Discutida de alguma forma ao menos desde 1989 pelo Congresso Nacional, a regulamentação da atuação do lobby no país deve finalmente avançar. A expectativa do setor é que o projeto de lei (PL 2.914/22) que regulamenta o lobby no Brasil seja apreciado em 2024 pelo Senado. A presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), Carolina Venuto, inclusive, explica que o desejo é que “isso já tivesse sido resolvido”.
A Lei do Lobby, como é conhecida a proposta, busca estabelecer normas sobre “a representação de interesse realizada por pessoas naturais ou jurídicas perante agentes públicos integrantes do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário”. Segundo a justificação do projeto, o lobby faz parte “da essência da democracia”.
“A experiência internacional, notadamente nos EUA, Inglaterra, França e México, em anos recentes, demonstra a importância crescente do ‘lobby’ no Parlamento. Para muitos, o ‘lobby’ é da essência da democracia, possibilitando que, com transparência, os grupos de pressão e de interesse possam atuar organizadamente”, aponta trecho do texto de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
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Carolina Venuto também concorda com o argumento do projeto. Para ela, “a defesa de interesses é importante para a efetividade do debate democrático”, algo que também acontece em certa medida nas frentes parlamentares no Congresso. Segundo a presidente da Abrig, a proposta foi bem aceita, uma vez que ninguém se manifestou contrariamente em agosto deste ano, quando a Comissão de Fiscalização e Controle do Senado, realizou audiência pública com representantes do setor e com parlamentares. O texto permanece no colegiado.
“Existem dúvidas quanto ao modelo, mas é uma proposta muito ponderada, e a Abrig é favorável ao texto”, disse Carolina em entrevista ao Congresso em Foco. “Houve uma renovação no Senado Federal, em que foram priorizadas, por senadores e governo, matérias consideradas mais urgentes. Mas esperamos que possa ser colocada em pauta no ano que vem”.
De acordo com a presidente da Abrig, a principal importância do projeto se dá em três pontos: ajudar a profissionalizar e trazer segurança para o setor, desmistificar a conotação negativa que o termo lobby recebeu ao longo do tempo, e estabelecer regras claras para a representação de interesses, como diretrizes de reuniões e audiências com tomadores de decisão para não criar assimetria.
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A diretora de programas da organização Transparência Brasil, Marina Atoji, por outro lado , aponta fragilidades no texto. Ela destaca que a proposta “não inclui a isonomia entre os princípios orientadores do lobby”, embora seja crucial para garantir que a atividade seja democrática. Outra crítica ao PL se associa à ausência da centralização de informações dos representantes na proposta de regulamentação.
“Fala-se em credenciamento de representantes de interesse nos órgãos públicos, mas cada órgão/poder deverá estabelecer como esse credenciamento ocorrerá, o que vai gerar uma multiplicidade de fontes desses dados que não têm um padrão comum, dificultando ou impossibilitando o monitoramento do lobby”, explica.
Marina ainda reforça que o lobby enquanto representação de interesses é uma atividade legítima, mas deve ser exercida respeitando a lógica democrática, ou o risco de ser um instrumento de captura do poder público por interesses particulares é altíssimo. Por exemplo, a falta de isonomia permite que grupos com mais acesso a tomadores de decisão tenham vantagem sobre outros com menos recursos e conexões, e assim seu posicionamento e demandas tendem a ser privilegiados.
“ [O lobby pode ser prejudicial à democracia] Principalmente quando é exercido ‘por baixo dos panos’: sem transparência, isonomia, nem limites ao oferecimento de vantagens. Dessa forma, decisões sobre políticas públicas ou regulamentações têm um risco muito maior de serem influenciadas por pautas alheias ao interesse público e geral – e sem que a sociedade saiba disso.”, afirma a diretora do Transparência Brasil.
Atualmente, a matéria continua na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado, após o relator, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), receber emenda do senador Sérgio Moro (União-PR). Após a avaliação do colegiado, o projeto vai para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e posteriormente, se aprovado, para o plenário do Senado.
Texto da Câmara
O Plenário da Câmara aprovou em novembro de 2022 um substitutivo do relator, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), ao Projeto de Lei 1202/07, do deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
O texto enviado à época ao Senado define o lobby como representação de interesse a ser exercido por pessoa natural ou pessoa jurídica por meio de interação presencial ou telepresencial com agente público, dentro ou fora do local de trabalho, com ou sem agendamento prévio.
O agente público poderá ser tanto aquele que exerce mandato quanto aquele que exerce cargo, função ou emprego públicos, seja por nomeação, contratação ou qualquer meio, mesmo transitório ou sem remuneração.
Autor da proposta, Zarattini afirmou que o objetivo é garantir a transparência nas relações entre o setor privado e o setor público. “Queremos que o povo brasileiro, o eleitorado brasileiro, conheça a atuação do setor privado e saiba com quem no setor público se conversa para discutir projetos de lei, decisões administrativas e decisões políticas”, disse.
O substitutivo do deputado Lafayette de Andrada também inclui um rol taxativo de pessoas politicamente expostas para fins de regulamentação, pelos órgãos competentes, de normas específicas sobre fiscalização de operações financeiras (combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo).
O rol repete listas já vigentes em regulamentos do Coaf e do Banco Central, embora não se refira aos parentes e colaboradores estreitos.
A representação de interesse poderá ser exercida para influenciar processo ou tomada de decisão no âmbito da formulação de estratégias ou políticas públicas, na produção de ato administrativo, decisão regulamentar ou atividades correlatas.
O lobby poderá atuar ainda no sentido de influenciar tomada de decisão sobre licitações e contratos ou na elaboração ou revogação de leis e outros atos normativos.
O relator, Lafayette de Andrada, destacou que a aprovação da proposta é cobrada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Este projeto de lei trata de regulamentar a representação de interesses, que acontece todos os dias e é regulamentada em todos os países avançados. A OCDE cobra do Brasil uma legislação sobre o tema”, disse.
Ele afirmou que a falta de normatização no Brasil é baseada em “preconceitos” contra o lobby. “Criou-se preconceitos contra essa palavra, como se fosse algo do mal, mas são atividades legitimadas. A representação de interesses é republicana, é democrática e é necessária. Quando nós estamos aqui legislando sobre qualquer assunto, é óbvio que temos de escutar a parte da sociedade que está envolvida na legislação”, disse.
O lobby exercido em nome de entidade de classe, de instituições nacionais e estaduais da sociedade civil, de organização sindical ou de associação legalmente constituída será considerado representação profissional de interesse.
De igual forma, também será considerada representação profissional a exercida por agente público em nome de órgãos autônomos (agências regulatórias, por exemplo), autarquias, fundações públicas e órgãos da administração indireta.
Nesse caso se inclui ainda o agente público licenciado para desempenho de mandato classista. Entretanto, o texto proíbe o agente público de exercer a representação profissional de interesse privado, inclusive nos 12 meses seguintes do fim do vínculo (cargo, emprego ou função pública).
Quanto à representação de interesse exercida por agente político junto a agente público de órgão ou entidade da administração, o texto aprovado a considera legítima, embora não estabeleça uma definição para agente político.
Exceções
O substitutivo lista dez situações nas quais a atuação não é considerada representação de interesse:
– atendimento a usuários de serviços públicos e as manifestações e demais atos de participação desses usuários;
– comercialização de produtos e a prestação de serviços por empresa pública, sociedade de economia mista e suas subsidiárias;
– prática de atos no âmbito de processos judiciais, administrativos ou legislativos;
– prática de atos com a finalidade de expressar opinião técnica solicitada por agente público, desde que a pessoa não participe do processo de decisão como representante de interesse;
– envio de informações ou documentos em resposta a solicitação ou determinação de agente público;
– acesso à informação nos termos da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11);
– exercício do direito de petição ou de obtenção de certidões;
– comparecimento a sessão ou a reunião em órgãos ou entidades
públicos como exercício do direito de acompanhamento de atividades públicas, de participação social e manifestação política;
– monitoramento dos processos e coleta de informações e dados para elaborar análises, pesquisas, estudos, indicadores ou diagnósticos relacionados à atividade administrativa ou legislativa; e
– realização de entrevistas ou captação de imagens e sons para fins jornalísticos, informativos e documentais. (Com informações da Agência Câmara)
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