"A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!"
("O Povo ao Poder", Castro Alves)
Celso Lungaretti*
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PublicidadeMais uma efeméride começa a ser intensamente comemorada: os 25 anos das diretas-já, campanha desenvolvida pela cidadania para convencer o Congresso Nacional a aprovar a emenda Dante de Oliveira, que restabelecia imediatamente as eleições diretas para presidente da República.
Houve uma série de grandes comícios nas nossas principais capitais, alguns deles reunindo até 1 milhão de brasileiros que não suportavam mais o totalitarismo implantado pelos golpistas de 1964.
As minhas melhores lembranças são a daquele mar de camisas amarelas sinalizando a volta da esperança; a do incrível carisma de Leonel Brizola que, em função da mesquinha disputa de espaço político no campo da esquerda, começou vaiado seu discurso numa manifestação das diretas-já na Praça da Sé (SP) e, com uma fala empolgante, conseguiu colocar o público a seu favor, terminando sob aplausos generalizados; e a da promessa do craque Sócrates num comício-monstro do Anhangabaú (SP), de que, caso fosse restituído ao povo brasileiro o direito de escolher seu presidente, ele ficaria aqui para contribuir na redemocratização, recusando a proposta astronômica da Fiorentina.
Infelizmente, o Congresso rejeitou em abril de 2004 a emenda Dante de Oliveira e a eleição acabou sendo, mais uma vez, indireta. Aí, parcela dos parlamentares que frustraram a vontade popular abandonou o partido da ditadura (PDS) e formou uma nova agremiação (o atual DEM) que, unida ao PMDB, assegurou a vitória do peemedebista Tancredo Neves no colégio eleitoral.
Os vira-casacas de última hora receberam todas as recompensas, inclusive a posição de vice na chapa de Tancredo, que acabou catapultando José Sarney à Presidência. Foi paradoxal: como Tancredo, vitimado por uma infecção generalizada, nem sequer pôde assumir, o primeiro presidente pós-ditadura acabou sendo alguém que, meses antes, era um dos porta-vozes da ditadura.
E as perguntas que não querem calar:
1. Quando, exatamente, esses congressistas de origem arenosa decidiram desembarcar da canoa furada da ditadura?
2. Foi só depois de eles terem assegurado, com seus votos, a rejeição da emenda Dante de Oliveira?
3. Ou já tinham esse projeto em mente, mas voltaram as costas ao povo para depois obterem o melhor preço nas barganhas com o PMDB?
O certo é que, pelo voto popular, daria Brizola ou Lula; pela via indireta, deu Tancredo.
A grande imprensa, sob a batuta da Rede Globo, tudo fez para vender o conceito de que tal saída da ditadura pela porta dos fundos era o coroamento das diretas-já.
O auê saudando a Nova República foi poeira colorida atirada nos olhos dos brasileiros, que acabaram engolindo gato por lebre: uma redemocratização pela metade, com expressiva participação de cúmplices da ditadura, ao invés da verdadeira ruptura com o totalitarismo que a aprovação da emenda Dante de Oliveira teria propiciado.
* Celso Lungaretti, 58 anos, é jornalista e escritor. Mantém os blogs O Rebate, em que publica textos destinados a público mais amplo; e Náufrago da Utopia, no qual comenta os últimos acontecimentos.
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