Prevista para ser instaurada na próxima quarta-feira (17), a CPI das apostas esportivas é a primeira na atual legislatura a não dividir governo e oposição. O escândalo, investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público de Goiás, mexeu com o esporte mais popular no país. Em entrevista exclusiva, o autor da CPI, Felipe Carreras (PSB-PE), que deve ser o relator da comissão, conta que a investigação na Câmara dos Deputados pode dar início a uma mudança profunda no tratamento dado pela lei ao futebol.
Para ele, é preciso apurar o esquema com parcimônia e evitar medidas drásticas. “Acredito que é muito cedo ainda, sem elementos mais robustos, paralisar o campeonato que repito, mexe com a paixão dos brasileiros. É preciso dar inícios às investigações, estabelecer um plano de trabalho e obter mais elementos para decidir sobre medidas mais drásticas. A paralisação do campeonato envolve muitas vidas, não somente os torcedores, mas o trabalho de muita gente. Precisamos agir com inteligência e parcimônia para que as ações sejam acertadas”, defende.
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A CPI busca investigar um escândalo que começou a se tornar conhecido ao final de 2022, quando o Ministério Público de Goiás identificou um esquema de manipulação de resultados em aplicativos de apostas sobre jogos das séries A e B do Brasileirão. Atletas e observadores combinavam condutas específicas, como faltas e resultados de pênaltis, e compartilhavam os lucros das apostas.
O assunto é de especial interesse de Felipe Carreras. O deputado, que é líder do bloco parlamentar que forma o círculo de alianças do presidente Arthur Lira (PP-AL), tem como base o eleitorado ligado aos setores cultural e esportivo no estado de Pernambuco. Em 2022, Carreras também foi relator do projeto de lei que regulamenta os jogos de apostas no Brasil.
Ele acredita que a CPI será capaz não apenas de lançar luz sobre os sistemas de apostas esportivas, como também permitir avançar em projetos de leis que tratem do assunto, como é o caso do Marco Legal dos Jogos Eletrônicos e dos Jogos Fantasia, que tramita no Senado, e também em legislações voltadas para a repressão contra fraudes esportivas. “Regulamentação é a palavra de ordem. Sem regulamentação, é difícil propor qualquer medida” diz.
Confira a entrevista:
PublicidadeCongresso em Foco – Vários atletas foram denunciados desde o pedido de criação da CPI. Até que ponto a CPI pode avançar em relação às investigações já em curso no Ministério Público de Goiás?
Felipe Carreras – Nós queremos jogar luz nesse escândalo que vem se revelando o maior do futebol brasileiro. As investigações em Goiás começaram com campeonato da série B, mas avaliamos que esses esquemas devem permear todas as divisões do campeonato. Nesta semana mesmo já surgiram os primeiros indícios de manipulação na série A. Queremos, de forma muito transparente ouvir os principais atores do futebol e players do mercado de apostas, trabalhar em parceria com os órgãos investigativos para não somente revelar as engrenagens desse esquema, como também punir exemplarmente os envolvidos e promover uma legislação que coíba esse tipo de crime.
Qual deve ser o fio condutor da CPI?
O futebol é uma das maiores paixões do brasileiro. O futebol se popularizou no Brasil e se tornou o esporte mais praticado e mais assistido no país. É um elemento importante na cultura brasileira e está presente em todas as camadas sociais. Desde 2018, a modalidade de aposta de quotas fixas foi inserida no sistema lotérico nacional, como serviço público exclusivo da União. Essa modalidade ainda está pendente de regulamentação pelo Poder Executivo Federal. A MP vai chegar ao Congresso, mas quanto mais elementos tivermos dessa modalidade de crime, mais conseguiremos aprimorar a legislação para que ela possa ter um cordão de segurança contra esquemas criminosos.
Até que ponto o patrocínio de casas de apostas a clubes brasileiros de futebol pode comprometer a lisura dos campeonatos? Essa relação entre clubes e casas de apostas também será investigada pela CPI?
A CPI ainda não foi instalada. Depois de sua instalação, deve ser elaborado um plano de trabalho para que sua atuação seja pontual e certeira. Existe um esquema de manipulação, mas sem a devida investigação é leviano afirmar que o patrocínio compromete a lisura dos campeonatos. Hoje os chamados Bets são alguns dos maiores anunciantes do mercado. E estamos falando não somente de empresas nacionais, mas também internacionais. A CPI vai servir para ajudar a revelar como funcionam essas negociações e a deixar essas relações mais transparentes.
Por onde devem começar os depoimentos da CPI?
É importante estabelecermos um plano de trabalho. Acho válido começar pelas primeiras denúncias que revelaram esses casos. Queremos ouvir árbitros, organizações de futebol, dirigentes, jogadores, representantes do mercado de apostas, os suspeitos de envolvimento no esquema, e vamos fazer um levantamento de nomes que devem comparecer à domissão para prestar esclarecimentos.
Que tipo de regulamentação a CPI pode propor para apostas esportivas?
Já temos hoje o marco legal dos jogos de apostas que está no Senado, projeto que inclusive foi relatado por mim aqui na Câmara, e temos agora a MP do Governo que vai chegar ao Congresso. É urgente aprovar essas propostas. É possível que os desdobramentos da CPI demandem do Parlamento atualizações na legislação para coibir práticas criminosas, proteger apostadores, ou mesmo estabelecer penas mais rigorosas. Podemos propor mudanças que passam pelo Código Penal, pela legislação esportiva e até mesmo de maior fiscalização e controle desse mercado.
O senhor defende a paralisação do campeonato brasileiro por conta das suspeitas de manipulação de resultados?
Acredito que é muito cedo ainda, sem elementos mais robustos, paralisar o campeonato que repito, mexe com a paixão dos brasileiros. É preciso dar inícios às investigações, estabelecer um plano de trabalho e obter mais elementos para decidir sobre medidas mais drásticas. A paralisação do campeonato envolve muitas vidas, não somente os torcedores, mas o trabalho de muita gente. Precisamos agir com inteligência e parcimônia para que as ações sejam acertadas.
Qual limite é preciso estabelecer para que apostas não contaminem as disputas esportivas?
Regulamentação é a palavra de ordem. Sem regulamentação, é difícil propor qualquer medida.
Riha Oosterhuis