Cláudio Versiani, de Nova York*
De volta para o meu doce exílio novaiorquino (como definiu um leitor), que não é exílio e muito menos doce, retomei o contato com a cidade. Entrei na estação. Falar que parecia uma sauna é lugar-comum.Tomei o trem expresso número 3 no Park Place, onde está a prefeitura da cidade, uma parada depois de Wall Street. Hora do rush, em Nova York, dura o dia todo. O trem estava lotado de executivos da região da grana da Big Apple.
Estava pensando na vida e o cérebro agarrou uma conversação em português. Ou mais ou menos porque a conversa era recheada de palavras em inglês e em economês, essa língua maldita que ninguém entende nada. Expressões como economics, strategy, quantity strategy e outras mais que não me lembro ou não entendi.
A conversa estava interessante para quem não tem nada para fazer durante uma viagem de metrô. Em Nova York, mesmo os estrangeiros falando em sua língua nativa devem tomar certo cuidado, já que a chance de se ter um patrício por perto é grande.
Os executivos não estavam falando nada demais, eram observações profissionais. Um deles, aliás, falava e respondia e-mails no seu BlackBerry, o inseparável aparelho dos novaiorquinos chics. Quando não é o Ipod, é o BlackBerry, que agora enfrenta a concorrência recente do Iphone. Todos falando com todos.
Conversa vem, conversa vai e aparece o nome do Marcelo [para preservá-lo, adoto o nome fictício], cara bom e correto que não teve muita oportunidade profissional por aqui na ilha. Um dos executivos pergunta para o outro: “Quanto é que você acha que ele está fazendo?” E já responde com outra pergunta: “250 ou nem isso?” A resposta é: “Não, 250 ele tem que fazer, talvez um pouco mais”.
Publicidade250 só podem ser 250 mil dólares anuais, o que dá um salário de 20 mil dólares. Fiquei pensando no Marcelo, o cara correto que não teve oportunidade profissional em Nova York. Pobre Marcelo, só faz 250 mil dólares, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos. E os dois executivos, quanto fazem por ano? Se eles consideram 250 pouco, o que pode ser um bom salário na cabeça desses dois alienígenas? Que planeta eles habitam? E se aqui isso já é uma boa grana, imagina no Brasil. Esses caras têm a cabeça na lua, mas a conta bancária é real.
O que mais me incomoda no astral da cidade é que aqui ninguém tem tempo para nada, a não ser os velhinhos e aposentados ou, pior ainda, os velhinhos aposentados que querem puxar papo com você em cada esquina. Uma máquina fotográfica é uma boa desculpa para um começo de conversa, mas pode ser qualquer outro objeto, não importa. Eles aproveitam qualquer ocasião para espantar a solidão.
Mas se você prestar atenção na cara das pessoas, e são milhões andando pelas ruas da ilha, está escrito na testa de cada um: MONEY!!!!!!!! É um sinal luminoso que não pára de piscar. Do dominicano ilegal entregador de pizza ao executivo do mercado financeiro, todo mundo corre atrás do dinheiro. É assim que a cidade gira.
Os executivos descem na Times Square e eu sigo pensando no pobre do Marcelo, o cara correto que só faz 250 por ano.
No dia seguinte eu tinha uma foto para fazer às 10h30 da manhã no Ground Zero. Choveu muito de madrugada e a cidade estava com o sistema de metrô funcionando precariamente. Saí de casa às 9h15 para ter uma margem de segurança, normalmente dá para se fazer esse trajeto em 20 minutos.
Welcome to New York! Cheguei à estação do metrô e estava um caos. Um calor de 40 graus castigava quem esperava o trem. Passaram quatro ou cinco trens e não consegui entrar em nenhum. A mochila na qual carrego o equipamento fotográfico era o diferencial, com ela era impossível agarrar o trem. Depois de uma hora fui para outra estação na rua 72. Mais uns 30 minutos de espera. Fiquei superfeliz quando entrei no trem que me levaria para downtown. Alegria de pobre dura pouco, o trem morria na rua 34. Desci na Times Square, na rua 42. Ali sim, estava um caos de verdade, gente pra todo lado, todo mundo desorientado e nenhum trem funcionando.
Resignado, saí para a rua e comecei a andar, ônibus nem pensar, táxi muito menos, o trânsito estava travado. A cara das pessoas lembrava o apagão de agosto de 2003. Andei uns 60 quarteirões e cheguei ao Ground Zero às 12h30. Dei sorte, o “meu fotografado” só chegou 30 minutos depois.
Depois do ataque terrorista de 11 de setembro, a cidade convive com as adversidades tranqüilamente. Um tornado como esse que arrancou telhados de várias casas, derrubou uma boa quantidade de árvores e paralisou o trânsito da cidade é coisa pequena. O novaiorquino está acostumado com dificuldades. A cidade oferece muito, mas cobra muito também, nada aqui vem de graça. E nada aqui é doce, muito menos o meu exílio.
Como disse em outra coluna: I love this fucking city.
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