Durante um seminário em São Paulo na segunda-feira (15), o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), autor do PL 2630/2020, também conhecido como PL das Fake News, retomou as acusações contra a empresa Google de manipulação sobre o debate do projeto no ambiente digital, de modo a “enviesar” os usuários e beneficiar teses contrárias ao texto. A empresa nega tal esforço, mas especialistas em análise de redes digitais alertam que aspectos do algoritmo desta e de outras plataformas acabam fortalecendo o lado contrário ao projeto.
Orlando Silva não é o primeiro a suspeitar das plataformas digitais: a forte difusão de publicações contrárias ao projeto em redes sociais já levou diversos outros usuários a acusar as big techs de manipular o algoritmo de distribuição em favor próprio. Especialistas consultados pelo Congresso em Foco, no entanto, consideram que esta força maior dos opositores se dá por conta de uma brecha não necessariamente intencional nesses códigos.
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A política de “bad words”
O principal fator dentro dos algoritmos em favor da oposição é a política de bad words: listas de palavras adotadas pelas plataformas cujo entendimento é de que possam representar uma violação em potencial aos termos de uso. Expressões de teor sexual, relacionadas à violência ou ao crime entram nessa classificação, e seu uso resulta em colocações desfavoráveis nos resultados de pesquisa ou no alcance em redes sociais.
Essas listas são mantidas em sigilo pelas plataformas, visando evitar que usuários consigam encontrar meios para burlar o mecanismo. Monitores de redes sociais, porém, identificam o termo “fake news” como uma das palavras nocivas. Com isso, resultados e publicações que se refiram ao projeto como “PL das Fake News” acabam atingidos.
Os indícios até o momento são de que essa restrição já existia antes do debate sobre o projeto ganhar espaço nas redes sociais, havendo a maior possibilidade de se tratar de um peso não intencional sobre a discussão do PL 2630. Pedro Barciela, especialista em monitoramento de redes com foco em política, ressalta que, intencional ou não, esse efeito fortalece os bolsonaristas.
PL das Fake News x PL da Censura
Enquanto apoiadores do PL 2630 comumente se referem ao texto como “PL das Fake News”, nome original do projeto quando proposto no Senado, a parcela radical de seus opositores já o denominou “PL da Censura”. “Desde o começo, a gente vê uma facilidade do campo bolsonarista em defender o debate do que chamam ‘PL da Censura’ em comparação ao que os apoiadores e parte da imprensa chamam ‘PL das Fake News’”, relatou.
PublicidadeA política de bad words acaba fortalecendo o lado que se refere ao projeto adotando um termo que não recebe classificação negativa nos algoritmos. Esse fator se soma a outros aspectos da discussão que também dão vantagem ao campo opositor. O principal deles é o grau de profundidade com que o tema é tratado nas redes.
Por um lado, Barciela aponta que existe uma dificuldade entre os apoiadores de explicar corretamente no que consiste o PL 2630. “É algo muito mais profundo do que um debate apenas sobre fake news. É um projeto que envolve debates sobre as plataformas, sobre os papéis dos algoritmos nas redes sociais. É algo muito mais complexo do que a forma com que o debate vem se desenvolvendo até aqui”.
Por outro, destaca que a narrativa criada pelo campo bolsonarista é simples de compreender, e consequentemente fácil de vender ao usuário. “Um debate feito de forma rasa favorece quem tenta abraçar a ideia de que se trata de um ‘PL da censura’, algo muito mais simples de se tratar enquanto narrativa para a população como um todo. Essa ideia de ‘vamos defender a liberdade contra a censura’ é muito fácil de ser ventilada ao público”.
O especialista ainda acrescenta que o próprio fato da oposição ao projeto ser coordenada por grupos de extrema-direita também fortalece esse ponto de vista ao se discutir o tema nas redes sociais. “É um debate extremamente polarizado, e nesse cenário polarizado, a oposição é muito mais eficiente ao se tratar nesse tema até pela organização e pela coesão características do bolsonarismo. Eles conseguem mobilizar sua militância com uma eficiência muito grande, alcançando um engajamento muito maior do que o campo antibolsonarista”, relembrou.
As assessorias de imprensa brasileiras da Google e da Meta, empresas que fazem as gestões das plataformas Youtube, Facebook, Instagram e Whatsapp, foram questionadas sobre a inclusão do termo “fake news” em suas listas de bad words, e a matéria será atualizada caso haja resposta. A companhia Twitter não conta com assessoria no Brasil desde janeiro de 2023 e não responde por demandas da imprensa desde o mês de março.
Dilema das plataformas
O jornalista Manoel Fernandes, diretor da Bites, empresa especializada em análise e monitoramento de redes, explica que, apesar do impacto político no Brasil, as plataformas digitais se encontram em um dilema com relação a manter ou não o termo “fake news” em suas listas de bad words. Qualquer mudança nessa lista pode resultar em efeitos incontroláveis.
“O argumento que se costuma utilizar na defesa dessas listas é que, propagando menos notícias supostamente associadas às fake news, se reduz seu impacto na questão da desinformação. Isso cria uma questão a ser resolvida no curto prazo: se liberam a propagação para melhor abordar esse assunto, também correm o risco de permitir a propagação de fake news que até então estavam retidas”, explicou.
Esse paradigma se torna ainda mais difícil de administrar ao se lidar com as consequências políticas de uma eventual mudança no algoritmo em função de um projeto de lei específico. “Se eles bloqueiam a palavra, são acusados de defender a posição deles. Mas se eles liberam, correm o risco de propagar fake news ou de serem acusados de assumir o outro lado”.
Fernandes sugere que as plataformas de busca e de redes sociais estabeleçam também uma lista de fontes conhecidas pela credibilidade que possam ser tratadas com maior flexibilidade quanto a bad words ligadas ao interesse público. Essa reforma, porém, não seria possível de implementar durante o debate do PL 2630. “Esses algoritmos são operados por muitas pessoas. Qualquer mudança precisa ser muito bem calculada, e algo tão complexo é impossível de construir em curto prazo”.
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