Gustavo Ribeiro*
No mesmo dia em que o Congresso Nacional instalou a Frente Parlamentar Mista por Cidadania e Direitos LGBTI+, um grupo de deputados conservadores tentou aprovar na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal desde 2011. A medida tem poucas chances de virar lei, pois contraria frontalmente os princípios constitucionais brasileiros da dignidade humana e da não discriminação.
Entretanto, a manobra conservadora foi suficiente para consumir tempo de parlamentares e da sociedade civil organizada que estavam no Congresso para avançar na construção de uma agenda propositiva para as pessoas LGBT+. Além do lançamento da Frente, num plenário em frente ao da Comissão, acontecia no mesmo dia o XX Seminário LGBTQIA+ no Congresso Nacional, sob o tema “Reconstrução de Políticas Públicas para a Cidadania LGBTQIA+. O que aconteceu em Brasília na última terça-feira é um sinal de alerta para os desafios que a atual legislatura traz para essa agenda.
Se por lado a população brasileira elegeu, em 2022, a maior bancada LGBT+ da história do Brasil, por outro, as investidas contra a cidadania LGBT+ revelam que ainda há muito por avançar para garantir que essa população tenha direitos e poder para influenciar as decisões que afetam suas vidas pública e privada É certo que muitos congressistas que não se identificam como LGBT+ se posicionaram contra o projeto absurdo e em defesa desta comunidade. A liderança de deputadas e deputados da bancada representativa, que lideraram a resistência e pressão junto a aliadas, aliados e ativistas fez toda a diferença para adiar a votação. Mas a acomodação de forças políticas para ameaçar os direitos LGBT+ é sintoma da própria falta de diversidade no poder.
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A boa notícia é que o eleitorado brasileiro demonstra entender cada vez mais isso. Pesquisa que a Luminate divulgou em junho, encomendada ao Instituto Ipsos, mostrou que 63% das pessoas entrevistadas no país concordam que a diversidade de vozes que inclui pessoas LGBT+ é aspecto essencial de uma democracia. Além disso, 59% são a favor de mais presença LGBT+ na política. Para metade delas, 51%, a falta de representação política prejudica a proteção e o reconhecimento dos direitos dessa comunidade. E também 51% estão de acordo que pessoas da diversidade sexual e de gênero contribuem com perspectivas únicas para a tomada de decisões.
Entre as medidas para avançar na representação, 54% apoiam a distribuição igualitária de recursos financeiros pelos partidos políticos para candidaturas LGBT+. Este é outro dado que revela a contradição entre as perspectivas de parte considerável do eleitorado brasileiro e a postura de congressistas, inclusive de partidos progressistas, que tentam passar a chamada minirreforma. Se aprovada, ela diminuirá os incentivos à maior presença de mulheres e pessoas negras nos espaços de poder, medidas que também impactaram positivamente a participação política LGBT+ nos últimos anos.
PublicidadeOs dados captados pela pesquisa contrastam com os índices de violência contra pessoas LGBT+ no Brasil e também com a eleição do Congresso mais conservador da história, no último ciclo eleitoral. Mas foi o mesmo processo político que elegeu as duas primeiras deputadas federais trans no país. O que esses números revelam é que a sociedade brasileira é complexa e está se movendo. A entrada de forma mais organizada de mais mulheres, pessoas negras, juventudes e pessoas LGBT+ na política nacional nos últimos anos, e todos os debates que ela acarreta, tem tido o efeito de mover a percepção pública sobre o tema.
Ainda temos um longo caminho pela frente, mas não há espaço para retroceder. Uma democracia que funcione para todas as pessoas é aquela que viabiliza a construção de soluções para aprofundar os direitos humanos de todos e todas, sem deixar ninguém para trás.
* Gustavo Ribeiro é advogado e associado da Luminate para a América Latina.
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