A crise política que se tornou conhecida como a “farra das passagens aéreas” foi – sem dúvida nenhuma – uma das mais graves que já se abateu sobre o Congresso na história recente. Mas ainda é extremamente prematuro afirmar que ela terá consequências eleitorais desastrosas no pleito do ano que vem ou em todos os próximos. O mais provável é que os últimos estragos à imagem do Congresso tenham sido mais conjunturais do que estruturais.
A divulgação de sucessivos exemplos de apropriação privada de recursos públicos pelos parlamentares nas suas viagens aéreas – feita primeiro pelo site Congresso em Foco e depois por todo o restante dos meios de comunicação – chocou a opinião pública e claramente deixou os congressistas na defensiva. Tanto isso é verdade que a Câmara e o Senado se apressaram em aprovar regras mais rígidas para o usufruto das cotas de passagens aéreas. Os eleitores agradeceriam se medidas semelhantes também fossem adotadas em relação a outros benefícios.
Os escândalos envolvendo direta ou indiretamente a imagem do Congresso têm vindo a público numa velocidade vertiginosa nos últimos anos. Para ficar apenas naqueles de que me lembro de memória, tivemos a crise do mensalão em 2005, o escândalo das sanguessugas em 2006 e a “fritura” do senador Renan Calheiros em 2007. Após um inesperado interregno no ano passado, estamos novamente testemunhando um ano repleto de novos escândalos. Outros ainda podem surgir.
Em compensação, crises políticas costumam ao menos gerar oportunidades para mudanças transformadoras. Não está sendo diferente dessa vez. A farra das passagens aéreas pelo menos está – pela primeira vez – estimulando um debate sério na imprensa e no próprio Congresso sobre qual seria a maneira mais justa de se remunerar os congressistas.
Incorporar ou não incorporar os benefícios indiretos ao salário? Pagar ou não pagar impostos sobre todas as formas de remuneração? O que é mais importante: limitar e tornar transparente a remuneração individual de cada parlamentar ou limitar e tornar transparente a folha salarial da Câmara e do Senado como um todo? Nenhuma dessas questões tem solução fácil. Mas pelo menos elas estão sendo feitas.
Por seu turno, as visões catastrofistas dessa crise também me parecem bastante exageradas. Tenho razões para crer que as taxas históricas de popularidade do Congresso não sofrerão grandes abalos nas próximas pesquisas. Duvido, por exemplo, que a aprovação do Congresso caia dessa vez para índices semelhantes aos da crise do mensalão – ou muito menos para o patamar da crise dos “anões do orçamento” na década de 90.
A conhecida tendência brasileira à acomodação – assim como a nossa tradicional aversão a rupturas – também me levam a supor que não presenciaremos uma avalanche de abstenções e de votos brancos e nulos nas eleições de 2010. É provável até que as taxas de renovação parlamentar continuem próximas à média histórica de 50%.
A minha torcida é para que esse saudável debate que está sendo travado agora consiga ao menos transcender o campo meramente individual e adquira dimensões verdadeiramente institucionais. A nossa história recente já nos ensinou que ficar caçando bruxas e marajás não costuma levar a lugar algum. Já sabemos como esse filme termina. Mais importante do que buscar obsessivamente os culpados do passado é criar regras claras para julgar os eventuais culpados do futuro.
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