A Câmara dos Deputados terá agenda cheia para os trabalhos legislativos de 2025. Depois da eleição da nova Mesa Diretora, no início de fevereiro, a Casa terá de se debruçar sobre uma lista de pendências deixadas ao longo de 2024. Os itens tratam desde questões econômicas a matérias polêmicas na área de proteção dos direitos humanos.
Uma grande pendência econômica se impõe logo no início dos trabalhos: o ano começa sem uma Lei Orçamentária Anual aprovada. Sua discussão foi prorrogada em meio aos trabalhos para votação do pacote fiscal em dezembro de 2024. O Congresso também terá de lidar com dois projetos importantes na segurança pública: a regulamentação das inteligências artificiais e a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública.
Diferentemente dos anos anteriores, em que a disputa se acirrava em janeiro, a eleição para presidente da Câmara se aproxima com cenário praticamente definido. Com apoio declarado de partidos que somam mais de 450 deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) deve assumir o comando da Casa com a adesão de governistas e oposicionistas.
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Confira os principais itens previstos para a agenda legislativa da Câmara dos Deputados em 2025:
Anistia
Tema recorrente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara ao longo do segundo semestre de 2024, a anistia aos presos por participação nos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 se configurou como uma das principais pautas do bloco de deputados aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro nesta legislatura.
A proposta de anistia tramita na Câmara na forma do PL 2858/2022, do ex-deputado Major Vitor Hugo (PL-GO). O projeto foi apresentado poucos dias antes dos ataques de 8 de janeiro, e busca perdoar os crimes de todos os envolvidos em ataques contra as instituições após o período eleitoral daquele ano. Na época, os beneficiados seriam os manifestantes que acamparam em frente aos quartéis e levantaram bloqueios rodoviários pelo país cobrando um golpe militar para anular o resultado eleitoral.
Sob a presidência de Caroline de Toni (PL-SC), a CCJ tentou votar diversas vezes o projeto, sempre enfrentando resistência do governo, que apresentou sucessivos requerimentos de obstrução no colegiado onde possuía minoria. No fim de outubro, o presidente Arthur Lira decidiu que uma comissão especial apreciaria o projeto, sem data certa para a abertura dos trabalhos.
A aparente derrota da oposição não impediu a bancada do PL de utilizar o projeto como moeda de troca em seu apoio à candidatura de Hugo Motta (Republicanos-PB), preferido para a sucessão de Lira. O deputado não se comprometeu a garantir os votos para aprovação, mas ele próprio se posicionou favorável ao andamento dos debates sobre a anistia.
Pensões militares
Apresentado em meio à discussão do pacote fiscal, o PL 4920/2024 é uma das propostas do Ministério da Fazenda para reduzir as despesas da União no longo prazo. O projeto busca cortar gastos com a previdência militar, retirando determinados privilégios garantidos à categoria, visando garantir uma economia de R$ 2 bilhões ao ano.
O projeto apresentado pelo governo altera o critério de aposentadoria dos militares: hoje, ele é definido por tempo de serviço, com um patamar mínimo de 35 anos. O texto adota como parâmetro a idade, devendo aquele militar ter no mínimo 55 anos para entrar para a reserva remunerada. Para aqueles que, na data de publicação da lei, já tenham cumprido o requisito, será dada a opção de permanecer até alcançar a idade mínima ou pagar uma taxa de 9% ao ano até que a idade seja alcançada.
Outra mudança importante no projeto é o tratamento que será dado aos militares com mais de 10 anos de carreira expulsos das Forças Armadas por condenação judicial, que atualmente entram para o cadastro de “mortos fictos”, garantindo o direito de pensão aos seus familiares. O texto substitui a pensão imediata por um auxílio-reclusão ao militar expulso, equivalente a metade de seu soldo. Depois de sua morte, sua pensão ficará restrita aos beneficiários de primeira ordem de prioridade: cônjuge, companheiro (a) em união estável, ex-cônjuge, filhos de até 21 anos, filhas de até 24 ou menores sob tutela.
O Ministério da Fazenda também propõe a fixação da parcela salarial a ser gasta com assistência médica, definida inicialmente em 3% e aumentando gradualmente para 3,5%.
Dentro da agenda econômica, também está prevista a possibilidade de votar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil ao mês, acompanhada de um aumento na cobrança para quem recebe acima de R% 50 mil.
PL do aborto
Outro projeto que ficou suspenso na condução de Arthur Lira, o PL 1904/2024 foi um dos mais polêmicos na Casa no último ano. De autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ele insere no Código Penal o conceito de “viabilidade fetal”, parâmetro que, quando rompido por meio do aborto, resultaria em pena equivalente ao de homicídio. Não há, porém, detalhamento sobre o que seria a suposta viabilidade.
O projeto ainda define a data limite de 22 semanas para a realização do procedimento nas formas permitidas por lei (em gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher ou anencefalia fetal). Com isso, mulheres com atraso na autorização judicial para realizar o procedimento, por exemplo, poderiam ficar impedidas de acessar o direito.
O texto iniciou a tramitação sem receber atenção de lideranças na Câmara, e acabou tendo sua urgência aprovada em Plenário. Logo em seguida, parlamentares da Bancada Feminina e movimentos de defesa dos direitos das mulheres protestaram contra a aprovação. Diante da mobilização popular e do receio de comprometer a imagem de um eventual sucessor, Arthur Lira transferiu o projeto a uma comissão especial, ainda sem prazo ou quadros para sua instalação.
Orçamento de 2025
As semanas finais de atividade do Congresso Nacional em 2024 foram marcadas por um turbilhão na discussão da agenda econômica do ano seguinte. Ao longo de todo o segundo semestre, os ministérios da Fazenda e Planejamento elaboraram um pacote de projetos com cortes de gastos para assegurar o cumprimento da meta fiscal para o ano seguinte.
Os três itens ocuparam o debate legislativo ao longo de toda a última semana antes do recesso legislativo, não restando tempo para que a Lei Orçamentária Anual fosse votada antes da semana de natal. Com isso, sua discussão e votação foi adiada para o ano seguinte. Por outro lado, o Congresso aprovou a tempo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que define as normas de operação e elaboração do orçamento.
O atraso acontece em um momento sensível tanto para o Legislativo quanto para o Executivo: durante todo o segundo semestre, a Câmara e o Senado protagonizam uma disputa com o Judiciário para a liberação de emendas parlamentares, constantemente bloqueadas por descumprimento de requisitos constitucionais de controle e transparência. Paralelamente, o governo é alvo de críticas de agentes de mercado diante da alta do dólar, bem como da dificuldade de conter o crescimento da dívida pública, que este ano ultrapassa 80% do PIB.
Inteligência artificial
Aprovado pelo Senado, o PL 2338/2023, de autoria do próprio presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), será apreciado na Câmara a partir de 2025. Ele estabelece os limites básicos para a utilização e desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial no Brasil,
O substitutivo aprovado no Senado divide as ferramentas de inteligência artificial em diferentes graus de risco com base no grau de impacto sobre a vida humana, prevendo normas distintas para cada categoria. Ele proíbe todas as chamadas IAs de “risco excessivo”: aquelas que possam resultar na indução ao suicídio, promover a exploração sexual infantil, classificar indivíduos com base em comportamento social para definição de políticas públicas ou sistemas de armas sem supervisão humana.
O projeto ainda resguarda os direitos autorais de artistas, impedindo que suas obras possam ser utilizadas sem permissão para as bases de dados de IAs generativas.
PEC da segurança pública
Apresentada pelo Ministério da Justiça no final de outubro, a PEC da Segurança Pública começará seu rito na Câmara dos Deputados apenas em 2025. Ela prevê a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública, que integra as bases de dados das forças de segurança federais, estaduais e municipais, permitindo com isso o compartilhamento de informações e o aumento da cooperação em ações conjuntas contra o crime organizado.
A proposta também prevê a transformação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em uma Polícia Ostensiva Federal, passando a atuar com o patrulhamento de vias e espaços públicos tal como operam as polícias militares. Esta nova força receberá equipamentos para operar em modais de transporte que hoje estão fora do alcance da PRF, como em hidrovias, portos e aeroportos.