Um dos projetos mais interessantes e mais simpáticos mantidos pela Câmara é o Plenarinho, que tem como slogan “O jeito criança de ser cidadão”. O projeto é voltado para crianças dos sete aos 14 anos, pais e professores. Tem um portal na internet, por meio do qual é possível à molecada saber o básico sobre o poder legislativo, da elaboração das leis à atuação parlamentar, informações básicas sobre política, democracia e organização do Estado, sem esquecer noções básicas sobre saúde, educação e lazer. E o Câmara Mirim. “O Câmara Mirim – informa o próprio site – é realizado todos os anos no mês de outubro. Crianças apresentam e votam projetos de lei de sua autoria, em uma simulação da sessão legislativa ordinária no Plenário da Câmara. No caso do Eleitor Mirim, promovido a cada dois anos, professores e estudantes participam da eleição de candidatos fictícios, desde a campanha até a votação em uma urna eletrônica virtual”.
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Bacana, né? Mas ultimamente ando meio desconfiado sobre a sobrevivência desse projeto. A queda, melhor dizendo: o desabamento no nível do debate parlamentar, com apelo fácil a palavrões os mais cabeludos, bem como as agressões físicas e até mesmo as menções reiteradas ao uso de armas de fogo como forma de resolver problemas com certeza vão começar a deixar pais e professores com a pulga atrás da orelha. Será que vale mesmo a pena levar os filhos ou os alunos para um ambiente tóxico onde se deveria respirar o ar puro da cordialidade e do respeito às diferenças? Porque o que se tem visto é um festival diário de baixarias de conteúdo pornográfico, homofóbico, misógino, machista, racista e preconceituoso, pra dizer o mínimo.
E há exemplos aos quilos. Está difícil até mesmo deixar a televisão ligada quando estão sendo transmitidas sessões plenárias ou de comissões, tamanhos os despautérios às normas mais comezinhas da boa convivência. Não parece linguagem de botequim, mas de prostíbulo. Desconfio até que nos prostíbulos é capaz de a linguagem dos frequentadores ter um nível um tanto mais elevado. E não se trata de moralismo barato, mas de simples constatação dos fatos. Exemplos? Ainda agora o ministro da Justiça, Flávio Dino, recusou-se a comparecer à Comissão de Segurança da Câmara por falta de… segurança!
Se seu filho ou aluno estiver lendo este artigo, é melhor evitar que prossiga, porque daqui pra frente o conteúdo não é recomendável para menores de 18 anos.
O próprio Flávio Dino, ao justificar a ausência, afirmou: “Se há agressão, ofensa, ameaça física, eu não posso como cidadão e ministro de Estado me submeter a um risco físico que eventualmente ocorra em algumas situações”. E são afirmações em tom desafio como “se tem coragem venha buscar minha arma aqui”’.
Dino chegou a ser acusado de estar aliado à bandidagem e ao crime organizado. O próprio presidente da Comissão, deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) em 24 de outubro passado, diante da ausência dele, afirmou, sem constrangimento algum pelo uso de palavreado escatológico: “Cagou para a Comissão de Segurança Pública. E, com isso, ele está dizendo assim: ‘Congresso Nacional, pouco me importa o que vocês estão fazendo, porque o que o que interessa é eu estar bancando, pagando de xerifão, de valentão”. Já o deputado Delegado Bilynsky (PL-SP) afirmou. “Queria dizer, em primeiro lugar, que quem tem medo de polícia é bandido, é ladrão. Com isso, nós estamos bem acostumados, deputado Sargento Fahur, porque eles falam muito entre eles, na internet, gravam videozinho. Quando está batendo na vítima, paga de machão, mas quando aparece na frente da polícia, vira uma mocinha. Fica com medinho. Se caga todo.”. E o deputado Gilvan da Federal (PL-ES) fechou o espetáculo assim: “Se ele fosse homem e tivesse uma mulher e fosse chifrado, ia dizer que era culpa do Bolsonaro também. (…) Ministro Flávio Dino deveria estar preso agora”.
PublicidadeO festival de baixarias não para por aí. O deputado Coronel Chrisostomo (PL-RO), outro dia foi à tribuna para ofender aos berros o ministro Flávio Dino, chamando-o de “sobrepeso” e “irresponsável”. Falou inclusive em confronto físico. “Se vier na marra, vai levar porrada do povo brasileiro. Vem pra cima, vem!”. Já quem não é parlamentar e vai ao Congresso aproveita o clima de “vale tudo” e tome palavrão. Ao depor na CPMI dos Atos de 8 de janeiro, o ex-chefe do GSI da Presidência, general Augusto Heleno, entrou na farra. Ao ser confrontado com a relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-AM), berrou ao microfone que estava “puto” e completou: “Ela fala as coisas que ela acha que tá (sic) na minha cabeça. Porra. É pra ficar puto. Puta que pariu!”. Veja no vídeo abaixo:
E já que o clima é de liberou geral, nem mesmo o próprio Xandão deixou de soltar uns palavrões, citando o que disse um dos réus do 8 de janeiro, aquele que se deixou gravar sentado na cadeira de presidente do Senado: “Quem não acreditou, também estou aqui pra vocês, porra. Olha onde eu tô, na mesa do presidente. Dilsão, Vilsão, Rony, tamo aqui, porra. Marcelão, tamo aqui, caralho! Vai dar certo, não desistam. Saiam às ruas e parem as avenidas.”
E então, dá pra levar filho ou aluno a uma visita ao Congresso? Ninguém pode me acusar de depor contra o decoro. Eu avisei para tirarem as crianças da frente deste artigo. E só para finalizar. Fiz cobertura das atividades do Congresso Nacional desde 1976 até 2019, pelo Jornal do Brasil, TV Globo e TV Câmara. Vi um pouco de tudo, até tiroteio. Pois em plena ditadura militar, os integrantes da direita cometiam as piores atrocidades que envolviam censura, tortura, desaparecimentos ou assassinatos de opositores. Mas, curiosamente, se comportavam… de forma educada!, ao ocupar a tribuna. À época, um chargista horrorizou-se com uma troca de “amabilidades” entre dois parlamentares, num episódio que à época foi considerado um dos momentos de mais rasteira baixaria nos debates da Câmara. Foi quando trocaram essas imprecações: “Vossa excelência é um ladrão! Ao que o outro, fiel ao cumprimento do dever regimental de tratamento retrucou, para que constassem dos anais: “Vossa Excelência me respeite. Porque ladrão é Vossa Excelência!”
Que absurdo! Só que hoje parece brincadeira de crianças. Se não fosse pelos horrores da ditadura, quase que eu escrevia: bons tempos aqueles…
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