Pelos próximos 90 dias, 12 deputados vão se concentrar nas discussões da reforma tributária para, em seguida, levar uma proposta ao plenário da Câmara. A reformulação do sistema tributário brasileiro é considerada prioritária tanto pelo governo quanto pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e pelos principais líderes do Congresso. Caberá ao grupo de trabalho (GT) realizar audiências públicas, ouvir especialistas e autoridades no tema para formatar o texto que será analisado pelos 513 deputados. Embora representem mais da metade da população e estejam entre os segmentos mais vulneráveis da economia brasileira, mulheres e negros ficaram de fora da composição do GT. Só poderão entrar diretamente no debate quando a proposta chegar ao plenário.
Não há nenhuma mulher e nenhum negro entre os 12 integrantes indicados pelos partidos para compor o colegiado. Apenas três dos membros se autodeclararam pardos à Justiça eleitoral: Adail Filho (Republicanos-AM), Sidney Leite (PSD-AM) e Mauro Benevides Filho (PDT-CE). Também participam do grupo: Reginaldo Lopes (PT-MG), que coordenará o grupo; Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), o relator, e mais Saullo Vianna (União-AM), Glaustin da Fokus (PSC-GO), Newton Cardoso Junior (MDB-MG), Ivan Valente (Psol-SP), Jonas Donizette (PSB-SP), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) e Vitor Lippi (PSDB-SP). Todos brancos, conforme autodeclaração entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Procurado pelo Congresso em Foco, Arthur Lira informou, por meio da assessoria, que as indicações foram feitas pelos partidos e que apenas assinou o ato criando o grupo. A exclusão de mulheres e negros dessa fase de discussão da reforma tributária gerou críticas de parlamentares, que consideram que ficaram de fora exatamente os segmentos que mais sofrem com a injustiça tributária. Também há reclamações sobre a falta de representantes do Sul.
Os mais interessados excluídos
Primeira deputada negra eleita pelo Paraná, Carol Dartora (PT) criticou a composição do grupo. Segundo ela, é fundamental debater a reforma sob a perspectiva de gênero e racial.
“Mais uma vez a gente vê as pessoas mais interessadas, as mulheres, negros e os mais pobres excluídos da discussão econômica. Nosso sistema econômico é retrógrado e desproporcional para as pessoas mais vulneráveis. As pessoas mais interessadas são as pessoas negras e principalmente as mulheres. Então, é necessário debater a reforma levando em conta a questão de gênero e raça, como na taxação de impostos para as domésticas. É necessária pensar a dedução de imposto de renda para elas”, disse a deputada ao Congresso em Foco.
De acordo com ela, esse tipo de debate não está sendo feito pela ausência das pessoas interessadas nos fóruns de decisão. “A gente quer uma reforma onde muita gente acha que taxar grandes fortunas é tirar do rico para dar aos pobres, mas na verdade queremos a equidade”, afirmou.
Para a deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), presidente da Frente Parlamentar pela Mulher Empreendedora, a falta de representação feminina no GT é “inaceitável”.
“As mulheres são impactadas de forma diferente pelos impostos e tributos, e as empreendedoras brasileiras, que são fundamentais para a economia do país, não podem ficar de fora desse debate”, reclama a deputada.
Any defende que é fundamental que o Congresso leve em conta também as perspectivas e necessidades das mulheres ao elaborar políticas fiscais e tributárias.
Na avaliação dela, a reforma tributária tem o potencial de afetar de forma desproporcional as mulheres, podendo limitar a capacidade do Congresso de criar políticas tributárias que abordem os contextos socioeconômicos que afetem o gênero. “É fundamental que a reforma tributária brasileira olhe para todos os empreendedores, sem exceção”, reforça a deputada, que está em seu primeiro mandato.
Mais de dez milhões de mulheres possuem seu próprio negócio no Brasil, segundo o Sebrae. Cerca de 49% dessas mulheres são chefes de família.
Ainda de acordo com o Sebrae, em 2016, havia 12,8 milhões de empreendedores negros no país. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, o país conta com 14 milhões de afroempreendedores, que movimentam, aproximadamente, R$ 359 bilhões em renda própria por ano.
Representatividade regional
Também houve protesto, em plenário, por parte do deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), que alegou que há super-representação da bancada do Amazonas no colegiado. Dos oito deputados amazonenses, três estão no GT. Ele reclamou da falta de parlamentares do Sul.
“Dois por cento do total da Câmara dos Deputados está sendo chamado a compor um grupo de trabalho. E pior: completamente desequilibrado em termos regionais. Três deputados do estado do Amazonas. Nenhum do Rio Grande do Sul, nenhum do Paraná, nenhum de Santa Catarina. Agora, se dos deputados do Amazonas que lá estarão houver a proposta de fazer da Zona Franca de Manaus uma zona franca do Brasil, aí nós poderíamos concordar ou pelo menos começar a discussão”, criticou o deputado gaúcho.
União de duas PECs
Arthur Lira escolheu o deputado Aguinaldo Ribeiro para relatar a reforma tributária. Aliado do presidente Lula, Aguinaldo já havia relatado a proposta na legislatura passada. O texto, no entanto, acabou não indo a votação em meio a uma disputa entre a Câmara e o Senado pelo protagonismo em torno da reforma e à falta de acordo com os governadores.
Lira também escalou o deputado Reginaldo Lopes para coordenar o grupo de trabalho que discutirá a redação da proposta. O GT terá duração de três meses. Segundo o presidente da Câmara, esse é o tempo necessário para que os deputados debatam o tema e passem a ter familiaridade com a reforma.
O texto final deverá sair da combinação de pontos da PEC 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), e da PEC 110/2019, concebida pelo ex-deputado paranaense Luiz Carlos Hauly, e transformada em proposta de emenda com a assinatura de diversos senadores, capitaneada por Davi Alcolumbre (União-AP). Em linhas gerais, as duas PECs propõem a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) como forma de tributação do consumo.
A base do texto, no entanto, deve ser a PEC 45, concebida pelo economista Bernard Appy, hoje secretário da reforma tributária no Ministério da Fazenda. O texto extingue o IPI, o PIS, a Cofins, o ICMS e o ISS, todos incidentes sobre o consumo. No lugar deles, cria dois impostos.
O objetivo, de acordo com Lira, é que a reformulação do sistema tributário seja aprovada antes da definição de um novo teto de gastos ou de regras para controlar os gastos públicos. “Defendo a reforma tributária possível, que simplifique, agilize e dê transparência na questão de impostos. Mas o governo tem que construir base, fazer número”, disse.
Para os deputados e senadores, nunca a reforma tributária foi tão possível. Na avaliação dos parlamentares, ela será a principal pauta legislativa deste ano, de acordo com a última rodada do Painel do Poder, pesquisa trimestral que o Congresso em Foco Análise faz com 70 dos principais líderes do Parlamento. De acordo com a pesquisa, há um alto grau de concordância dos parlamentares com a reforma tributária, muito próxima mesmo da totalidade. De uma escala de um a cinco, os deputados e senadores deram, em média, 4,52 como grau de concordância total com a reforma tributária.
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