Atual vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) é favorito para assumir a presidência da bancada em 2025. Antigo aliado da família Bolsonaro, sua trajetória nos últimos meses foi marcada por críticas ao grupo próximo do ex-presidente, e por gestos de aproximação com o governo Lula. Hoje, se define como um “conservador de direita”, mas defende o fim do radicalismo como estratégia para a sobrevivência de seu espectro político.
Entre 2019 e 2022, Otoni de Paula foi um orador constante em defesa do governo Bolsonaro na tribuna da Câmara dos Deputados, e permaneceu ao seu lado na última eleição geral. Após derrota de seu aliado, começou a criticá-lo por se isolar e não aceitar o resultado das eleições, postura que levou milhares de militantes a se exporem nos acampamentos em frente a quartéis das Forças Armadas para cobrar um golpe militar, ficando sujeitos a doenças, problemas conjugais e perda de seus empregos.
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Ele foi um dos parlamentares que se encontraram com Bolsonaro no Palácio da Alvorada durante o isolamento pós-eleitoral. Em entrevista ao Congresso em Foco, Otoni revelou os bastidores da conversa: ele relata ter recomendado ao ex-presidente que se pronunciasse para que os manifestantes retornassem para casa. Bolsonaro, segundo ele, disse que não tinha coragem de fazer isso. Semanas depois, foram promovidos os ataques às sedes dos três poderes, em 8 de janeiro de 2023.
“Eu estava preocupado com os patriotas que estavam nas portas dos quartéis, aqueles brasileiros ali. E eu disse: ‘Presidente, o senhor podia dar uma palavra para eles, porque não vai ter nada. A gente perdeu a eleição’. Ele disse que não tinha coragem de falar com os manifestantes. Foi quando falei em entrevista dizendo ‘saiam da porta dos quartéis, vocês serão presos”, relata o deputado emedebista. “Todos me xingaram e me chamaram de traidor. E aí está o resultado: todo mundo preso, e a anistia dificilmente será aprovada”, acrescentou.
Prefeitura do Rio
O episódio não marcou uma ruptura. Otoni de Paula pretendia disputar para a prefeitura do Rio de Janeiro, chegando a afirmar que, se eleito, Bolsonaro teria “um prefeito para chamar de seu”. O ex-presidente preferiu apoiar o candidato de seu próprio partido, o deputado Ramagem (PL-RJ). O ex-diretor da Abin articulou uma coligação com o MDB, que retirou o líder evangélico da disputa e não fez questão de incorporar suas propostas à nova chapa.
Do outro lado, o prefeito Eduardo Paes (PSD), seu antigo rival e aliado do presidente Lula, o convidou para que coordenasse a articulação de sua campanha junto ao eleitorado evangélico. Otoni aceitou, desde que parte de suas propostas fosse incorporada e o candidato a vice não fosse do PT. A chapa saiu vencedora no município, e ele se tornou uma voz crítica ao radicalismo praticado por lideranças bolsonaristas, defendendo que a polarização apenas isola candidatos e parlamentares de direita, enfraquecendo o grupo como um todo.
Em outubro, o deputado protagonizou um novo momento de atrito com o bolsonarismo: ao representar a Bancada Evangélica em uma cerimônia no Palácio do Planalto, Otoni de Paula discursou afirmando não ser apoiador do presidente Lula, mas que reconhece a importância de suas decisões para a população evangélica. O gesto foi visto por influenciadores da esquerda à direita como um elogio, trazendo uma nova onda de críticas ao seu nome.
Confira a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Muitos interpretaram seu pronunciamento no Palácio do Planalto como um elogio ao governo Lula. Qual é de fato sua posição sobre a atual gestão?
Otoni de Paula – Não vejo como um elogio, foi um reconhecimento, o que para mim é diferente de elogio. Eu reconheci que o governo do presidente Lula já nos socorreu como igreja, como instituição social, especialmente em dois momentos. O primeiro foi na tramitação do PLC 122/2006, que, ao nosso entender, trazia prejuízos aos nossos valores. O projeto passou na Câmara através de um tratoramento. No Senado nós só tínhamos um senador evangélico que era o Magno Malta (PL-ES), portanto era um contra 80.
Não tinha como a gente vencer, e aquele projeto foi para o plenário para ser votado no Senado seis vezes, e em todas ele foi derrubado por senadores de todos os espectros políticos, inclusive do PT, com a permissão do presidente Lula. O outro momento foi na reforma do novo Código Civil Brasileiro, que reduzia a igreja a uma simples associação. Os nossos estatutos já não valeriam de nada. Se não fosse o presidente Lula permitindo com que a sua base eleitoral trabalhasse contra isso, nós também não conseguiríamos.
Também reconheci naquele dia que a política social do governo contempla e tem contemplado boa parte dos nossos irmãos. Ou alguém nega que a base da pirâmide é onde a igreja evangélica mais atua, nas classes C, D e E? São as mesmas classes onde incidem os principais programas do governo, como o Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família e ProUni.
Agora, se reconhecer a verdade de um adversário político me torna indigno, então que me critiquem. Isso não anula o abismo imenso entre nós, enquanto evangélicos, e o governo. Esse abismo não é pelas políticas do presidente Lula, mas é pelas pautas identitárias, pelos temas da pauta moral adotadas pelo PT. Obviamente, tenho que ser justo de diferenciar: PT é o PT, Lula é Lula. Enquanto o PT é progressista, na forma mais fiel da palavra progressista, Lula é um conservador, ele emergiu de um movimento conservador sindical.
O senhor foi um dos apoiadores mais verbais do ex-presidente Bolsonaro durante seu governo. Como ficou essa relação depois das eleições de 2022 e 2024?
A minha relação com o presidente Bolsonaro sempre foi muito próxima, mas eu sempre fui um amigo incômodo, eu sempre fui um amigo crítico. Por isso, volta e meia eu fui chamado de traidor pelo movimento bolsonarista. O movimento bolsonarista não tolera discordância: você tem que concordar com tudo, e eu não sou daqueles que concordam com tudo. Eu aponto os erros, eu faço alertas, assim como fiz ao sair do Alvorada após a nossa derrota nas urnas em 22.
Como foi esse encontro?
Encontrei o então presidente Bolsonaro muito abatido, e disse a ele: “presidente, nós temos que nos organizar como oposição agora”. Ele estava muito desnorteado pela derrota, estava muito desesperançoso. Tanto que houve um apagão no governo após esse segundo turno, ficamos praticamente 60 dias sem ter um governo atuando.
Eu estava preocupado com os patriotas que estavam nas portas dos quartéis, aqueles brasileiros ali. E eu disse: “Presidente, o senhor podia dar uma palavra para eles, porque não vai ter nada. A gente perdeu a eleição”. Ele disse que não tinha coragem de falar com os manifestantes. Foi quando falei em entrevista dizendo “saiam da porta dos quartéis, vocês serão presos”.
Todos me xingaram e me chamaram de traidor. E aí está o resultado: todo mundo preso, e a anistia dificilmente será aprovada.
A minha relação sempre foi muito transparente, mas o fato de eu ter feito esses dois movimentos, nas eleições gerais e agora nas eleições municipais, me afasta tanto dele quanto do Eduardo [Bolsonaro]. Até porque é uma ala muito radical. Eu sigo a minha vida de cabeça erguida. Sou um político de direita, conservador, mas entendo que política se faz com diálogo e não com ódio.
O senhor hoje é vice-presidente da Bancada Evangélica. Na sua visão, qual deve ser o papel desempenhado por ela nos próximos anos?
Eu acho que deverá ser o de cuidar e de zelar pela liberdade religiosa no nosso país, pelos sociais dessa nação, porque se Cristo estivesse neste parlamento, o cuidado dele seria com os pobres e com os necessitados. Defendo a ideia de liberdade religiosa através da defesa plena de um estado laico, que é um princípio protestante.
Portanto, esse deve ser o cuidado dessa Frente Parlamentar Evangélica, bem como a defesa dos nossos princípios e valores judaico-cristãos, que nos é tão caro e que nos trouxe até aqui em enquanto sociedade.
Na última eleição, vimos um crescimento de partidos de direita e centro-direita. Na sua avaliação, essa tendência se mantém em 2026?
Eu entendo que a direita saiu grande, e a esquerda saiu mal desse processo, porém a gente precisa compreender que tudo isso é o retrato do momento. Você não pode achar que uma eleição municipal refletirá automaticamente uma eleição nacional, lembrando que a esquerda é a esquerda e Lula é Lula.
Eu ontem fiz um pronunciamento na tribuna, onde eu disse que nós precisamos tomar cuidado para que a arrogância do bolsonarismo não divida a direita. E quando eu falo a arrogância do bolsonarismo, é porque eu entendo que a direita é maior do que o bolsonarismo, assim como o conservadorismo é maior do que a direita, porque você tem o conservadorismo, o conservador inclusive na esquerda.
O único espectro ideológico em que você não tem conservadorismo é na extrema esquerda, lá você não tem, mas quer na direita, no centro, na esquerda, ou na extrema direita, você tem ali esse traço do conservadorismo. Então, o conservadorismo acaba sendo modo que é direito.
Quando o presidente Bolsonaro diz que não existe direita sem ele, e quando ele veladamente resolve se levantar contra todas as possíveis lideranças que podem surgir para 2026, ele está tratando dos seus próprios interesses e pronto: discursa em nome da pátria, em nome da justiça, em nome da direita. Então, nós precisamos olhar para frente.
O que eu percebo é que se nós não sairmos deste movimento de autofagia, nós não recuperaremos [o governo em] 2026, principalmente porque o presidente Lula é um profissional da política. É um homem de diálogo fácil, o que Ciro Gomes chamou de “encantador de serpente”. Se Lula chegar aqui agora, de cada dez parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica, oito vão se render a ele, porque ele sabe chegar e sabe a hora de sair.