Caetano Veloso tem uma linda canção chamada “O Ciúme”. Aparentemente, trata-se de um comentário musical escrito a partir de alguma experiência particular dele, ocorrida na fronteira entre a Bahia e Pernambuco, nas cidades de Juazeiro e Petrolina, às margens do “Velho Chico”, tudo isso citado na letra. Mas, principalmente, a canção conta a força do ciúme. Como ele se instala e se alastra quando lança “a sua flecha preta” e ela fere “justo na garganta”. Rapidamente, por tudo se espalha “a monstruosa sombra do ciúme”.
Talvez mais violenta e perigosa que a “sombra do ciúme” numa relação afetiva, é a “sombra do ciúme” numa relação de poder. Quando ela envolve os interesses de pessoas poderosas, de instituições, de estados, de municípios. Quando, além de poder, também envolve dinheiro.
Desde o início da tramitação da reforma tributária, paira sobre o Congresso a “monstruosa sombra do ciúme”. Especialmente depois que, no final do primeiro semestre, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), entregou a reforma aprovada em dois turnos para o início da tramitação no Senado.
Arthur Lira entregou e logo em seguida apresentou a sua conta. A aprovação da reforma tributária e de outros itens de interesse da pauta econômica do governo lhe rendeu dois ministérios e a presidência da Caixa. No momento, ele ainda negocia as demais vice-presidências do banco.
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Inicialmente, o governo imaginou que, concluída essa etapa na sempre dura negociação com Lira e o Centrão na Câmara, o caminho estava pavimentado no até então sempre mais dócil Senado. Mas pairou “a sombra monstruosa do ciúme”.
Primeiro, surgiram ali os interesses contrariados pelas diferenças de composição da Câmara e do Senado. Na Câmara, a representação é proporcional ao tamanho dos estados. E prevaleceu ali inicialmente um texto que beneficiava os maiores, especialmente São Paulo. Com peso pequeno, os estados menores ali não puderam reagir. Poderiam no Senado, onde todos os estados têm o mesmo peso, a mesma bancada de três senadores.
PublicidadeEntão, o governo imaginou uma tramitação rápida, que atendesse somente às exigências regimentais, somente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), argumentou que não era possível um tema como a reforma tributária não passar por ela. Acertou-se que ali informalmente seria o palco das audiências de negociação. Mas a CAE criou, como tinha havido na Câmara, um grupo de trabalho. Que fez um relatório paralelo que o relator da reforma, Eduardo Braga (MDB-AM), acabou tendo de aceitar a contragosto. Uma comissão não queria ficar de fora. O outro não queria dividir os loucos. “O Ciúme”…
Agora, afinal, a reforma foi aprovada no Senado. Modificada, precisa voltar à Câmara. E Arthur Lira, então, sugere um fatiamento. Se aprova o que tiver consenso e se retira da proposta o que ainda precisa de discussão.
Na prática, isso quase significa manter só o que já tinha sido aprovado na Câmara, retirando quase tudo o que o Senado modificou. “Mas, como? Vai ficar só a reforma da Câmara”, reagem os senadores. Incomodados ainda com o fato de Lira ter conseguido um bocado de coisas no governo, e eles ainda não. “Cadê a Funasa?”, cobram do governo.
Semana que vem, tem feriado, 15 de novembro, na quarta-feira. Nada será votado. Talvez seja o tempo de conversar. E dissipar “a monstruosa sombra do ciúme”. Buscando um clima menos Caetano e mais bossa nova? “Então, não vamos mais brigar” e fazer um acordo “em seu lugar”?
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