendas que atendam a interesses comuns — poderia ajudar a evitar a fragmentação do orçamento. Essa abordagem incentivaria a cooperação entre parlamentares e aumentaria o impacto das emendas, direcionando os recursos para projetos de maior relevância nacional.
Por fim, é crucial que o Executivo mantenha sua autonomia sobre uma parte substancial do orçamento, para garantir a implementação de políticas públicas estratégicas de longo prazo. Isso não significa esvaziar o papel do Legislativo, mas sim garantir que a alocação de recursos seja feita de maneira equilibrada, considerando as necessidades do país como um todo.
Menos eleitorais, mais estratégicas
As emendas parlamentares são um instrumento poderoso para a alocação de recursos, mas seu uso precisa ser repensado para evitar distorções no orçamento público. A participação do Legislativo é importante para garantir que diferentes regiões do país sejam contempladas no orçamento, mas essa participação deve ser acompanhada de mecanismos de controle e transparência que evitem o uso eleitoreiro das verbas.
Ao adotar uma abordagem mais estratégica para o uso das emendas, com regras claras, colaboração entre parlamentares e uma fiscalização robusta, o Brasil pode caminhar para um orçamento mais eficiente e equilibrado, onde o interesse público prevaleça sobre o interesse eleitoral. Como destaca Helder Rebouças, o equilíbrio entre a autonomia do Executivo e a atuação parlamentar é essencial para garantir que o orçamento público seja utilizado de forma a promover o desenvolvimento sustentável e integrado do país.
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