Apesar do recente conflito entre as mesas diretoras da Câmara e do Senado sobre como dar andamento às medidas provisórias (MPs) editadas pelo governo, esse debate não é recente dentro do Poder Legislativo. Desde o início dos anos 2000, ao menos 30 propostas de emenda constitucional foram protocoladas por deputados para mudar esse rito. Algumas delas coincidem exatamente com o interesse do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O ritual estabelecido para tramitar uma medida provisória impacta diretamente o equilíbrio de poder entre as duas casas legislativas. Lira defende a adoção do modelo adotado hoje no Congresso Nacional e implementado em decorrência da pandemia, em que as MPs passam diretamente pelo plenário da Câmara e, quando aprovadas, vão ao plenário do Senado. Esse trâmite fortalece o papel dos deputados no processo, servindo como primeiro “filtro” para as medidas.
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, defende o modelo previsto na Constituição, que era adotado antes da pandemia: MPs passam inicialmente por uma comissão mista, onde senadores e deputados discutem o teor da medida no mesmo ambiente antes do envio ao plenário da Câmara, e depois do Senado, que desta vez se torna presente ao longo de todo o processo.
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Pressionado pelo Senado, Lira se pronunciou pela primeira vez sobre o rito de tramitação no último dia 15, defendendo uma mudança na Constituição para tratar do trâmite de medidas provisórias, e afirmando que a comissão mista era um modelo ultrapassado. Essa ideia não é nova: há exatos 20 anos atrás, foi protocolada uma PEC que propõe exatamente o fim desse modelo de tramitação.
A proposta foi protocolada pelo ex-senador José Jorge, do PFL (atual União Brasil). Já aprovada no Senado, ela se encontra na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara como PEC 208/2003, mas sem relator. José Jorge propôs esse modelo pois avalia que o Senado sai prejudicado com todas as MPs tramitando anteriormente na Câmara, o que acaba pressionando o prazo restante para que senadores possam fazer a apreciação.
“Temos assistido a uma redução inaceitável do nosso papel institucional, e temos funcionado, na matéria, como mera instância homologatória das decisões tomadas na Câmara dos Deputados”, argumentou o parlamentar. Outras PECs semelhantes foram elaboradas desde então. Em 2006, o ex-deputado Fernando de Fabinho, também do PFL, protocolou a PEC 532/2006, que já propõe o mesmo modelo utilizado hoje, com a extinção da comissão mista e envio das MPs diretamente para o plenário da Câmara.
Assim como Lira, Fernando de Fabinho considera a comissão mista um mecanismo ultrapassado e que cria morosidade na tramitação das MPs. “A exigência da formação da Comissão Mista de Deputados e Senadores é praticamente impossível de ser cumprida, com dificuldades de burocracia, conciliação de espaços e agendas. E o resultado é apenas o atraso nas discussões e o escoamento dos prazos”, justificou.
Propostas radicais
Ao tratar do trâmite de medidas provisórias, alguns parlamentares chegaram a propor mudanças extremas no funcionamento do Poder Legislativo. Uma delas é de autoria do ex-deputado Maurício Rands, do PT, que extingue a competência do Senado em aprovar projetos de lei ordinárias e complementares, bem como medidas provisórias. O parlamentar argumenta que o monopólio dessas competências na Câmara seria para simplificar o processo legislativo, e sua PEC acabou rejeitada em 2008.
Um texto mais recente, protocolado pelo ex-deputado emedebista Rogério Mendonça em 2018, propõe uma mudança ainda mais profunda: sua PEC extingue a Câmara e o Senado, instituindo em seu lugar um novo parlamento unicameral, estabelecido por meio de um sistema eleitoral misto que estabelece tanto deputados quanto representantes estaduais que participarão de debates no mesmo ambiente.
Mendonça argumenta que o modelo bicameral é demorado em seu processo de apreciação de matérias, e que essa demora cria lacunas que acabam preenchidas pelos demais poderes. “O detalhado estudo e reflexão que envolve o acúmulo da discussão e apreciação de uma proposta legislativa ‘perde-se’ na tramitação entre uma Casa e outra, necessitando voltar ao seu ponto de partida”, argumentou o ex-deputado sobre a PEC 437/2018, emperrada na Câmara sem relator.
O ex-deputado Odacir Zonta, do PP, já chegou ao ponto mais radical ao propor o fim das medidas provisórias. De acordo com ele, as MPs são “um constrangimento” do Poder Executivo ao Poder Legislativo, “que agora se vê constantemente com as pautas obstruídas ou ameaçadas em sê-lo, em virtude das inditosas medidas”. Sua PEC foi proposta em 2003, e arquivada em 2006.
As demais PECs que tratam sobre o rito de apreciação das MPs já replicam as citadas ou propõem mudanças pontuais: questões ligadas ao prazo de aprovação, limite no número de medidas em votação em plenário na mesma sessão, ajustes na redação dos trechos da Constituição que tratam do assunto, entre outras.