O Conselho Federal de Medicina (CFM) lançou recentemente a plataforma Atesta CFM, que centraliza a emissão de atestados médicos em território nacional. A plataforma deveria ter se tornado, a partir do último dia 5, o único mecanismo de emissão e controle dos atestados. Sua obrigatoriedade acabou sendo derrubada em uma decisão liminar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
A decisão do TRF-1 não poderia vir em melhor hora, e nossa expectativa é de que seja mantida pelas instâncias superiores. A obrigatoriedade do uso do Atesta CFM para a gestão dos atestados médicos é um ato que cria um monopólio nas mãos do conselho e, o mais importante, abre caminhos para uma violação de privacidade por parte dos trabalhadores brasileiros.
O CFM criou o Atesta CFM sob a alegação de que a plataforma pode coibir falsificações e garantir um melhor acervo dos documentos. Não se discute a necessidade de atacar as irregularidades em atestados médicos. Pacientes, médicos e empresas em geral sofrem com um sistema amplamente passível de fraudes, em que as diferentes pontas do processo podem ser violadas, nas mais diferentes dimensões. Também se vê com bons olhos o aumento da digitalização, seguindo a tendência global que se identifica em todos os ramos da atividade empresarial e pública, não apenas da saúde.
O Atesta CFM, porém, está longe de alcançar os objetivos anunciados. Sob os nobres pretextos, a plataforma dá ao CFM um poder excessivo que não se enquadra nas competências originais do órgão. A descrição do CFM aponta que a fiscalização do Atesta CFM ficará a cargo do próprio conselho. Ora, sabe-se que o controle externo é prerrogativa para a qualidade e a transparência de políticas que impactam um público de grande magnitude — e, no caso dos atestados médicos, pode-se falar de um potencial de alcançar a população brasileira como um todo.
Há que se discutir também aspectos de privacidade. O Atesta CFM centraliza os dados dos cidadãos em uma plataforma gerida por uma entidade privada (o próprio CFM) e cuja gestão ou destino não se sabe ao certo. A resolução que cria o Atesta CFM prevê que os trabalhadores podem ter seus dados “voluntariamente” disponibilizados a qualquer empregador. Ora, sabe-se que pessoas em busca de emprego acabam se submetendo a condições nem sempre favoráveis a si próprias. Com isso, empresas externas podem ter acesso a dados de potenciais funcionários por meio da plataforma. E pessoas podem deixar de ter acesso a empregos por conta de análises ao seu histórico médico. Seria fomentada, assim, uma cadeia de pré-julgamentos a pessoas que, por exemplo, tenham sofrido com doenças em seu passado.
Ressalta-se também que a plataforma viola o posicionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) como ente centralizador da saúde no plano federal. O SUS já tem, nos dias atuais, seus sistemas eletrônicos para gestão do atendimento aos pacientes. Com o Atesta CFM, os médicos atuantes no SUS se verão obrigados a desconsiderar a plataforma pública para aderir à sistemática imposta pelo conselho.
Entendemos, por todos esses argumentos, que o Atesta CFM representa um retrocesso no âmbito das políticas públicas nacionais para a saúde. Fazemos este alerta justamente por entendermos a necessidade de que as plataformas digitais façam mais e mais parte da vida cotidiana dos brasileiros – mas desejamos que isso se dê de forma segura a todos os segmentos envolvidos, sem potenciais violações à privacidade e também sem o benefício
monopolístico a grupos econômicos ou políticos.
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