Guillermo Rivera e Andrea Vianna
O Congresso em Foco publica, com exclusividade, a íntegra do parecer do relator, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que pede a cassação do mandato do deputado José Dirceu (PT-SP) no Conselho de Ética. Um dia após descer ao inferno na Câmara, Dirceu deposita todas as suas esperanças no Supremo Tribunal Federal (STF) para escapar da guilhotina. O Supremo julga hoje o mandado de segurança impetrado pelos advogados do petista pedindo a suspensão do processo aberto contra ele no Conselho.
Caso não tenha seu pedido acolhido, Dirceu enfrentará o voto dos colegas na comissão já na sexta-feira (21) e pode ser submetido ao Plenário na quarta seguinte (26). O ex-ministro argumenta que não pode ter quebrado o decoro parlamentar porque as acusações imputadas a ele se referem ao período em que estava licenciado do mandato, à frente da Casa Civil.
Até ontem os ministros estavam divididos sobre a questão, que foi derrubada com contundência por Júlio Delgado. "Sua cassação se impõe como meio de restaurar a dignidade e a credibilidade desta Casa", sentenciou Delgado, ao responsabilizar Dirceu pelo esquema de pagamento de mesada a parlamentares da base aliada em troca de apoio ao governo.
Mesmo sem usar, ao longo das 62 páginas de seu relatório, a palavra mensalão, o relator afirmou que foi montado um esquema para garantir apoio político em troca de dinheiro. E atribuiu ao ex-ministro da Casa Civil responsabilidade política na organização do sistema assumido até agora pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e pelo empresário Marcos Valério Fernandes.
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“Não é eticamente concebível e muito menos crível que um parlamentar com tamanho poder de decisão e capacidade de articulação em seu partido e no governo tenha permitido que o maior esquema de corrupção do sistema político pelo sistema econômico de que o País tem notícia tenha sido idealizado e praticado por correligionários e pessoas de seu relacionamento sem que ele (Dirceu) soubesse, controlasse e coibisse", disse o relator.
Dirceu aponta má-fé
PublicidadeO petista reagiu com indignação ao parecer e acusou Delgado de agir com má-fé. “Ele tenta provar que existia mensalão e que eu sabia sem apresentar nenhuma prova. Ele simplesmente decretou que eu serei cassado”, criticou. Segundo o ex-ministro, o relatório se baseia em ilações e contém informações editadas ou distorcidas para se tornarem convenientes à acusação.
No Plenário, é dada como certa a cassação de José Dirceu. A brincadeira recorrente entre os deputados, inclusive, é apostar se haverá mais ou menos votos favoráveis à sua cassação do que o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Jefferson foi cassado em 14 de setembro, por 313 votos a favor, 156 contrários, 13 abstenções, cinco votos em branco e dois nulos.
Às 17h53, Delgado concluiu a leitura de seu voto de 50 páginas. Mas a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) pediu vistas e, assim, adiou para sexta-feira (21) a votação do relatório pelo Conselho de Ética. Ao longo da leitura do documento, que durou 1h40, Delgado contestou ponto a ponto a defesa de Dirceu. Chamou a peça de defesa do deputado de “delirante”, devolvendo o adjetivo com o qual o próprio Dirceu qualificou a representação do PTB.
A defesa de Dirceu, aliás, foi feita pouco antes da leitura do voto do relator. O ex-ministro afirmou que confia na democracia, no Parlamento e no Estado de Direito. "Não temo a investigação do Conselho de Ética, nem da Polícia Federal ou do Ministério Público, ou ainda da Receita Federal, pois não há nada a esconder e nada fiz que possa contrariar a ética e o decoro parlamentar", declarou o deputado. Dirceu disse ainda que confia na credibilidade do presidente Lula, na história do PT e na sua própria biografia, "que não pode ser manchada com falsas denúncias, pois o suposto mensalão até hoje não foi comprovado", complementou.
Delgado contesta defesa
O relator cuidou de desmontar, um a um, os argumentos delineados pelo ex-ministro em suas defesas escrita e oral. Primeiro, Delgado afirmou que, a partir dos fatos e evidências reunidos no processo, Dirceu jamais se desligou do comando do PT. E, como pessoa extremamente detalhista (conforme teriam apontado os depoimentos das testemunhas), o ex-ministro não teria como desconhecer as práticas financeiras feitas pelo ex-tesoureiro do partido. Delgado valeu-se de trechos contundentes dos depoimentos do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, da mulher dele, Renilda de Souza, e de Kátia Rabello, presidente do Banco Rural, entre outros.
O relator também apontou as reuniões promovidas por Dirceu em seu gabinete ministerial com diretores do Banco Rural e do BMG. O deputado do PSB afirmou, em seu voto, que nessas ocasiões de assíduas presenças de Delúbio e Marcos Valério, o assunto tratado só poderia ser os empréstimos viabilizados por essas instituições bancárias ao PT.
Provas incontestes do mensalão
Delgado prosseguiu seu relatório lembrando a concessão de favores à ex-mulher de Dirceu Ângela Saragoça, que foi contratada para trabalhar no banco BMG e que vendeu um apartamento para o sócio de Marcos Valério por R$ 115 mil. O relator destacou que “em meros três meses, a vida da ex-mulher de Dirceu mudou, ao menos do ponto de vista financeiro."
Ao contrário do que afirmou o deputado Jairo Carneiro (PFL-BA) no relatório que levou à cassação de Roberto Jefferson, Delgado deu como certa a existência do mensalão, a partir dos fatos e evidências anexados ao processo. Ele afirmou que "cruzamentos feitos pela CPI dos Correios trouxeram provas incontestes" do mensalão e que “até junho de 2004, o valerioduto" despejou R$ 294 milhões nos cofres do PT. “No mesmo período, foram votadas no Congresso medidas provisórias que enfrentavam muitas resistências."
Compra de apoio
"Outra história interessante ocorreu em maio de 2003, mês em que governo conseguiu aprovar a medida provisória que liberou a comercialização da safra de transgênicos”, prosseguiu Júlio Delgado. “Em 13 de maio de 2003, o governo retirou a MP da pauta. Em seguida Marcos Valério fez 29 telefonemas à presidência da Câmara, ao diretório do PT, para Delúbio Soares e para os bancos Rural e BMG. A medida provisória foi, então, aprovada. No mesmo mês de maio de 2003, de acordo com os cruzamentos da CPI citados por Delgado, despejaram-se R$ 750 mil nas contas do PT e R$ 250 mil, nas do PTB.”
Delgado ressaltou ainda que, embora Dirceu afirme que não houve mensalão, vários deputados e seus respectivos assessores surgem como sacadores nas contas do valerioduto.
Outro ponto importante da leitura do relatório de Júlio Delgado foi o destaque dado aos saques atribuídos a Roberto Marques, amigo e ex-assessor de Dirceu. Marques teria sacado R$ 50 mil do Banco Rural. O relator lembrou a tentativa de disfarçar o envolvimento de Marques, com a substituição de seu nome pelo de Luiz Carlos Mazano, motorista da corretora Bônus-Banval. Para Delgado, em qualquer das hipóteses, o beneficiário dos R$ 50 mil foi Dirceu.
Condenado pelo passado
O socialista reafirma em seu relatório que, a partir dos indícios e evidências, na qualidade de coordenador-geral da campanha presidencial, Dirceu não poderia ter desconhecido os pormenores da contratação do publicitário Duda Mendonça para a campanha de Lula e os detalhes financeiros do contrato firmado com o publicitário, que confessou, na CPI dos Correios, ter aberto conta no exterior para receber US$ 10 milhões.
Nas páginas finais do documento que pode conduzir Dirceu à guilhotina política, Delgado, em tom de comoção, relembrou em pormenores a trajetória do petista, desde a militância estudantil e o combate à ditadura, até a ascensão ao poder, destacando que poucos têm a honra de ostentar a “folha de bons serviços prestados à história do país” como o colega.
Neste ponto, Delgado observa, quase consternado: “Ele perdeu a noção dos limites, em nome da crença de que a manutenção do poder autoriza qualquer medida.” Para Delgado, as evidências de que Dirceu articulava diretamente, ou no mínimo, tinha conhecimento e não fez nada para impedir as negociações espúrias feitas entre parlamentares em nome da governabilidade da gestão Lula.
“Não é crível que o maior esquema de corrupção de que o país tenha notícia tenha sido idealizado e praticado por pessoas de seu relacionamento sem que ele soubesse, controlasse ou admitisse”, ponderou. “Significa que ele não seria mais do que uma embalagem sem conteúdo, uma estampa de poder vazia. Nós o estaríamos comparando a um fantoche, sem controle de movimentos. Característica que não se confirma diante de seu histórico”, concluiu o relator.
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