Torturra e o produtor cultural Pablo Capilé, idealizadores do grupo, enfrentaram a bancada de seis jornalistas para explicar o que pensam, como se sustentam, a quem são ligados e quais são os planos para o futuro do coletivo. De acordo com os “ninjas”, o jornalismo praticado pelo grupo é feito com ativismo, ao contrário da imprensa tradicional, que, segundo eles, é parcial e ainda não entendeu a lógica da internet. “A nova objetividade [da imprensa] vem da transparência clara do que pensa e como a informação é produzida. A grande mídia nem sempre é transparente. Nós somos transparentes até nos nossos erros. Não editamos nada, é tudo em tempo real”, disse Torturra. E qual a receita para ser um mídia ninja? Capilé resumiu: “Disposição, um celular na mão e um recarregador de bateria”.
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Participaram do programa como entrevistadores Suzana Singer, ombudsman da Folha de S. Paulo, Alberto Dines, editor do site e do programa Observatório da Imprensa, Eugênio Bucci, colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da revista Época, Wilson Moherdaui, diretor da revista Telecom, e Caio Túlio Costa, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e consultor de mídia digital. O programa foi conduzido por Mário Sergio Conti e contou com a participação fixa do cartunista Paulo Caruso.
Confira o programa:
Veja abaixo uma transcrição dos melhores momentos:
PublicidadeO que é o Mídia Ninja, o que faz e como se mantém
Torturra: É uma rede de jornalismo independente que já começou há muito mais tempo do que as pessoas imaginam, fruto de um processo muito mais longo de conexão de coletivos culturais no país inteiro ao longo de dez anos. A gente faz jornalismo, sim, e eu acho até curioso haver uma dúvida se o que a gente faz é ou não jornalismo. Acho que dá para discutir que tipo de jornalismo a gente faz, dá para discutir a qualidade e a relevância dele, mas acho que o fato de ser um grupo organizar como um veículo, de ter uma dedicação diária e de transmitir informação da maneira mais crua, mais honesta, da maneira mais abrangente possível dentro das nossas limitações, acredito que é jornalismo sim.
Capilé: O Mídia Ninja vem de uma rede que já está atuando há dez anos e uma delas é o Fora do Eixo que tem duas mil pessoas. Essas duas mil pessoas prestam uma série de serviços e suportes para que isso aconteça. Elas estão divididas em casas coletivas pelo Brasil inteiro, que tem caixas coletivas, e que vieram a partir de articulações das artes. […] Hoje nós conseguimos desmonetarizar essas relações porque as pessoas moram dentro dessas casas e elas conseguem transformar um em dez, na lógica de rede. O que um da rede faz, todo mundo recebe em conjunto.
Como o grupo se mantém?
Capilé: A gente presta serviços. A gente faz oficinas, faz debates, a gente organiza 300 festivais pelo Brasil, a gente organiza 100 festivais de audiovisual pelo Brasil. Então temos uma série de ações que conseguimos organizar para que possamos ser autônomos e independentes para a gente fazer investimentos numa série de iniciativas. As ações trazem dinheiro diretamente. O Fora do Eixo funciona como uma incubadora. Há dez anos atrás o outro movimento que a gente estava trabalhando era a música. [Parte do dinheiro] vem também de editais públicos. Mas a grande maioria vem do nosso próprio meio de produção. De 3% a 7% vem de editais.
Torturra: Mídia Ninja nasce dentro da rede do Fora do Eixo e hoje em dia ela está se constituindo com pessoas que não necessariamente fazem parte do Fora do Eixo, que hoje estão tentando aderir.
Capilé: A gente não tem salário, mas todo mundo tem a senha do cartão. Então vivemos de forma compartilhada. Inclusive temos um banco que faz a mediação da circulação desses recursos e criamos uma moeda complementar, que é a Fora do Eixo Card, que ajuda a mediar as remunerações das pessoas que estão ali. […] Tem vários financeiros distribuídos pelo Brasil, de pessoas que foram aprendendo dentro deste laboratório.
Futuro do jornalismo
Torturra: A mídia tradicional é vista, antes de mais nada, como um modelo de negócio, como algo que deve gerar lucro da mesma forma que uma indústria gera. E acho que nas últimas décadas a informação foi sendo tratada cada vez mais como commoditie. Acho que, pelo próprio modo como os jornais migraram para a internet, eles não entenderam que a rede deveria pressupor uma outra lógica econômica, que não pode ser analógica, anacrônica. Acho que estamos vivendo exatamente isso [o jornalismo pós-industrial]. Acho que isso vai ser extremamente positivo para o jornalismo. Para que ele deixe de ser encarado como uma atividade industrial, e que o jornalista pare de ser encarado como o operário, como um funcionário convencional. Quando a gente está na era da informação, e não mais na era industrial, como é que o jornalismo ainda é pensado nos moldes do começo do século XX? Eu sou muito otimista, não só em relação à minha sustentabilidade, mas à sustentabilidade de jornalistas e comunicadores e muita gente que está, não só, sem emprego hoje e saindo dessas redações, mas uma juventude enorme que tem vontade de ser jornalista hoje com muito mais abertura, com muito mais liberdade que a minha geração teve. Tem de ser tirado do foco, na verdade, é que a gente ainda é muito refém dessa lógica de que o jornalismo ainda precisa ser muito caro. Como é que essa lógica de rede, que a internet representa, não se torna a nova lógica econômica da idade da informação? É isso que estamos em busca.
Financiamento da Mídia Ninja
Torturra: No que a gente confia muito hoje em dia é que, da mesma forma que estamos falando do jornalismo pós-industrial, o leitor também tem de passar da sua passividade. O leitor precisa entender que se ele valoriza o mercado da informação democrática, ele também vai ter que ser responsável por ele. Ele também vai ter que financiar isso se ele quer a tal credibilidade e se quer se sentir representado. Queremos lançar um crowdfunding para a gente se estruturar. Devemos lançar na quarta-feira (7) ou na quinta-feira (8) com a Agência Pública, para que o público nos ajude a financiar o jornalismo independente. Isso será feito via redes sociais. Objetivo é financiar o site e equipar pessoas no país inteiro. Depois a gente imagina um sistema de assinatura de baixo valor em que o leitor possa contribuir para a gente ter uma renda mensal estável. A partir disso, a gente vai conseguir financiar reportagens e transmissões em tempo real e também pensar a remuneração de quem está fazendo esse trabalho. Queremos também um crowdfunding para reportagens e editorias específicas e depois queremos um software, que é um pouco mais complicado, que a gente imagina de microdoação para cada texto, para cada foto. Ao invés de dar um like, a pessoa pode dar R$ 1, R$ 2.
Patrocínio público
Capilé: A gente acredita que políticas públicas para a cultura e a educação são fundamentais. Isso melhorou muito nos últimos dez anos mas ainda está muito aquém. Como dissemos antes, só 3% a 7% do nosso orçamento geral é de verba pública. Isso aí [patrocínio de R$ 800 mil da Petrobrás] foi um edital aberto pela Petrobrás para a rede de festivais independentes. Essa rede não tem mais ligação direta com o Fora do Eixo. Esse recurso é diretamente ligado a essa rede [e não entra no cálculo dos 3% citados antes]. A gente já tem dez anos e esse edital foi aprovado este ano.
Há dois anos e meio atrás participamos também de um edital [do governo do estado de SP] para o lançamento da rede social da Fora do Eixo e a gente foi aprovado. O projeto foi desenvolvido a partir de software livre e a gente investiu nesse projeto.
Eu acho que o x da questão nesse debate sobre financiamento público é como em rede você consegue multiplicar. Hoje uma casa Fora do Eixo custa em torno de R$ 20 a R$ 25 mil reais. Moram 30 pessoas dentro dela. Cada pessoa custa mais ou menos R$ 900 reais. Mas quando um cara, por exemplo, trabalha para um dos festivais de música e dá suporte aos 300 festivais realizados, se cada um desse suportes gerar R$ 500 reais, o cara que custou R$ 900 reais em um mês, no mês de fevereiro, que ele deu esse suporte, vai gerar R$ 150 mil. Então, dentro desse sistema de rede é multiplicado muito mais. Então, às vezes se tem a ideia de que a gente lida com muitos recursos, mas é essa capacidade de desmonetarizar. Cada um real que entra ali é multiplicado por 15, 20.
Recurso público não é sinônimo de não independência. Ainda mais com políticas públicas de comunicação e de cultura para distribuir isso na ponta. Eu acho que é fundamental que a gente trabalhe não para criminalizar, mas para levantar a urgência e a emergência de conseguir sensibilizar os governos a contribuírem cada vez mais para o investimento dessas novas lógicas de produção do século XXI.
Torturra: Me sinto completamente independente e não me sinto de forma alguma patrocinado pela Petrobrás. Esse patrocínio foi específico para festivais de música que aconteceram no país inteiro. É importante entender como essa lógica financeira é muito complicada para a gente explicar rapidamente porque ela é em rede. Não é que o dinheiro dos festivais está sendo direcionado para a Mídia Ninja. Nenhum desses editais foi específico para a Mídia Ninja. Então, por enquanto, não há nenhuma verba de governo ou de empresa que tenha financiado de alguma forma. […] Acho que é pela dependência de dinheiro privado, de empresas de patrocínio que o mercado da mídia está tão quebrado. […] Eu acho que investimento público em iniciativas de comunicação, desde que ele seja totalmente aberto e outros grupos possam disputar também, que não seja feito a portas fechadas é totalmente legítimo. Porque é algo de profundo interesse público, que a informação se democratize. Até porque há muito dinheiro público na grande mídia.
Mídia Ninja depois das manifestações
Capilé: Já estamos nessa muito antes das manifestações de junho. Além de se discutir o jornalismo, temos que discutir também o midiativismo. De o ativista fazer a sua comunicação, de dar transparência para esse processo. E acredito que essas pessoas continuarão se organizando. Muitas manifestações ainda acontecerão, mas para além delas, pautas não nos faltam. E uma das coisas que o Mídia Ninja tem trabalhado também é, para com o tempo, se tornar desnecessário. Muitas iniciativas têm surgido no Brasil. Ou seja, a capacidade de perder o controle, de entender que em um certo momento consegue inspirar que outras iniciativas consigam também ter essa solidez.
Recursos gerados pelo Fora do Eixo
Capilé: Não é uma conta fácil de se fazer porque é um sistema de rede. Pelo menos em cards, a gente circula 60 milhões por ano, que é a conta do Fora do Eixo Card. A nossa moeda complementar é o Real, que gira distribuído nessas iniciativas todas de R$ 3 a R$ 5 milhões. Por exemplo, um festival independente desses 300 que acontecem, tem festival que custa R$ 80 mil, tem festival que custa R$ 100 mil. E o gerenciamento deles é feito por cada coletivo. Então, é um recurso macro, mas que não se tem um caixa único de gerenciamento desses recursos. Têm recursos distribuídos na ponta.. Então, como se tem uma rede ampla, quando se soma todos os recursos dá um grande valor, mas não se tem um caixa único de gerenciamento. É distribuído. O que faz a rede acontecer é a colaboração e a força de trabalho.
Relação com PT
Capilé: Já temos dez anos de militância política e cultural. Não somos convidados vip de ninguém. A gente se convida e se impõe com legitimidade. O fato político é movimentos do país inteiro conseguirem fazer uma interlocução política cada vez mais séria. Depois de dez anos desenvolvendo esse modelo, a gente não iria se organizar através de instituições que estão sofrendo uma crise de representação e uma crise de narrativa. Não somos organizados e nem financiados pelo PT. A gente não se encontra só com o PT. A gente dialoga de forma aberta com um monte de partidos. Dialogamos com o Freixo [Marcelo Freixo, Psol], com a Marina [Silva], com o Jean Wyllys [ deputado federal pelo Psol], com a Jandira Feghalli [deputada federal pelo PCdoB], a gente dialoga com muita gente. O PSDB tem como política não dialogar com os movimentos sociais. Eu acho difícil encontrar movimentos que dialoguem com o PSDB.
Torturra: Eu assinei a ate de fundação do partido dela, que pode se tornar um partido agora. Já conversei com o FHC [ex-presidente Fernando Henrique Cardoso] no instituto dele sobre política de drogas.
Drogas
Torturra: Achei a proposta do FHC muito boa. Acho que o serviço que ele está fazendo, não só aqui mas no mundo, querendo discutir a legalização das drogas, da guerra às drogas é um exemplo para a própria esquerda daqui. Acho lamentável que o resto do PSDB não tenha pegado esse tema. Sem dúvida, essa pauta da despenalização da maconha é uma pauta que podemos encampar. A mim ela é, sem dúvida, muito cara. Acho que é uma pauta que a mídia não tem coragem ou não tem estudo suficiente para entrar como ela deveria. Ela tem muito medo de assumir a obviedade do fracasso da guerra contra as drogas.
O que fazer para ser um mídia ninja
Torturra: As pessoas podem chegar até nós pela nossa página no Facebook. A gente está montando um site também em que não vamos simplesmente nos ater a fazer coberturas ao vivo. A gente está montando um time de repórteres também. Queremos nos tornar um veículo mesmo, mas sem editorias verticais, mas com uma rede formada. A partir daí vamos montar núcleos que serão capazes de entrar em pautas específicas. Eu acredito que a nova credibilidade do jornalismo não virá de uma imparcialidade falsa, mas de múltiplas opiniões claras e multiposicionamentos.
Proteção da Mídia Ninja às manifestações
Torturra: De fato a nossa cobertura protege o manifestante. Mas antes de tudo ele é um cidadão que está sendo atacado de forma muito violenta pelo Estado por estar exercendo um direito. A gente defende a democracia quando a gente toma lado em uma manifestação porque a gente não está defendendo o argumento do manifestante necessariamente, mas com o direito dele de estar ali.
Black blocs e vandalismo
Torturra: Eu estive presente em vários atos de vandalismo para transmitirmos ao vivo. Fomos bem recebidos pelos Black Blocs, que não acharam nada ruim de a gente transmitir os atos ao vivo. E não é uma questão de achar isso bom ou ruim, mas a minha motivação quando vou à rua não é a mesma do Black Bloc. Eu não me identifico. Mas acho que não dá para discutir a ação do Black Bloc sem antes discutir a prioridade midiática e o escândalo que a sociedade sente quando um vidro é quebrado, o patrimônio de um banco é depredado e a gente não encara da mesma forma escandalizada quando um cidadão é agredido. O que temos de entender é que eles são jovens que sofrem violência do Estado há muito tempo e que não confiam nos governos. Tem um jargão deles que é muito claro: “vândalo é o Estado”. Eu não concordo necessariamente mas consigo entender. O Black Bloc, mais do que um movimento, é uma tática internacional para derrubar símbolos do capital. […] Acho que tem muito pouco repórter da mídia tradicional presente nas ruas, falando com o Black Bloc. Uma porque eles também não falam com a grande imprensa.
Contribuição da Mídia Ninja para a imprensa tradicional
Capilé: Acho que esse debate é muito parecido com o acontece sobre os partidos. Tem uma crise de representatividade e se busca mais participação social. Mas como oxigenar essa participação? Acho que é o que acontece com a imprensa. Eu particularmente não acredito em movimentos sem lideranças, mas o que acontece é que existem muito mais lideranças. Elas têm aumentado gradativamente. Os movimentos sem liderança são de fácil captura. Não adianta nada a imprensa colocar um cara na rua com um celular na mão se ele vai ficar ali, muito mais escondido para não ser hostilizado do que propriamente fazendo uma cobertura em tempo real. Então, acho que esse movimento de rede de rua, como o Mídia Ninja, vai conseguir trazer um certo oxigênio para o que a chama de velha mídia ou para os partidos que estão em uma crise narrativa muito grande. Milhões de fichas caíram no Brasil ao mesmo tempo. E aí você tem um monte de gente no chão tentando capturar essas fichas, e alguns nos helicópteros tentando apontar para onde essas fichas estão indo. Então, cada hora se fala uma coisa conforme sua conveniência. Então, ir para o chão para tentar pegar essas fichas é uma forma de oxigenar o modelo que já não consegue mais ter credibilidade e nem vigor para tentar se ressignificar.
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