“Ali na cultura tem um tal de Iphan”
“Que trem é esse? Porque não sou inteligente como meus ministros. O que é Iphan? Explicaram para mim, tomei conhecimento, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá”
Essas frases foram proferidas pelo ex-presidente da República, agora inelegível, ao se referir à autarquia de 86 anos de história, responsável pela preservação e promoção do Patrimônio Cultural Brasileiro. Os ataques ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural (Iphan) nesses últimos anos foram além da verborragia e se concretizaram objetivamente na redução orçamentária, no desmonte de programas e políticas estruturantes e no aparelhamento do órgão por lideranças avessas à cultura brasileira. O estrago só não foi maior graças a dois fatores fundamentais: o engajamento dos servidores do Iphan e o apoio de uma qualificada parcela dos parlamentares da Câmara e do Senado Federal, que fizeram um contraponto cotidiano ao desmonte e viabilizaram algumas iniciativas lideradas pelos técnicos das superintendências do Iphan com destinação de emendas individuais de caráter impositivo ao orçamento.
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Com a recriação do Ministério da Cultura no governo Lula 3, o “tal de Iphan” voltou a ser compreendido como uma instituição estratégica. O intenso apoio da ministra Margareth Menezes à presidência e toda a diretoria do órgão é um importante diferencial. A recomposição orçamentária viabilizou a retomada de ações importantes como o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, que não ocorria desde 2015. No mês passado, foi lançado um novo programa de Educação Patrimonial que vai atender a projetos em todo o país. Estão sendo implementados 17 mutirões de assistência técnica habitacional para pessoas de baixa renda que vivem em áreas tombadas e centros históricos, numa parceria inédita entre Iphan, universidades e institutos federais. Vale destacar a inclusão do Patrimônio Cultural no Novo PAC, com 140 obras de restauração a serem executadas até 2026 e mais de 100 projetos que serão contratados. Isso sem contar o fortalecimento do papel do Iphan no licenciamento ambiental brasileiro, com vistas a uma maior previsibilidade e segurança jurídica para os empreendedores e a abertura do órgão ao diálogo com estados e municípios naquilo que vem se desenhando como Sistema Nacional do Patrimônio Cultural.
Nesse percurso, há outro fator de grande relevância para o novo e especial momento da política do patrimônio cultural no Brasil: o diálogo com o Congresso Nacional. Desde janeiro, a presidência do Iphan realizou mais de cem encontros com parlamentares para tratar de demandas estaduais e municipais, legislações e pleitos da sociedade civil, tendo conseguido já dar vazão e resolução à maioria das demandas apresentadas. A boa relação com os congressistas está possibilitando avanços importantes e projetando o patrimônio como uma importante ferramenta de desenvolvimento dos territórios.
Embora não haja uma instância específica para tratar do tema no Congresso, a proximidade e o bom relacionamento com os membros da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados vêm permitindo que haja uma melhor compreensão sobre a relevância do patrimônio cultural e suas interfaces com diversas políticas públicas de educação, turismo, meio ambiente, direitos humanos, saúde, desenvolvimento urbano, entre outros temas. A começar pelo presidente Marcelo Queiroz (PP-RJ), vários deputados da comissão se tornaram parceiros de primeira hora nesse desafiador movimento de reconstrução do Iphan.
PublicidadeNesta semana, mais um passo será dado na parceria entre Executivo e Legislativo em prol do Patrimônio Cultural. Sob a presidência da deputada Lídice da Mata (PSB-BA) e vice-presidência do deputado Newton Cardoso Jr. (MDB-MG), será lançada a Frente Parlamentar do Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro. A existência de representantes da população comprometidos com o fortalecimento da política do patrimônio é um sinal animador que abre inúmeras possibilidades de popularização desta agenda tão potente. O evento de lançamento será na terça-feira, 19/9, às 15h, no Auditório do Iphan em Brasília, e dará início a uma programação de encontros, parcerias e debates ao longo desta Legislatura.
Na condição de presidente do Iphan, gostaria de agradecer e parabenizar a iniciativa da Frente e o apoio que temos recebido de diversos parlamentares. Não são poucos os desafios que ainda temos, tanto no fortalecimento institucional quanto no enfrentamento de temas importantes relacionados ao patrimônio cultural. Já fui parlamentar e sei quanto o Poder Legislativo é capaz de incidir sobre as políticas públicas, colaborando para que sejam aperfeiçoadas e garantam os direitos da população. Sei quanto os mandatos podem ser pontes para uma maior participação da sociedade, seja na definição do orçamento ou no desenho do planejamento. O Patrimônio Cultural ficou como segunda linha mais votada pelo povo brasileiro no PPA Participativo no campo da Cultura. Isso demonstra grande expectativa a respeito do tema e nos exige respostas concretas. O Iphan, ora “ripado”, se une ao Poder Legislativo para retomar seu papel no desenvolvimento nacional. Com diálogo e colaboração, avançaremos ainda mais.
* Leandro Grass é o atual presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). É sociólogo, professor, mestre em Desenvolvimento Sustentável e gestor cultural.
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