“[..] há sinais de pane no STF, que resulta de seu formato peculiar de ser, simultaneamente, corte constitucional, corte de apelação e juízo criminal para os que têm prerrogativa de foro”.
Marcus André Melo, G1, 06 de abril de 2018.
O foro por prerrogativa de função, comumente conhecido como foro privilegiado, constitui um tema central nos debates sobre a justiça e a política no Brasil. Essa prerrogativa, inscrita na Constituição Federal, garante a determinados agentes públicos, especialmente parlamentares, o direito de serem julgados por tribunais superiores, em detrimento da primeira instância. A justificativa histórica para essa medida reside numa suposta necessidade de proteger esses agentes públicos de perseguições políticas e de garantir a sua livre atuação no exercício de suas funções parlamentares, assegurando, em tese, a independência do Poder Legislativo.
Nos últimos tempos, não raro se vê deputados federais e senadores reclamando publicamente da atuação (individual ou coletiva) de Ministros do Supremo Tribunal Federal na condução de investigações (inquéritos) ou de processos (ações penais), excepcionalmente em tramitação naquele ambiente judicial como consequências das distorções institucionais do chamado foro privilegiado. Uma questão importante: então por que não aprovaram uma emenda constitucional encerrando esse papel sui generis de nossa Corte Constitucional? Eis os motivos concretos.
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No âmbito do Congresso Nacional, o foro privilegiado assume particular relevância, uma vez que um grande número de parlamentares, da oposição ou da situação, da esquerda, do centro ou da direita, se beneficia dessa prerrogativa. Senão vejamos.
Do volume de investigações (inquéritos) realizadas no âmbito do foro perante o STF, operações da polícia federal sob a condução conjunta de um Ministro relator e da Procuradoria Geral da República – PGR (Gomes et al., 2023): apenas uma parcela muito pequena dos inquéritos é transformada em ações penais por iniciativa exclusiva de denúncia oferecida pelos sucessivos PGRs, equivalente a 0,29% (vinte e nove centésimos por cento) do todo – sempre com nomes chamativos, busca e apreensão de bens e de documentos e até prisões temporárias (isto é, concretizadas antes mesmo de haver ações penais, quiçá sentenças. Outros dados empíricos (Gomes e Carvalho, 2021), mostram que, apesar do desgaste político resultante da sua existência e tramitação, das ações penais propostas no âmbito do Supremo Tribunal Federal apenas 3% (três por cento) destas resultaram em condenação dos acusados.
Então, da totalidade das investigações realizadas em aproximadamente 0,09% (nove centésimo por cento) ocorreu condenações. Embora haja um desgaste político concreto em decorrência apenas das investigações, uma enorme parcela dos investigados sequer terá um futuro processo penal contra si tramitando no STF (cujas condenações já são bastante reduzidas).
Ser uma autoridade com foro privilegiado (principalmente senador ou deputado), denunciada ao STF por qualquer espécie de delito, mostrou-se uma condição relativamente confortável, sendo altas as chances de serem verificadas, após longo período de tramitação, as situações de realocação de instância, prescrição ou aguardando julgamento, suficientes a afastar qualquer perspectiva de punibilidade. Daí porque, a despeito de inúmeras reclamações públicas, não se verifica uma movimentação concreta dos parlamentares para extinguir ou, ao menos, reformar as normas que tratam do foro por prerrogativa de função.
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