No final do mês de abril, parlamentares da Bancada Evangélica se mobilizaram na Câmara dos Deputados para criticar os anúncios do show da cantora Madonna, previsto para o mês seguinte no Rio de Janeiro. Entre eles, subiu à tribuna o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), até então pré-candidato à prefeitura da capital fluminense. Ele acusava o prefeito Eduardo Paes, do PSD, de utilizar o patrocínio do evento como instrumento de lavagem de dinheiro. Dois meses depois, no último dia 18, ele voltou ao púlpito, desta vez para selar sua recém-formada aliança com Paes.
Pastor evangélico da Assembleia de Deus, Otoni de Paula assumiu seu primeiro mandato como deputado federal em 2019, destacando-se como orador em defesa do até então presidente Jair Bolsonaro. Em 2022, juntou-se ao MDB, partido que no ano seguinte passou a formar a base do governo Lula. Ainda assim, permaneceu se apresentando como um político bolsonarista. Com o aval de Baleia Rossi (MDB-SP), presidente da sigla, o congressista deu início em 2024 à sua pré-candidatura ao cargo de prefeito do Rio de Janeiro.
Como pré-candidato, Otoni de Paula não poupou esforços para atacar seu principal concorrente. Desde janeiro de 2024, citou o nome de Eduardo Paes 19 vezes em seus discursos em Plenário. Dessas 19 citações, apenas o pronunciamento do dia 18 foi utilizado para outro fim que não para criticar a gestão de Eduardo Paes ou direcionar acusações ao seu nome. Em todas as demais declarações, atacou desde a condução da segurança pública e do transporte na capital estadual às decisões econômicas da prefeitura.
No dia 23 de abril, fez sua acusação mais grave ao falar do patrocínio de R$ 10 milhões ao show da Madonna. “Por que usaram dinheiro público? Eu sei a resposta. É a mesma de sempre: eles usam o dinheiro público, muitas vezes, como em uma lavanderia, ou seja, colocam alguns milhões para que retornem outros tantos milhões. É assim que se move a máquina da corrupção na cidade do Rio de Janeiro. Essa história precisa mudar. Neste ano, o carioca terá o direito de libertar a nossa cidade desta patifaria que é a corrupção na cidade do Rio de Janeiro”, declarou.
No mês seguinte, pouco mais de uma semana depois do evento, retomou sua acusação. “Após o show da Madonna no Rio de Janeiro, parece que o prefeito Eduardo Paes se empolgou e disse que todo ano agora vão acontecer grandes shows. Eu não sou contra esses entretenimentos na cidade do Rio de Janeiro. Eu sou contra o patrocínio disso com dinheiro público. Sabemos que isso funciona como uma grande lavanderia de dinheiro público”, afirmou na tribuna.
Expectativa frustrada
Apesar da aparente lealdade ao clã Bolsonaro, a pré-candidatura de Otoni de Paula não obteve a preferência nem do ex-presidente da República nem de seus filhos ou aliados próximos, que preferiram prestar apoio ao candidato do PL, o deputado Delegado Ramagem (RJ). O líder evangélico também enfrentou dificuldade para manter a força de seu nome diante dos interesses do presidente estadual do MDB, Washington Reis, interessado em uma aproximação com o partido de Bolsonaro.
PublicidadeA partir de junho, o MDB entrou na mesa de negociações com o PL, buscando construir não apenas uma aliança, mas também considerando a possibilidade de lançar um novo nome como vice de Ramagem. Em entrevista ao Valor Econômico e em um vídeo publicado em sua lista de transmissão no último dia 14, Otoni de Paula manifestou ter ficado revoltado, não com a retirada de sua pré-campanha, mas com o fato de ter sido mantido de fora da conversa e de não ter sido ouvido pelos dirigentes de quaisquer dos dois partidos na costura dos termos nova chapa.
Eduardo Paes, buscando aproximação com o eleitorado evangélico e com a parcela do MDB dissidente à campanha de Ramagem, convidou a uma reunião para construir uma aliança, participando também das negociações o bispo Abner Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira. A reunião aconteceu no dia 18, e resultou na junção das duas forças.
Os termos do acordo foram simples: de um lado, Otoni de Paula se juntaria à campanha do atual prefeito, atuando como articulador junto ao eleitorado evangélico. Do outro, Paes deveria manter o PT afastado de sua chapa e não proferir ataques a Jair Bolsonaro em seus discursos. Além disso, deveria abraçar pautas do próprio líder evangélico, como o aumento no investimento na guarda municipal, o estabelecimento de parcerias com comunidades terapêuticas e prestação de apoio às suas bandeiras ideológicas na educação.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que coordena a campanha de Ramagem, criticou Otoni no mesmo dia por abraçar a candidatura de um aliado do presidente Lula, e o cobrou para que explicasse sua decisão aos seus eleitores. Otoni de Paula aproveitou a oportunidade para subir na tribuna e reafirmar seu apoio à candidatura de Paes.
“Declarei meu apoio ao atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que gentilmente resolveu aceitar as nossas críticas e aceitou o que nós impusemos para caminhar com ele. Por exemplo, o PT não será vice de Eduardo Paes no Rio de Janeiro”, anunciou.
Além de argumentar que seu acordo seria uma forma de vitória do eleitorado evangélico, Otoni de Paula ressaltou sua insatisfação com a forma como foi tratado pelo PL. “Senador Flávio, eu o respeito muito, mas não estou em pecado, não. Eu não estou em pecado, eu não estou em adultério, eu não saí da igreja, eu não neguei o nome de Jesus. Simplesmente, estou apoiando alguém que me celebrou. Estou, há um mês, atrás dos senhores pedindo uma saída honrosa do pleito, já que rifaram minha pré-candidatura no Rio de Janeiro. Senador Flávio, aprendi que tenho que estar onde sou celebrado, e não onde sou tolerado”.
O Congresso em Foco buscou a assessoria de imprensa do deputado Otoni de Paula, solicitando esclarecimentos sobre se o congressista mantém as críticas feitas à gestão de Eduardo Paes, bem como se retira as acusações feitas contra ele. O parlamentar também foi questionado sobre se houve alguma nova mudança no acordo desde então. Além disso, a assessoria de imprensa de Eduardo Paes foi questionada sobre se o prefeito conhecia as acusações do deputado contra ele antes de buscar o acordo. Até o momento, não houve resposta.
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