A edição de 2024 do Atlas da Violência dedicou um capítulo à análise dos resultados da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os sistemas de controle e fiscalização de armas e munições no Brasil entre 2019 e 2022, bem como sobre as medidas adotadas pelo poder público após esse período. De acordo com os pesquisadores, o projeto de decreto legislativo (PDL) aprovado pela Câmara dos Deputados em maio para reverter parte das restrições estabelecidas em 2023 para o comércio de armas foi uma “enorme contribuição para o crime organizado e para a insegurança pública da nação”.
No início de 2022, o TCU, a pedido da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, deu início a uma profunda investigação sobre o funcionamento dos sistemas empregados pelo Exército para o monitoramento do comércio de armas para civis, em especial sobre os registros de Caçador, Atirador Desportivo e Colecionador (CAC), que passaram por uma flexibilização em massa durante o governo de Jair Bolsonaro.
O relatório, como noticiou o Congresso em Foco após a sua conclusão, apontou uma série de falhas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), plataforma adotada pelo Exército, onde deveriam estar, até o início de 2023, todas as informações sobre armas legalizadas no país, incluindo sobre os portadores de registros de CAC. Também foram identificadas falhas no Sistema de Controle da Venda de Munições (Sicovem), operado pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), bem como no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), operado pela Polícia Federal (PF).
As duas entidades que elaboram anualmente o Atlas da Violência, respectivamente o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento, chamaram atenção para o impacto dessas falhas nos sistemas de fiscalização sobre a própria atividade do crime organizado, conforme revelou a auditoria do TCU.
“A equipe de auditoria analisou as apreensões realizadas apenas pela PF entre os anos de 2013 e 2021, concluindo que até 76% das armas de fogo apreendidas podem ter sido adquiridas legalmente e, posteriormente, desviadas para o mercado ilegal”, registraram os pesquisadores no Atlas da Violência.
Em 2023, o Ministério da Justiça, até então sob gestão de Flávio Dino, acolheu uma série de orientações do TCU para resolver as lacunas sobre a fiscalização de armas de fogo, aumentando principalmente o controle sobre CACs. A competência para o monitoramento ficou concentrada na Polícia Federal, armas automáticas foram proibidas, bem como calibres de uso restrito. Também foram estabelecidos limites de compra de munição em proporção à frequência de cada portador de CAC em clubes de tiro, cuja construção ficou proibida em áreas escolares.
PublicidadeNa Câmara dos Deputados, a resposta foi a revogação de diversos trechos do decreto de Flávio Dino. Após acordo com o atual ministro da pasta, Ricardo Lewandowski, o plenário aprovou no fim de maio o Projeto de Decreto Legislativo 206/2024. O texto prevê uma série de exceções às novas restrições, incluindo uma ampla flexibilização nos tipos de armas que podem ser adquiridos por CACs, incluindo automáticas, além do retorno da possibilidade de construção de clubes de tiro próximos a escolas.
O PDL das Armas agora tramita no Senado, e seu conteúdo foi alvo de crítica direta no relatório do Atlas da Violência. “A flexibilização a favor da difusão de armas de fogo na sociedade gera efeitos perversos, como aumento de crimes e facilidades para o crime organizado. Com o supramencionado PDL a Câmara dos Deputados deu uma enorme contribuição para o crime organizado e para a insegurança pública da nação. O que era temerário e falho, piorará ainda mais”, alertaram os pesquisadores.
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