A representatividade feminina nas lideranças do Congresso Nacional brasileiro continua sendo uma questão urgente e não resolvida. Em quase dois séculos de história parlamentar, o Brasil nunca elegeu uma mulher para a presidência da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. No último sábado (1º), a história se repetiu, e outros dois homens foram escolhidos para liderar essas casas legislativas – uma tradição masculina que já soma mais de 180 posições ocupadas por homens.
Com esse resultado, o Legislativo brasileiro segue como o único entre os três poderes que nunca foi liderado por uma mulher. No Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) já foi presidido por duas mulheres: Ellen Gracie (2006-2008) e Cármen Lúcia (2016-2018). No Executivo, Dilma Rousseff esteve à frente da Presidência da República por dois mandatos, até seu impeachment em 2016.
Historicamente, a participação feminina nas disputas pela presidência das casas legislativas tem sido escassa. Em 2015, Rose Freitas (MDB-ES) foi a primeira mulher a se candidatar à presidência da Câmara, obtendo 47 votos dos 513 parlamentares. Embora não tenha alcançado 10% dos votos, esse ainda é o melhor desempenho de uma mulher nessa disputa. No Senado, a primeira candidatura feminina ocorreu em 2021, quando Simone Tebet (MDB-MS), atual ministra do Planejamento, recebeu 21 votos (26% do total), sendo derrotada por Rodrigo Pacheco.
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Esses dados refletem as estruturas profundamente enraizadas na sociedade brasileira, que historicamente privilegiam o acesso dos homens a posições de poder, tanto na política quanto fora dela. Atualmente, apenas 92 deputadas ocupam vagas na Câmara, representando 18% dos membros. No Senado, a presença feminina é ligeiramente maior, com 15 senadoras entre 81 membros, o que corresponde a 19% da composição. A sub-representação se agrava quando analisamos recortes raciais, apenas 1% do Senado é composto por mulheres negras e 2% na Câmara dos Deputados. O Brasil ocupa a 153ª posição em um ranking de 193 países quanto à presença de mulheres no Legislativo. Na América Latina, o país está à frente apenas de Belize e Haiti.
Para que ocorra uma transformação significativa, é imperativo promover a participação feminina e de grupos minorizados na política desde suas bases, garantindo acesso equitativo aos recursos partidários e tenham condições reais de alcançarem cargos eletivos. Embora a legislação brasileira preveja a destinação de 30% do fundo eleitoral e partidário para campanhas femininas e candidatos negros, os avanços nesse sentido têm sido limitados, uma vez que fraudes nesse cumprimento ainda são uma realidade dentro dos partidos.
Embora os novos presidentes das casas legislativas tenham enfatizado em seus discursos a importância de refletir as reais necessidades do Brasil, essa preocupação não se traduziu na composição das mesas diretoras, que continuam a carecer de representatividade feminina. Na Câmara dos Deputados, as mulheres representam um entre 11 membros. No Senado, há um fato inédito: a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) será a primeira mulher a exercer a função de primeira-secretária. O cargo é um dos mais importantes da Casa, pois supervisiona todas as atividades administrativas, gastos e contratos. Em entrevista à Agência Senado, ela afirmou: “Se analisarmos as Mesas, raramente uma mulher ocupa um cargo de titular. Quando muito, são suplentes. E, quando muito, são candidatas. E, quando candidatas, raramente são reconhecidas como tais. Isso não é apenas uma questão de presença, é uma questão de voz.”
A persistência dessa disparidade evidencia a falência das políticas de inclusão de gênero no Legislativo e destaca a urgência de um olhar qualificado sobre gênero na construção das políticas públicas. As barreiras invisíveis que impedem a ascensão feminina nas mais altas esferas do Parlamento já foram identificadas há tempos, e precisam ser confrontadas e desmanteladas de forma eficaz. Enquanto faltar vontade política para resolver questões de representatividade, o Brasil continuará a carecer de um Congresso que efetivamente represente sua diversidade e promova políticas públicas que respondam às necessidades das mulheres do nosso país.
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