O texto que prevê o novo arcabouço fiscal ganhou fôlego para ser votado, apesar de haver divergências ainda a serem sanadas em torno do parecer do relator Claudio Cajado (PP-BA), apresentado nesta terça-feira (16). A expectativa é que o projeto de lei, assim que votado, possa marcar o início de uma etapa de recuperação do relacionamento entre o governo e o parlamento, conforme conta o analista político e economista André Sathler.
Apesar de emplacar um amplo círculo de alianças na Câmara dos Deputados, o primeiro semestre do governo Lula segue marcado por importantes derrotas em plenário, indicando uma dificuldade de articulação com a Casa. A bancada não conseguiu aprovar a mudança no marco legal do saneamento, desistiu de restabelecer o voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais e precisou adiar a votação do PL das Fake News para tentar diminuir a resistência ao projeto.
André Sathler observa de perto a articulação do governo na Câmara, e identificou uma série de fatores que ajudam a explicar a dificuldade em alcançar governabilidade. O primeiro se trata de uma questão de origem. “Foi uma mudança muito radical do governo Bolsonaro para o governo Lula. É diferente, por exemplo, do que foi a transição após Fernando Henrique Cardoso (FHC). Uma mudança radical torna o cenário instável no Legislativo, que acaba enfrentando mudanças drásticas”, explicou.
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Também na origem, o governo precisa lidar desta vez com um Congresso majoritariamente contrário às propostas defendidas por Lula, chegando a contar com uma ampla bancada de extrema-direita fiel ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “A eleição do parlamento se deu em dissonância com a eleição do Executivo. O Congresso Nacional ficou bem mais à direita e mais conservador”, ressaltou.
O governo Lula ainda precisa lidar com um cenário de dificuldades estruturais que não existiam em seus mandatos anteriores, entre 2003 e 2010, o que compromete sua capacidade de operar a coalizão dentro da Câmara. “Os poderes que o executivo tinha para operar o círculo de alianças vem se diminuindo ao longo dos anos, em um processo que vem desde 2010. Distribuições de cargos e de emendas se tornaram mais difíceis de operar, ainda mais com um Congresso hostil”, relembrou.
Beirando os seis meses desde a posse, o governo ainda conta com vagas abertas para seu segundo escalão, o que tornou necessária uma série de reuniões na última semana entre o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e os líderes dos partidos de sua base aliada. A distribuição desses cargos é um aspecto estratégico para a coalizão do presidente Lula, que se vê forçado a encontrar um ponto de equilíbrio entre o fortalecimento de sua própria base e o de partidos não-alinhados mas com presença indispensável no Executivo.
PublicidadeSoluções no horizonte
Apesar de um início marcado por obstáculos, Sathler destaca que parte dos problemas enfrentados na construção da governabilidade de Lula tendem a se dissipar a depender das próximas decisões. O primeiro deles está relacionado à liberação de emendas parlamentares, que se tornaram indispensáveis para que o Poder Executivo consiga moldar sua base no parlamento.
Em seus últimos anos de mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro aprovou a criação das emendas parlamentares de relator, conhecidas como Orçamento Secreto. Tratava-se de uma parcela do orçamento anual cuja destinação era definida pelo relator-geral do orçamento, mas que na prática servia como um cheque em branco para parlamentares alinhados com o presidente da Câmara dos Deputados. Lira era aliado de Bolsonaro, e se aliou a Lula após as eleições.
Ao final de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o Orçamento Secreto, retirando parte da autoridade de Arthur Lira na formação de suas alianças. Dependente do círculo de apoio de Lira, Lula também acabou prejudicado pela decisão. O Congresso, porém, já trabalha para recuperar esses recursos, utilizados para angariar apoio nas bases eleitorais dos parlamentares.
“O próprio Congresso já buscou uma solução, que é operar com outras emendas, como a RP2 (emendas distribuídas por ministérios), RP6 (emendas parlamentares individuais), fora da dependência do relator do orçamento. As possibilidades técnicas nesse sentido foram criadas”, apontou Sathler. Já existe demanda entre deputados e senadores para a liberação desses recursos, e o analista acredita que o governo possa solidificar seu apoio na medida em que forem distribuídos.
Consenso de ideias
Outra estratégia para que o governo possa expandir sua base no Poder Legislativo é trabalhar ao redor de pautas de interesse comum. “Se dentro de um Congresso mais hostil você conseguir fazer uma conexão com aqueles partidos do chamado ‘centrão’, você aumenta a sua governabilidade”, indicou. Nesse sentido, ele enxerga como benéfica a aproximação de Lula com Arthur Lira, bem como a formação, por parte dos partidos mais próximos, de blocos parlamentares junto com grandes siglas da direita, como PP e União Brasil.
O arcabouço fiscal entra nesse processo como uma oportunidade em potencial para a construção dessa ponte. “É um tema complexo, um tema abrangente e, em princípio, difícil. Mas é um ponto que gera consenso no Congresso. Temos visto lideranças importantes, como o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), declarando apoio ao arcabouço. O PL também já tem uma parcela favorável”, ressaltou.
Caso aprovado, o arcabouço fiscal pode servir como pontapé inicial para que o governo consiga apresentar novos projetos consensuais, indicando expandindo o espaço para diálogo e eventuais alianças com os partidos não alinhados.
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