Passado o carnaval, o Congresso Nacional retomou em definitivo suas atividades de 2024. E, como ocorre em todo início de ano, os deputados se distribuirão nas vagas para as comissões permanentes da Câmara, elegendo seus presidentes e vice-presidentes. Este é um processo fundamental no interior da Casa, pois a composição das comissões permanentes implica a distribuição de importantes recursos.
Atualmente, a Câmara é composta por 30 comissões permanentes, cada qual vinculada a alguma temática. A proposta de um Legislativo estruturado em um sistema de comissões faz com que a atuação dos deputados no interior dele seja organizada de acordo com suas especialidades. Por meio dessa organização, os projetos de lei são apreciados no interior das comissões cujo tema apresenta afinidade de conteúdo com a jurisdição do órgão. Por exemplo, um projeto de lei que trate de assuntos esportivos deve passar pela Comissão do Esporte; outro que lide com fontes alternativas de energia tramitará pela Comissão de Minas e Energia, e de forma análoga com outras temáticas. Um mesmo projeto de lei passa por mais de uma comissão, pois seu conteúdo tende a articular mais de um assunto específico.
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Como cada comissão trata de assuntos específicos, seus integrantes desenvolvem um conhecimento sobre a temática, de modo que possuem vantagens de informação e decisão em comparação aos demais. Isto ganha relevância especial se considerarmos que: i) projetos são alterados ou substituídos nas comissões e ii) propostas legislativas podem nem passar pelo plenário antes de virar lei, caso sua tramitação seja de caráter conclusivo nestes órgãos.
Assim, a divisão de trabalho via sistema de comissões traz eficiência ao processo legislativo, por fazer com que os projetos passem pelo crivo de grupos menores de pessoas – se comparado à Câmara como um todo – que compõem órgãos especialistas nos assuntos em debate. No entanto, isso pode enviesar o destino da proposta legislativa e de seu conteúdo à preferência desses grupos, exatamente por possuírem exclusividade para lidar com cada tema.
A regra estabelecida para contornar a possibilidade de viés consiste em transformar cada comissão permanente em um microcosmo da Câmara dos Deputados. Para tanto, o critério de distribuição de vagas nas comissões é proporcional ao peso que cada Partido, Federação Partidária ou Bloco Partidário possui na Casa. Desse modo, um partido que ocupa 8% das cadeiras da Câmara tem direito a 8% das vagas de cada comissão, fazendo com que a composição de cada órgão – pelo menos em termos partidários – seja equivalente ao que se observa na Câmara dos Deputados.
Contudo, nem tudo são flores, sendo que três elementos complexificam este arranjo:
Publicidade- Alguns membros controlam mais recursos do que outros nas comissões, em especial presidentes e relatores de projeto. Dentre as prerrogativas dos presidentes de comissão destacam-se o estabelecimento das pautas de reuniões e a distribuição de relatorias. Com a primeira, o presidente controla a agenda da comissão, estabelecendo o que e quando será apreciado. Com a segunda, define quem pode propor alteração, substituição, aprovação ou rejeição da matéria em escrutínio, o que explica também a concentração de poder por parte dos relatores;
- Algumas comissões são mais relevantes do que outras se considerarmos o peso que cada partido dá a cada temática e a importância que certas comissões têm no aglomerado do processo legislativo. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), por exemplo, recebe atenção especial dos parlamentares, porque todos os projetos tramitam por ela, seja pelo mérito da matéria e/ou para verificação de sua constitucionalidade. Não à toa é a comissão com mais vagas no sistema, sendo ocupada, na atual legislatura, por 66 deputados. Aliás, a variação do número de membros é outra demonstração de que os atores políticos dão peso distintos a cada temática. Atualmente, o número de parlamentares no interior de cada comissão varia de 18 a 66, com grande variação entre esse intervalo. Por fim, há ainda uma última diferenciação: 14 comissões são classificadas como exclusivas e 16, como cumulativas. Dentre as exclusivas, cada parlamentar pode participar como titular de apenas uma e estas são as que possuem mais membros;
- Partidos, federações e blocos trocam algumas vagas de comissões entre si. Com isso, alguns ficam com maior peso em certas comissões do que na Câmara e, ao mesmo tempo, com menor peso em outras. Essas barganhas interpartidárias, que variam ao longo dos anos a depender dos interesses dos atores políticos, resultam em comissões permanentes que não representam um microcosmo da Câmara nem em sua composição.
Na sessão legislativa anterior (2023), o governo conseguiu presidir a CCJC com Rui Falcão (PT-SP). Por outro lado, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, que possui prerrogativas exclusivas de acompanhamento das contas da União, ficou a cargo da oposição, sendo presidida por Bia Kicis (PL-DF). Em termos mais programáticos, destaco que a Comissão de Trabalho foi presidida por Airton Faleiro (PT-PA) e a de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado pelo deputado Sanderson (PL-RS). Não custa destacar o quanto a temática do trabalho é cara à esquerda e ao PT e o quanto a direita e o PL se vinculam a assuntos vinculados à segurança pública.
Em suma, o debate em torno da composição das comissões não é casuístico. Ele define quais partidos, federações e blocos concentrarão informação e decisão em determinadas jurisdições. E isso ocorre a despeito de que, na Câmara, a representação de preferência de cada ator político deve ser restrita ao seu peso no interior da Casa. Como vimos, em busca de rapidez e eficiência, a partir da divisão de trabalhos por temáticas específicas, nem sempre as comissões conformam um microcosmo do plenário. Em contrapartida, decisões tomadas por pequenos grupos e com preferência enviesada podem ferir o princípio majoritário das democracias representativas. De todo modo, são dilemas que compõem os regimes democráticos e é preciso conhecê-los para evitar que desequilíbrios graves predominem.
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