“Valeu a pena eu chegar a esta Casa para este dia histórico”, exultou Damares Alves (Republicanos-DF), ao orientar a bancada do partido a votar em favor à PEC que limita os poderes do STF em decisões monocráticas, aprovada na noite de quarta-feira pelo Senado. O tom da senadora refletiu o sentimento vitorioso do grupo bolsonarista na Casa, que chegou ao resultado (52 x 18) com o empenho de Rodrigo Pacheco e o inusitado auxílio do líder do governo Lula, Jaques Wagner. “A gente precisa fazer muito mais, a gente tem que colocar mandatos para ministros do STF”, pregou o senador Cleitinho.
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A participação de Wagner e de 15 governistas numa revanche bolsonarista à Corte, travestida de medida pelo equilíbrio entre os Poderes, coloca Lula em situação delicada. Desde o final do ano passado, o Supremo vem tomando decisões que beneficiaram o governo. Por exemplo, deixar o Bolsa Família, vitrine petista, fora das regras do teto de gastos, que ainda estavam em vigor.
Neste ano, uma decisão — monocrática — do ministro André Mendonça sobre questão tributária (a proibição de empresas abaterem benefícios fiscais estaduais do IR e da CSLL) deve render ao caixa da União cerca de R$ 90 bilhões. A decisão envolveu muita diplomacia do ministro Fernando Haddad, e na pauta do tribunal há uma série de outras ações bilionárias que podem ajudá-lo em sua — hoje improvável — cruzada para zerar o déficit público. Um voto do líder do governo em favor de um projeto que é contra o Supremo é destoante desse esforço.
A reação do STF foi imediata, e na noite de ontem mesmo ministros se movimentaram para passar o recado: consideraram o voto de Wagner uma traição. Aliados do senador consideram que ele agiu assim por razões pragmáticas. Sobretudo, posicionar o governo na disputa eleitoral pelo comando do Senado em 2025 — que já está em curso acelerado. Davi Alcolumbre pretende voltar ao cargo. Como precisa dos votos bolsonaristas, contou com Pacheco para pautar a proposta e dar ao grupo um trunfo em uma de suas maiores bandeiras, a luta contra o Supremo. Alguns viram o voto de Wagner como sinal de apoio do governo à candidatura de Alcolumbre.
É uma tese, mas não anula o fato de um dos expoentes do governo, especialmente próximo a Lula, ter se alinhado a um projeto tão caro à turma do ex-presidente. O senador pode ter queimado algumas pontes e o fez na companhia de Pacheco, outro que acaba de perder a confiança do Supremo.
Os ministros da Corte vêm dando recados explícitos contra os desejos de vingança do Congresso. Frequentemente lembram do papel do tribunal na preservação da democracia, a partir da pandemia e na contenção do golpismo de Jair Bolsonaro. Também não deixam de citar decisões que permitiram a volta de Lula ao poder, anulando sentenças da Lava-Jato e reinterpretando a lei.
Lula preferiu deixar o governo oficialmente fora do debate sobre a PEC, liberando a bancada, embora tenha havido forte negociação para reduzir sua abrangência, com atuação decisiva de Wagner. Até por isso, seu voto causou espanto. Não deixa de ser surpreendente também a reação de ministros da Corte. Afinal, ao acusar o governo de traição, dão a entender que esperavam gestos de retribuição. O regime democrático precisa mesmo de ajustes no Brasil.
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