Autorizada pelo presidente da Câmara dos Deputados no último dia 15, a comissão externa para acompanhar autoridades competentes na investigação da crise humanitária dos indígenas Yanomami possui apenas uma parlamentar que destinou recursos especificamente para a causa indígena neste ano. Liderança indígena, a deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) destinou um total de R$ 10,3 milhões para regularização fundiária, saneamento básico e saúde para os povos originários.
Nos últimos anos, o garimpo ilegal e as invasões intensificaram a crise humanitária na Terra Yanomami. A comissão externa da Câmara demorou mais de um ano para ser designada, com 16 membros. Inicialmente, eram 15, todos ligados à bancada ruralista. Célia foi a última a entrar, após protestar contra o ato do presidente Arthur Lira (PP-AL). A composição gerou repúdio de 78 entidades ligadas à causa indígena. “Nosso repúdio e indignação por mais uma ação truculenta da Câmara dos Deputados que pretende utilizar a dor e a morte dos Yanomami e Ye’kwana para objetivos simulados de disputas políticas”, assinalou o comunicado.
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Os deputados da comissão externa são:
- Coronel Fernanda (PL-MT) – Coordenadora
- Abílio Brunini (PL-MT)
- Capitão Alberto Neto (PL-AM)
- Célia Xakriabá (Psol-MG)
- Coronel Assis (União-MT)
- Coronel Chrisóstomo (PL-RO)
- Cristiane Lopes (União-RO)
- Fernando Máximo (União-RO)
- Gabriel Mota (Republicanos-RR)
- Gisela Simona (União-MT)
- José Medeiros (PL-MT)
- Lucio Mosquini (MDB-RO)
- Nicoletti (União-RR)
- Pastor Diniz (União-RR)
- Silvia Cristina (PL-RO)
- Silvia Waiãpi (PL-AP)
Conforme dados da Câmara dos Deputados referentes às emendas parlamentares, apenas a deputada Célia destinou verbas de forma específica para os povos indígenas. As emendas propõem apoio à gestão ambiental e territorial indígena, ações abrangentes de cuidados da saúde para comunidades indígenas e instalação de saneamento básico.
Nas emendas dos outros deputados, porém, o termo “indígenas” só aparece uma vez no âmbito dos programas Forças no Esporte (Profesp) e João do Pulo (PJP), do Ministério da Defesa, apoiados por Silvia Waiãpi (PL-AP) e Pastor Diniz (União-RR) . Segundo a justificativa, as ações estão presentes em “longínquas localidades de nosso país, como, por exemplo, Pelotões de Fronteira, comunidades indígenas e quilombolas”.
Eventualmente, emendas não destinadas diretamente aos povos indígenas podem auxiliar alguma comunidade indígena indiretamente. É o caso de uma emenda da deputada Silvia Waiãpi, que destinou emenda de R$ 3 milhões para a estruturação de Unidades de Atenção Especializada em Saúde em Oiapoque (AP), região onde a maioria da população é de origem indígena. Mesmo não estando especificado na página da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, ela contempla os povos indígenas na medida em que visa equipar o Núcleo de Atendimento Indígena do hospital estadual. A parlamentar, que é indígena, propõe que o nome da UTI seja Maria Clara Karipuna, em homenagem à indígena assassinada no município após ser abusada.
PublicidadeQuestionada sobre a ausência da especificação e destinações exclusivas aos povos indígenas, Silvia respondeu ao Congresso em Foco que representa toda sociedade e não apenas os indígenas. “Sou representante do povo e não tenho uma pauta, tenho várias pautas. Não fui eleita pela questão indígena e nem usei isso como plataforma”.
“Ninguém é obrigado a alardear, cumpre a nós mostrar caminhos e não impedir o trajeto. Eles [parlamentares] só vão saber a necessidade [dos povos indígenas] se forem”, disse Silvia sobre os outros deputados da comissão externa.
Como o Congresso em Foco mostrou, a composição do colegiado era inicialmente formada apenas por deputados que votaram a favor do marco temporal, tese de que os povos indígenas só teriam direito de ocupar as terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988. Após negociações, a deputada mineira passou a integrar a comissão externa. “Era incoerente, eu, uma parlamentar indígena, não fazer parte dessa comissão que diz se preocupar com a condição dos Yanomami!”, escreveu a congressista nas redes sociais.
Em 2022, 99 crianças yanomami menores de cinco anos morreram de doenças evitáveis como desnutrição, pneumonia e diarreia. A contaminação por mercúrio do garimpo e a falta de acesso à saúde básica agravam a situação. Em janeiro de 2023, foi decretado estado de emergência de saúde pública. A Polícia Federal iniciou investigação por crimes como genocídio e omissão de socorro contra os Yanomami. Um ano após a emergência, a situação permanece crítica, com doenças persistentes e presença contínua de garimpeiros. Entre 2022 e 2023, foram registradas mais de 700 mortes na terra indígena.
O Congresso em Foco buscou contato com todos os demais deputados que formam o colegiado. Até o momento, apenas Silvia respondeu. O espaço segue aberto para eventuais manifestações sobre a reportagem e a destinação das emendas parlamentares de cada um.
Célia Xakriabá lamentou a composição da comissão. “Fui a primeira parlamentar a ir ao território Yanomami em 2023 para acompanhar de perto a gravíssima crise enfrentada por aquele povo causada pelo aumento de 54% do garimpo ilegal em suas terras e pelo genocídio incentivado pelo governo de Bolsonaro. É um escárnio que o presidente da Câmara Arthur Lira autorize a criação de uma comissão externa composta apenas por bolsonaristas para investigar a situação dos Yanomami”, escreveu a deputada.
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