Edson Sardinha e Fábio Bispo (colaboração para o Congresso em Foco)
Se em Brasília o presidente Jair Bolsonaro tentou baixar os ânimos ao se encontrar com lideranças partidárias, reconhecer “caneladas” – como ele mesmo diz – e pedir desculpas em meio às articulações para aprovar a reforma da Previdência, em três estados deputados de seu partido se armaram nesta semana para a guerra.
As assembleias legislativas de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina viraram campo de batalha para deputados estaduais do PSL dispararem contra transexuais, manifestantes, jornalistas e a imprensa de modo geral. Os três são novatos e têm o radicalismo como marca de seus discursos.
O caso mais comentado nacionalmente foi do deputado estadual paulista Douglas Garcia, que afirmou que tiraria a tapa uma transexual que estivesse em um banheiro feminino. Em Minas, o deputado Coronel Sandro, da Polícia Militar, ameaçou usar a “pacificadora” e a “treme-terra”, apelidos dados por militares a armas de fogo, contra manifestantes para “fazer justiça” com as próprias mãos. Jornalistas foram chamados de “canalhas” com “problema cognitivo” pela catarinense Ana Caroline Campagnolo.
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Veja a polêmica em que cada um deles se meteu:
DOUGLAS GARCIA: “Vou tirar a tapa”
O deputado paulista surpreendeu colegas e eleitores nessa sexta-feira ao assumir publicamente sua homossexualidade. Na quinta, ele havia usado o microfone para cumprimentar o deputado estadual Altair Morais (PRB) por ter apresentado um projeto que “estabelece o sexo biológico como o único critério para definição do gênero de competidores em partidas esportivas oficiais no estado”. A proposta havia sido alvo de críticas de Erica Malunguinho (Psol), a primeira deputada trans do país.
“Eu gostaria aqui de parabenizar o projeto de lei do deputado Altair Moraes. É um projeto de lei muito eficiente. Se por acaso dentro do banheiro uma mulher, em que a minha irmã ou a minha mãe, estiver utilizando, e entrar um homem que se sente mulher, ou que pode ter alegando o que ele quiser e colocado o que quiser, porém eu não estou nem aí, eu vou tirar primeiro no tapa e depois chamar a polícia para ir levar”, discursou.
Em seguida, Erica anunciou que entraria com representação por quebra de decoro parlamentar contra ele. O deputado, então, pediu desculpas “caso tivesse ofendido alguém”. No dia seguinte, porém, ele encarregou a deputada Janaína Paschoal, a mais votada da história do país, a anunciar da tribuna que ele era gay.
“Ele tomou uma decisão, e como ele está um pouco abalado, pediu para eu fazer essa comunicação por ele. Porque hoje, depois de 25 anos, ele conseguiu conversar com os pais e dizer que é homossexual”, disse a parlamentar. “Não diminui em nada as bandeiras que eu venho defendendo aqui na Assembleia Legislativa contra a ideologia de gênero”, acrescentou o deputado, que promete continuar combatendo a causa LGBT, “agora com mais credibilidade”. Ele contou que resolveu se antecipar depois que o ameaçaram de levar a público sua orientação sexual.
O momento em que Janaína Paschoal conta que Douglas é gay:
CORONEL SANDRO: “pacificadora” e “treme-terra” para fazer “justiça sozinho”
Em um discurso de cerca de 17 minutos (veja o vídeo mais abaixo), interrompido por vários colegas que lhe manifestaram apoio, o deputado estadual mineiro relatou na terça-feira (2) o cerco que sofreu, com sua família, por manifestantes no último fim de semana (veja vídeo gravado pelo deputado). Ele estava em um restaurante após ter participado de uma comemoração pelos 55 anos do golpe militar de 1964, chamado por ele de “contragolpe”. O coronel também protestou contra reportagens que apontavam uma eventual contradição entre o seu discurso e a prática no uso de verbas da Casa.
Ao se solidarizar com o deputado, um colega sugeriu que ele poderia ter exercido seu direito à legítima defesa, atirando contra os manifestantes. Coronel Sandro afirmou que se atos dessa natureza se repetirem, vai usar a “pacificadora” e a “treme-terra”, apelido dado por policiais a armas de fogo, contra quem estiver à sua frente.
“O caminho de homem de bem é a Justiça. Mas o caminho do homem de bem que não encontra resposta, ele mesmo faz a sua justiça. E eu vou fazer. Afastem-se de mim e afastem-se da minha família. É um aviso. Quanto à imprensa, eu estou processando todos.”
Veja o discurso do deputado:
O motivo dos ataques do Coronel Sandro foi a publicação de reportagens que revelam, segundo seus autores, que, apesar de divulgar em redes sociais que abriria mão do auxílio moradia (R$ 4.377,73), ajudas de custo para as despesas do gabinete, conhecidas como verba indenizatória (R$ 27 mil) e a chamada verba do paletó (R$ 50.644,50), por não concordar com elas, o deputado gastou cerca de R$ 9 mil da verba indenizatória no mês de fevereiro.
As reportagens foram publicadas pelo site Os Novos Inconfidentes e pelo jornal Estado de Minas nos dias 28 e 29 de março, respectivamente. Ele alega que jamais prometeu não utilizar esses benefícios e que sua restrição era apenas ao uso do auxílio-paletó.
Coronel Sandro desqualificou os veículos de imprensa e os jornalistas, que, segundo ele, são “esquerdopatas” e classificou as reportagens como “fake news”. No discurso feito na Assembleia, ele ameaçou processar qualquer jornalista que publicar notícia sobre o assunto.
Essa não foi a primeira polêmica envolvendo Coronel Sandro. Em fevereiro ele mandou a presidente da Comissão de Direitos Humanos e Ciência e Tecnologia, a petista Beatriz Cerqueira, ficar “caladinha” após ela repreendê-lo por estar fugindo do tema em pauta naquele momento ao defender a ditadura militar.
No dia 1º de abril, o deputado estadual Bruno Engler, também do PSL de Minas, divulgou vídeo em que “homenageia”, cantando parabéns pra você, os jornais Estadão, Folha de S.Paulo e “toda grande mídia”. Segundo o deputado, o dia da mentira é o dia “de vocês”. Ao seu lado estava uma jornalista lotada em seu gabinete que disseminou no Brasil informações falsas com ataques a uma repórter do jornal O Estado de S. Paulo.
Abaixo, o vídeo do cerco ao deputado:
ANA CAROLINE CAMPAGNOLO: jornalistas “canalhas” e com “problema cognitivo”
Segundo reportagem do jornal Notícias do Dia, de Florianópolis, a deputada estadual de 28 anos utilizou diárias e a estrutura da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) nos mesmos dias em que lançou seu livro Feminismo: Perversão e Subversão, que não tem ligação direta com a atividade parlamentar. Ao comentar a repercussão do assunto, a deputada chamou jornalistas de “canalhas”.
Em entrevista por telefone gravada pelo jornalista Altair Magagnin, a deputada estadual gritou e ofendeu o profissional. “Estou desconfiada da sua capacidade mental”, declarou depois de sugerir que ele era “um bunda mole”. “Às vezes fico me perguntando se jornalista tem algum problema cognitivo”, disse.
A deputada afirmou que não poderia ser acusada de utilizar de maneira indevida recursos públicos por não ser de esquerda. “Se eu considerasse errado, eu não faria. Até porque, eu não sou petista, não sou de esquerda para usar o dinheiro público muito mal gerenciado”, respondeu. “Se quiser colocar da minha hostilidade contra o teu jornal ficaria muito satisfeita”, completou Ana Caroline.
>> Ouça a entrevista em que Ana Caroline ataca o jornalista
Informações divulgadas pela deputada nas suas redes e pelo Portal de Transparência da Alesc mostram que ela embolsou verba pública em seis eventos no interior de Santa Catarina, nas cidades de Chapecó, Criciúma, Fraiburgo, Guaramirim, Itajaí e Itapoá. Ela nega irregularidades no uso da verba.
O valor da diária paga pela Alesc é de R$ 670 para viagens no estado e de R$ 770 para demais unidades da federação. Ana Caroline utilizou um total de nove diárias, que custaram R$ 16 mil à Alesc. Três delas coincidem com datas do lançamento de seu livro.
A Assessoria da Alesc informou que os custos para o lançamento do livro foram arcados pela deputada. A assessoria não soube informar se houve uso de verba de gabinete. O Legislativo forneceu espaço e equipe do cerimonial, que já tem os custos incluídos no orçamento da Casa. O livro foi lançado em 8 de março, Dia da Mulher, no plenarinho da Alesc.
No dia 27 de março, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a deputada também apresentou o livro durante o painel “As armadilhas do feminismo”, a convite da ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O evento foi realizado em parceria com a Secretaria Nacional da Juventude no encontro “O protagonismo da mulher jovem no Brasil”. Para esse dia também foi emitido pagamento de diária, conforme o jornal.
“Não existe ‘uso de diária para lançar livro’, o setor que analisa prestação de contas, notas fiscais e itinerários jamais liberaria nem liberou diárias para lançar livros. As diárias usadas dentro da forma da lei seguiram as normas e foram aprovadas”, manifestou. Nesta sexta, ela publicou um vídeo das suas atividades parlamentares do mês de março, onde afirma ter realizados atividades parlamentares nas cidades por onde passou.
A deputada já se envolveu em outras polêmicas. Em 2016 ela processou a própria professora, Marlene de Fáveri. Na ação, a então aluna acusou a professora da disciplina “História e relações de gênero”, do curso de pós-graduação em História, de doutrinação ideológica. Em setembro de 2018 a Justiça julgou a ação improcedente.
Após sua eleição à assembleia, ela gerou nova controvérsia ao abrir um canal para que estudantes encaminhassem vídeos gravados em sala de aula com denúncias de “doutrinação ideológica”. O pedido dela, contudo, foi barrado pela Justiça.
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