Benedita da Silva, Soraya Santos e Yandra Moura *
No dia 10 de julho de 2023, comemoramos dez anos da criação da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Mais do que um órgão político e institucional do Legislativo federal brasileiro, a Secretaria se constitui como estrutura suprapartidária, que dá suporte às atividades de todas as deputadas federais, para fortalecer o seu protagonismo político, e que atua em defesa dos direitos das brasileiras. Embora as mulheres representem mais de 50% da população e do eleitorado brasileiro, ainda são muitos os desafios para aumentar a participação feminina na política e em todas as esferas de poder. Segundo a União Interparlamentar, o Brasil ocupa a 131ª posição no ranking de representatividade das mulheres entre mais de 190 Parlamentos no mundo.
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Apesar dos avanços serem menores do que o esperado, temos muito orgulho das conquistas obtidas a partir da criação desta Secretaria. Muitas normas sobre os direitos das mulheres foram conquistadas devido à luta da bancada feminina e ao aumento gradativo da presença das mulheres no Legislativo.
Há pouco mais de 90 anos as mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar e serem votadas, por decreto de 1932, posteriormente incorporado à Constituição de 1934. Durante a Assembleia Constituinte de 1988 foram eleitas 26 deputadas e nenhuma senadora. Nas eleições de 2022, tivemos um recorde de 91 eleitas para a Câmara, enquanto o Senado conta hoje com 15 senadoras. Com esses números, passamos a ocupar 18,8% das vagas do Legislativo Federal, um crescimento orgânico importante. Além disso, três deputadas assumiram ministérios, sendo a primeira vez que o Executivo federal nomeia 11 ministras de Estado.
Se somarmos todas as deputadas que tomaram posse desde 1933, entre eleitas e suplentes que assumiram mandatos, tivemos até hoje apenas 331 deputadas federais. Isso quer dizer que, se fosse possível juntar no Plenário da Câmara todas as mulheres eleitas para este cargo ao longo da história do Brasil, o número de parlamentares presentes ainda estaria bem abaixo de 513, total de vagas disponíveis a cada processo eleitoral.
A origem da bancada feminina remete ao processo da Assembleia Nacional Constituinte, de 1986 a 1988, quando o agrupamento de deputadas que lutou pela inclusão de direitos para as mulheres na nova Constituição ficou conhecido como a “bancada do batom”. Depois, em 1995, pela primeira vez a bancada feminina foi institucionalizada na Câmara, com regimento e eleição da coordenação do colegiado e o funcionamento conjunto com a bancada feminina do Senado. Em 2009, a Câmara criou a Procuradoria da Mulher e, em 2013, a Secretaria da Mulher, órgão que passou a unir as duas estruturas (Coordenadoria-Geral dos Direitos da Mulher e Procuradoria da Mulher). Em 2021, foi instituído o Observatório Nacional da Mulher na Política que em 2022 passou também a fazer parte da estrutura da Secretaria da Mulher regimentalmente.
PublicidadeVale destacar que, a partir de consultas realizadas ao Judiciário pela bancada feminina, foram garantidas na legislação que as campanhas eleitorais de mulheres, a partir das eleições de 2018, recebessem recursos públicos proporcionais ao número de candidatas, o que ampliou as possibilidades de elas se elegerem. Da mesma forma, foi a articulação das parlamentares, tanto da Câmara como do Senado, que viabilizou o aumento de tempo de rádio e televisão nas campanhas eleitorais de mulheres, também seguindo a proporção do número de candidaturas femininas. Mais recentemente, novas leis passaram a criminalizar a violência política de gênero, outra conquista das parlamentares.
Desde a formalização da Secretaria da Mulher, em 2013, diversos avanços foram concretizados dentro e fora do Parlamento. Com a criação do órgão, as deputadas passaram a ter voz e voto no colégio de líderes, espaço em que as lideranças partidárias definem o que será votado prioritariamente em Plenário; tempo de fala em Plenário idêntico ao destinado às lideranças partidárias; infraestrutura para prestação de serviços às parlamentares; divulgação da sua atuação pelos veículos de comunicação da Câmara dos Deputados; além de ser promovida uma agenda de eventos contínua e com participação em campanhas nacionais e internacionais, como as que são desenvolvidas no Março Mulher, no Agosto Lilás (de conscientização pelo fim da violência contra a mulher), no Outubro Rosa (de prevenção ao câncer) e nos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres (nos meses de novembro e dezembro).
Esse aumento gradativo de mulheres eleitas, na Câmara e no Senado, tem possibilitado ampliar a legislação em defesa das mulheres e de toda a sociedade. Somente na última década, as deputadas foram responsáveis pela autoria ou coautoria de mais de 5.600 projetos sobre temas variados. Embora o percentual de mulheres eleitas deputadas seja menor que o de homens, os indicadores demonstram que elas têm maior produtividade na apresentação de proposições legislativas. Levantamento do Centro de Documentação e Informação (Cedi) da Câmara dos Deputados mostra ainda que desde 1954 323 proposições de autoria ou coautoria de deputadas foram aprovadas e sancionadas ou promulgadas como normas legais, entre leis ordinárias, leis complementares, decretos legislativos ou projetos de resolução da Câmara. De 2013 até o final de 2022 foram 182 leis aprovadas a partir de proposições apresentadas pela bancada feminina, o que indica que não só o crescimento do número de mulheres foi responsável por aumentar o número de atos legais de autoria das parlamentares, mas também que a criação desta Secretaria foi um fator fundamental de fortalecimento da atuação das deputadas.
Lugar de mulher é onde ela quiser. Tema de mulher é também qualquer um que ela queira. As pautas que a bancada feminina defende e nas quais atua se referem tanto a temas diretamente ligados ao feminino (saúde, combate às diversas formas de violência, educação, mercado de trabalho, assistência e garantias de direitos), como a outros assuntos que beneficiam toda a sociedade. Nem sempre isso se reflete nas posições ocupadas dentro do Legislativo, sendo ainda um desafio a ser enfrentado pela Secretaria da Mulher elevar o número de deputadas em posições estratégicas, como a presidência de comissões ou a relatoria de importantes projetos. Nosso legado estará completo quando alcançarmos não só a paridade em termos de cargos políticos, mas quando as mulheres puderem ocupar todos os espaços dentro da política, sem distinção em relação aos homens. Esperamos e trabalhamos para que isso ocorra o quanto antes.
Este artigo, assinado conjuntamente pelas atuais coordenadoras dos núcleos que compõem a Secretaria da Mulher, mostra que, juntas, somos mais fortes. E que, independentemente de posição político-partidária, continuaremos firmes na missão da Secretaria da Mulher, descrita no regimento interno, de tornar a Câmara dos Deputados um centro de debates sobre questões relacionadas à igualdade de gênero e à defesa dos direitos das mulheres do Brasil e do mundo.
* Deputadas federais Benedita da Silva (PT-RJ), coordenadora da bancada feminina da Câmara dos Deputados; Soraya Santos (PL-RJ), procuradora da Mulher da Câmara dos Deputados; e Yandra Moura (União Brasil-SE), coordenadora-geral do Observatório Nacional a Mulher na Política.
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