Rui Costa Pimenta: Boa noite.
Em primeiro lugar, eu queria que o senhor dissesse para o eleitorado, de forma breve, quem é Rui Costa Pimenta e porque o senhor está lançando sua candidatura.
Eu sou paulistano, tenho 57 anos de idade. Sou militante da esquerda revolucionária, aproximadamente, há 37, 38 anos. Comecei na época da ditadura militar, no movimento estudantil, e depois comecei a participar do movimento operário – trabalhei durante um longo período nos sindicatos. E já faz alguns anos que me dedico, inteiramente, à atividade partidária. De um modo geral, o que eu poderia dizer? Sou jornalista, de profissão. Sou jornalista na política, também, sou escritor, palestrante. Realizo uma atividade pública de caráter intelectual. Quanto a ser candidato… Eu nunca aspirei a, na minha atividade política, ser candidato. Mas isso aconteceu como parte de um desenvolvimento partidário, como uma obrigação na medida em que o partido resolveu se aventurar na eleição presidencial, e precisava de uma pessoa com uma formação necessária para fazer a propaganda do programa do partido.
O senhor, na hipótese de vitória… Qual seria o seu primeiro ato de governo?
Bom, nós temos dito, na imprensa, em todas as entrevistas, que nós não alimentamos a ficção de que todos os candidatos estão na eleição concorrendo em bases iguais, com a mesma possibilidade de ganhar. Nós sabemos que não temos nenhuma possibilidade de ganhar, que nós estamos concorrendo aí não por uma escolha popular livre, mas contra poderosíssimas máquinas políticas, muito bem financiadas por grandes empresas e tudo mais. Então, se trata, na realidade, de uma pergunta hipotética. Mas o que nós achamos que deveria ser o primeiro ato de um governo de trabalhadores, um governo socialista seria encaminhar a problemas fundamentais da sociedade brasileira, como a questão salarial, de emprego, ou a questão agrária, ou a questão da educação e a da saúde. Tomar uma medida de impacto no sentido de fazer evoluir as condições de vida do povo.
Como o senhor responde aos críticos do socialismo com aquela base teórica da antiga União Soviética, dos grandes pensadores russos? Eles têm dito que, no mundo atual, com um capitalismo vigente de uma força muito intensa, não há mais lugar para o socialismo. Como o senhor responde a eles?
Acho que isso é uma mistificação, uma inversão de coisas baseada no desconhecimento da maioria das pessoas. Na realidade, não há mais lugar no mundo atual é para o capitalismo, que é um sistema decadente, falido. É um sistema já muito comprometido, que já abandonou as suas características essenciais. É, visivelmente, um sistema de transição. E é um sistema que espalha uma crise terrível pelo mundo inteiro. Nas últimas duas ou três décadas, o mundo teve mais guerras do que todo o período anterior da Humanidade. Isso é um produto direto do capitalismo – a crise econômica, a proliferação da miséria, da fome, o ressurgimento da escravidão, tudo isso aí é o capitalismo. O que nós achamos é o contrário: que o socialismo está vigente não como um projeto na cabeça de uma pessoa, mas como decorrência de uma situação objetiva, real, que existe no mundo moderno. A crise do capitalismo é que conduz ao socialismo. Essa sempre foi a ideologia marxista.
O pensamento do seu partido – e o senhor também defende esse pensamento – é de que Trotsky é o tradutor mais adequado do marxismo para a atualidade. Só que a maioria do povo – e não só no Brasil, mas na maioria dos países – não tem tanto refinamento intelectual e nem entende certas ideias – não é concebível um cidadão comum, com baixa escolaridade, ler O Capital, por exemplo, e entender do que se trata. O senhor não acha que a esquerda está enveredando por um caminho altamente intelectualizado, em vez de ser mais mais pragmática?
Acho que existe esse aspecto. Nós consideramos que o marxismo é uma ciência e, como toda ciência, ele precisa ser estudado. Precisa ser assimilado, como acontece com uma boa parte daquilo que se ensina, por exemplo, nas universidades. Agora, a política é uma coisa prática. E eu acho que, se bem uma parcela da população tem a dificuldade de entender os pressupostos da política que nós estamos fazendo – e isso é natural -, ela é plenamente capaz de entender a política prática. Nossa política começa com as reivindicações mais sentidas da classe trabalhadora. E vai evoluindo até a necessidade de a classe trabalhadora tomar o poder. Eu acho que essa fórmula traduz, de uma maneira simples, de uma maneira acessível e prática aquilo que é também explicado, de uma maneira complexa, em livros como O Capital, por exemplo.
Candidato, a esquerda, hoje em dia, enfrenta um certo momento delicado. Como exemplo fático, tem essa questão do Randolfe, que desistiu (da candidatura à Presidência) em meio a uma cizânia do partido. E, agora, a Luciana Genro dizendo que ele já está praticamente fora do partido, e não comunga mais dos dogmas da esquerda tradicional. Outros casos não vou precisar citar, o senhor mesmo deve saber de vários. A esquerda enfrenta uma crise, atualmente, no Brasil?
Acho que temos dois momentos dessa crise. Um momento é o da esquerda tradicional, que era ligada à União Soviética – aos movimentos nacionalistas de Terceiro Mundo que a União Soviética impulsionava -, que entrou em crise junto com a própria União Soviética. Na realidade, já estava em crise há muito tempo. Bom, esse é um pano geral de fundo da crise da esquerda. Agora, no momento nós temos, sim, uma crise, que acho que começa com o PT. Acho que o governo do PT traduz um impasse de uma determinada política da esquerda, que é uma política de fazer progredir a esquerda e as reivindicações populares num marco de uma colaboração com os partidos de direita, com a burguesia, et cetera e tal, e isso atinge quase toda a esquerda, que não vê a possibilidade de uma organização independente dos trabalhadores. E que os trabalhadores devem fazer essa política em oposição a esse regime, e não no marco do regime atual. Acredito que a crise do Psol tem a ver com isso, tem a ver com as duras disputas eleitorais que há dentro do partido, e uma boa parte da esquerda sofre com esse mesmo problema. Ela é uma esquerda integrada ao jogo político atual.
O PT deixou de ser esquerda, traiu o ideário de esquerda? Os bancos lucraram muito com o governo Lula, continuam lucrando, agora no governo Dilma. O BNDES tem uma política muito questionada de favorecer apadrinhados do governo. O PT deixou de ser esquerda?
O PT, ele… Nós não compartilhamos a ideia de que o PT não seja um partido de esquerda, mas nós sempre assinalamos que o PT é uma esquerda burguesa. Não é uma esquerda popular, proletária, de trabalhadores. Nós temos que entender – e eu acho que isso aí também não é muito fácil de entender, para muita gente – que o capitalismo, a burguesia, ela não pode administrar o regime sem duas políticas: uma política democrática, de esquerda, e uma política mais conservadora, que ataca mais duramente os trabalhadores. Em todos os países, desde que existe capitalismo existe uma ala de esquerda e uma ala de direita. O exemplo maior são os partidos socialistas da Europa, que são a esquerda do regime burguês. Nesse sentido, o PT era visto como uma esquerda mais radical, digamos assim, e ele se revelou – é surpresa para alguns; para nós não foi tanto uma surpresa – como uma esquerda muito moderada, muito integrada com regime atual, que colabora com o capitalismo. Agora, nós achamos que o PT, pelos seus métodos, pela sua relação com os trabalhadores, é uma coisa; e partidos como o PSDB, ou até mesmo a atual candidata do partido socialista [Marina Silva], que são de direita, são uma coisa diferente pelos métodos que eles utilizam, pelas relações sociais que eles têm.
Hoje em dia a gente vê uma panaceia de coligações, de partidos com alianças que, antes, abominavam. Voltando um pouco no passado, o Lula e o PT condenavam a ideia de pagar a dívida ao FMI e, depois, não só pagou como virou credor do FMI. O PCO defende o quê? É romper com o mercado de uma vez por todas, ignorar os grandes órgãos financeiros mundiais, e manter uma política econômica própria, particular?
É. Essa vinculação com esses órgãos de mercado, essas instituições financeiras internacionais, isso é uma escravidão para o Brasil todo. Principalmente para o povo brasileiro, mas até mesmo para a burguesia brasileira. O problema é saber quem teria condições de promover essa ruptura. O PT, visivelmente, não pode fazer isso, porque a burguesia de conjunto não quer operar essa ruptura. Ela teme ficar isolada na situação internacional. Teme as retaliações, as pressões desses países que dominam esses órgãos internacionais. Então, não vai levar adiante. Mas é uma escravidão, e é um tremendo estrangulamento do desenvolvimento brasileiro. Nós estamos pagando caríssimo pelo controle que esses órgãos têm sobre a economia nacional.
O senhor defende, por exemplo, nessa linha de como lidar com o grande capital, a taxação das grandes fortunas, como a Luciana Genro defende?
Nós defendemos, na realidade, o fim do imposto sobre o consumo, que é um imposto sobre a classe trabalhadora, dos assalariados, e que haja um imposto único sobre o capital. Quer dizer, um imposto sobre quem tem dinheiro, efetivamente. Não é bem a taxação das grandes fortunas, porque isso seria inserido no atual quadro da organização fiscal brasileira. Nós propomos uma mudança mais de conjunto, mais radical: acabar com o imposto sobre os trabalhadores e colocar esse imposto, exclusivamente, sobre as pessoas que têm fortunas, que têm uma renda expressiva.
Os mais liberais, os homens de mercado e da livre iniciativa, eles dizem que a política é um braço da economia e não o contrário. Eles dizem que não tem como governar… A governabilidade, nesse presidencialismo de coalizão atual, não se dá sem a atuação das grandes empresas, das grandes multinacionais por trás dos políticos. O senhor governaria sem uma base criada com essa turma por trás, esses grandes operadores do dinheiro?
Não, isso é impossível. A não ser que você queira ser uma fachada de defesa dos interesses populares e ser, na verdade, um serviçal dessas grandes empresas. O domínio dessas grandes empresas sobre a política – que é real, que é fato – é uma antítese de qualquer tipo de democracia, de participação popular, de decisão popular. Justamente nós defendemos uma política, digamos assim, socialista porque nós nos opomos a essa mascarada, a essa farsa de democracia que existe aí. Nós somos a favor de que o povo, efetivamente, decida, e que o Estado seja colocado a serviço do povo. Para isso é preciso confiscar as grandes empresas, e retirar delas o seu poder econômico e político.
A gente vai partir, agora, para as coisas mais em voga atualmente. São discussões eternas e que nunca têm fim, por serem eternas. Por exemplo, o parlamentarismo. O senhor é a favor ou contra?
Se nós fôssemos escolher o regime político existente no capitalismo, nós seríamos favoráveis, logicamente, ao parlamentarismo, que é um regime mais democrático. Agora, quando nós falamos em parlamentarismo, há muita confusão. Porque o parlamentarismo europeu, de conjunto, ele é muito conservador. Ele, na verdade, é um presidencialismo disfarçado. O regime francês, por exemplo, é um regime em que o presidencialismo fica ainda mais reforçado pelo esquema parlamentar presidencialista que existe. Todos eles são regimes em que o primeiro-ministro é, praticamente, um presidente. Quer dizer: o velho parlamentarismo não existe mais no sistema capitalista. Ele seria mais democrático, mas não se encontra hoje em dia.
Seria o caso da extinção da figura do primeiro-ministro? Quem responderia pelo governo em nível internacional?
O governo deveria ser um colegiado que surge de dentro do parlamento, que é um órgão eletivo e responde ao controle popular, em uma determinada medida. Quanto mais democrático, quanto mais ampla a eleição et cetera, melhor. Agora, a burguesia centraliza o Estado, justamente por esse motivo. Ela quer impor o seu controle econômico e político sobre o Estado, então ela cria figuras que atuam com uma certa independência das organizações representativas que fazem parte do regime. Nós somos totalmente contra isso aí.
Nesse sentido, o senhor se considera um pouco anarquista, ainda? É meio utópico, para uma sociedade como a nossa, o anarquismo. Mas o senhor se definiria assim?
Não, porque o anarquismo… O anarquismo é uma coisa muito vasta. Mas, de um ponto de vista geral, o anarquismo é a negação da política. É a negação da política em um regime em que você só tem como atuar, efetivamente, através da política.
Marina Silva seria uma anarquista, já que ela está negando a política?
Acho que essa negação da política é um flerte, vamos dizer assim, com o anarquismo, com ideologias anarquistas que estão muito em voga nesse momento. Mas eu acho que não, que ela é uma pessoa política, e uma pessoa ligada a grandes capitalistas. E, na eventualidade de ela ganhar a eleição, a gente ia ver não um governo frouxo, inclinado para o anarquismo, mas exatamente o contrário.
Reforma política, candidato. A gente vê uma série de inadequações para a democracia. Por exemplo, tempo de TV, em que o grupinho maior é o que leva o maior tempo de TV; voto em que se pega um palhaço que puxa vários outros candidatos sem qualquer compromisso ideológico ou partidário. E por aí vai, em uma série de situações que não combinam com uma democracia moderna. O senhor é a favor de quê, em termos de reforma política?
Bom, só uma observação: elas não combinam com a democracia moderna, mas na democracia moderna, em todos os lugares, nós encontramos essas situações. Nós temos um programa para reforma política que tem inúmeras questões, porque o regime político brasileiro é, praticamente, uma fachada democrática para um regime ditatorial. Nós somos, por exemplo, a favor do regime unicameral, somos contra a reeleição, somos a favor da liberdade partidária, que foi extinta no Brasil. Uma série de coisas.
Cinco anos [de mandato] para presidente?
Não. Quatro anos, no máximo. Na verdade, nós nem seríamos favoráveis à existência da instituição presidencial, que é uma sobrevivência da monarquia no regime republicano. Mas, para nós, o que é mais importante são aqueles fatores estruturais que, eu acho, a população já aprendeu a conhecer. Você mencionou o problema do tempo na televisão. A situação é mais grave do que isso. Na realidade, nós não temos uma verdadeira eleição. A eleição, no Brasil, é controlada. Primeiro, por grandes capitalistas, que financiam determinados candidatos – isso é totalmente antidemocrático. E, em segundo lugar, é controlada pelos grandes meios de comunicação – que também são empresas capitalistas – que escolhem quais candidatos eles vão fazer circular nesse monopólio que eles têm sobre a informação no Brasil, um país onde esse problema é muito acentuado. Oito milhões de quilômetros quadrados, 200 milhões de habitantes, extremamente desigual. Sem atacar esses fatores todos – sem atacar, por exemplo, o fator de que no Brasil, já faz um certo tempo, o Judiciário decidiu substituir o Legislativo; o TSE, o STF tomam uma série de decisões que afetam profundamente o regime político -, sem atacar tudo isso aí, o monopólio da imprensa capitalista, essa coisa toda, não há como falar em eleição. Já nem vou dizer que não há como falar em democracia. Mas, mesmo eleição, a eleição não é uma escolha. Nós temos uma eleição que dura pouco mais de 45 dias, em que as pessoas teriam que se fazer conhecidas aí atravessando uma barreira que é absolutamente intransponível. Isso é absurdo. É totalmente absurdo.
O que senhor está achando da postura da Justiça eleitoral em relação à aplicação da Lei da Ficha Limpa? Está frágil, ainda?
Sempre fomos contra a ficha limpa. Não porque a gente ache que não se deva, em geral, combater a corrupção – que, na nossa opinião, é uma luta muito sem perspectiva -, mas porque coloca a escolha dos candidatos na mão do Judiciário, e não na mão do povo. Quem deve decidir quem tem a ficha limpa ou não é o povo. Se alguém argumentar que o povo não é capaz de discernir isso aí, então essa pessoa deveria também argumentar contra o sistema de eleição. Deveria haver aí um grupo de pessoas iluminadas – como havia, em 1964, aqueles generais inteligentíssimos – que toma a decisão de escolher os governantes pelo povo. Agora, para nós eleição é, simplesmente, quando o povo escolhe. E no Brasil o povo não escolhe.
É obrigado e domesticado a escolher?
É obrigado a escolher, as escolhas são feitas para ele, anteriormente à eleição. Então ele já tem uma mesa feita, ele não pode escolher como ele vai fazer o jogo; o jogo está feito ali. Por isso a gente tem insistido que a eleição é um jogo de cartas marcadas.
Ainda aproveitando essa relação entre imprensa, que costuma fabricar seus próprios candidatos, e os próprios candidatos. Em um debate entre presidenciáveis – inclusive o senhor e o Eymael (PSDC) não puderam porque não elegeram deputados para esta legislatura…
Na verdade, três partidos de esquerda não participaram: nós, o PSTU e o PCB.
Exatamente. Teve uma pergunta em que o Kennedy Alencar, um jornalismo famoso no meio, perguntou para o Levi Fidelix (PRTB) se ele considera que o partido dele é uma legenda de aluguel, por ser pequena. Se apenas cria uma legenda e, seguidamente, em todas as eleições, ele está lá, assim como o Eymael… Eles estão a cada eleição, e não importa o que aconteça, ele está lá e, segundo Kennedy – não dando uma opinião dele, mas reportando uma crítica que é feita – para que essas legendas sirvam de legendas de aluguel, para negociar coligação e para ter tempo de televisão, ter espaço eleitora et cetera. O senhor responde como a essa crítica?
É uma critica que é feita ao partido dele?
Sim. Há quem veja semelhança entre PCO, PRTB, PSTU e Psol. Como o senhor responde a isso?
É absurdo. O PRTB é um partido de direita. Ele é um partido totalmente integrado no jogo eleitoral, só que pequeno. Pequeno porque ele não foi, ainda, dominado por nenhum grande setor capitalista, mas poderia acontecer. Eu tenho a impressão até que, nesta eleição, já está acontecendo um pouco isso. Sim, é bem possível que esses partidos burgueses, de direita, pequenos sejam legenda de aluguel. Isso já não se pode dizer da esquerda. Não apenas do PCO, mas não dá para dizer do PSTU, do PCB, também. É uma acusação absurda. São partidos que, mau ou bem, têm a sua ideologia, têm o seu programa, e têm uma história também, além de ter essa ideologia. Agora, o problema dessas legendas de aluguel – e as legendas de aluguel não são apenas as pequenas; são todas as legendas políticas burguesas, inclusive o PT – é que, se há alguém alugando, se há alguém oferecendo aluguel, é porque há alguém procurando esse aluguel. O aluguel não pode ser feito por uma pessoa só, seguindo aquele dito popular de que quando um não quer, dois não brigam. Precisa ter dois para que a coisa aconteça. Bom, os grandes alugadores de legenda são justamente os integrantes dos partidos grandes. Eles corrompem o sistema eleitoral. Eles tomam de assalto os partidos pequenos que eles conseguem tomar, porque não têm ideologia e tudo mais, e transformam esses partidos em instrumentos dos partidos grandes. Quer dizer, a legenda de aluguel o que é? É um partido que foi transformado em instrumento do grande partido que os jornalistas, cinicamente, nunca falam que são legendas de aluguel.
Candidato, em 1922 foi criado o partido. Um de seus ancestrais, inclusive, tinha uma atuação muito corajosa, porque os grandes senhores do capital, os industriais, os empresários, eles tinham a tutela do trabalhador de forma muito desumana, inclusive…
Sem dúvida.
Mas, mesmo assim, a sua família teve sempre uma postura de combater isso, e foi assim no transcorrer de toda a primeira metade do século passado, continuou pela segunda metade do século passado, e se mantém assim, com óbvias mudanças diante da modernidade. Recentemente, em junho, PSTU e Psol foram acusados de promover, de alguma forma, ou de participar, de forma direta, das badernas, não das manifestações legítimas. O PCO também, porque é partido de esquerda, menor, também foi colocado nesse balaio de gato. Como o senhor comentaria isso? O PCO é cúmplice desse tipo de atuação revolucionária, como era feito, de outra maneira, no passado?
Você está se referindo à atuação que foi atribuída aos black blocs?
Isso.
Bem, nós não participamos dos black blocs. Nós temos o nosso próprio método de atuação. Em alguma coisa, talvez, até haja coincidência com o que os black bloc pensam, mas não é uma coisa majoritária. Agora, uma coisa precisa ser dita com clareza: não se pode, com o tipo de tratamento político que essas manifestações recebem na mão da polícia, não se pode acreditar realmente que a juventude vai ficar passiva. Se eles colocassem, talvez, todos os sexagenários nas manifestações, talvez eles apanhassem da polícia pacificamente. Mas quando você pega um rapagão da periferia, um garotão vigoroso, e a polícia parte para cima dele com aquela violência, é natural que ele responda. Acho que o fenômeno que foi chamado de baderna em grande medida é uma resposta de manifestantes jovens à brutalidade policial. Por exemplo, se fala do black bloc mas não se conta a história toda. O Movimento do Passe Livre, em São Paulo, começou como um movimento pacífico. Os jovens saíam à rua para reivindicar o passe livre, e a polícia atacava brutalmente esse movimento. Eu sei porque os militantes do PCO todos participaram desde o primeiro dia. Até meu filho, que é militante… Eu tenho três filhos, dois participaram das manifestações. Eu sei exatamente o que aconteceu ali. A polícia não queria saber, não. A violência era muito grande. E, depois, todo mundo teve a oportunidade de ver o espetáculo naquele dia – se não me engano, dia 13 de junho -, quando a PM do Alckmin sitiou a cidade e atacou todo mundo – jornalista, pessoas que estavam passando, uma verdadeira ditadura. Então, a juventude responde agressivamente a uma polícia brutal. É um cinismo total da imprensa capitalista que acusa a juventude, simplesmente. O grande responsável pela situação é o governo do senhor Geraldo Alckmin e a PM de São Paulo e, em segundo lugar, o governo do senhor Sérgio Cabral e a PM do Rio de Janeiro, e depois os sucessores do Cabral. Ninguém pode querer que você saia armado até os dentes na rua para dispersar uma manifestação pacífica e ninguém reaja. É exigir que as pessoas sejam cordeiros. Não. Eu defendo que a juventude tenha o direito de se defender, sim. E, se há excessos, esses excessos são provocados por aquelas pessoas que impedem a democracia e a livre manifestação. Se não há liberdade, é uma terra sem lei. É como se diz: se os agentes da lei não cumprem a lei, não há lei. Só há o vale-tudo, a luta pela sobrevivência. E é isso o que acontece no Brasil, e vai acontecer de novo. Não adianta colocar uma parte da rapaziada na cadeia. Nós estamos fazendo campanha contra isso. Nós achamos que todo mundo tem que ser libertado, os processos têm que acabar. Não adianta fazer isso aí, porque a coisa vai piorar. Na época da ditadura, foi isso o que aconteceu: a ditadura foi pra cima, violentamente, e acabou que não conseguiu conter a onda. O que existe agora é uma nova ditadura, como era aquela, antigamente. E vai ser respondida pelo povo dessa maneira aí. Podemos esperar mais.
Candidato, já nos encaminhando para o final da entrevista, a gente queria abordar o Congresso, e alguns temas que ficavam à margem – ou, pelo menos, antes das eleições -, mas que agora brotam com uma intensidade clara. O Congresso está ultraconservador? Há uma invasão de religiões, de pensamentos retrógrados? O Estado é laico, não era para existir uma base evangélica no Congresso. O que está acontecendo?
É absurdo, mesmo. Acho que isso é o resultado de um longo período de esfriamento, vamos dizer assim, da situação política, em que a participação da grande massa popular se viu muito diminuída e, consequentemente, as máquinas financiadas pelos grandes capitalistas tomaram conta. De fato, o Congresso é ultraconservador. E ele só deixou de ser tão conservador, não chegou a haver uma mudança qualitativa, no momento em que o povo estava na rua. Quer dizer, o que nós estamos vendo no Congresso é o Congresso em seu estado natural. Ele é assim. Sem uma mudança no regime político de conjunto, nós nunca vamos ter uma representação melhor do que essa daí. Ela é uma representação profundamente antipopular, inclusive a representação dos partidos de esquerda, como o PT e outros.
Vou fazer três questõezinhas para o senhor que refletem justamente… Tocam fundo na alma dos conservadores. É quase como um tabu, mas que em época de eleição são assuntos que não adianta evitar, porque vai ter, porque disso depende muitos votos. Muita gente perde voto por defender tal ou qual questão em relação a esses três temas que eu vou apresentar para o senhor. Aborto, o senhor é contra ou a favor?
Nós somos a favor. Nós temos feito campanha a favor do aborto. A proibição do aborto é uma escravidão da mulher.
Drogas. A favor ou contra a legalização?
Nós não somos filosoficamente a favor do uso de drogas. Mas, do ponto de vista político-jurídico, nós somos a favor da legalização das drogas. Isso é uma causa artificial do aumento da criminalidade, da prisão em massa de pessoas. E nós achamos que, se você coloca as coisas à luz do dia, pode ser tratada de maneira democrática e civilizada. O que se faz hoje é bárbaro.
Não há como ir contra a corrente do Judiciário, e essa corrente manifestada em sua principal corte, que aprovou a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Contra ou a favor o casamento – o casamento – gay?
Nós somos a favor. Nós achamos que não há nenhum motivo, a não ser convicções religiosas – que devem ser privadas, e não devem se expressar na legislação -, para impedir isso. Acho que as pessoas, na medida em que elas não estão prejudicando ninguém, elas devem fazer o que elas acham por bem fazer – quer determinados setores da população gostem ou não, porque a legislação não é satisfazer a todos; é para garantir, fundamentalmente, direitos.
Já finalizando, candidato. O senhor se considera experiente o suficiente para ter nas suas mãos a gestão de um país continental como o Brasil?
Me considero uma pessoa experiente, embora não tenha também essa… Tão experiente que eu não alimento a ilusão de que, primeiro, nós podemos chegar a ter a condução dos negócios do Estado e, segundo, para acreditar que, realmente, é uma pessoa que governa o país, como se apregoa na eleição.
O senhor, esbanjando o realismo que falta a alguns candidatos que acham que têm chance, mesmo diante das obviedades, o senhor apoiaria quem no segundo turno?
A princípio, a tendência do nosso partido é não apoiar ninguém. Por uma diversidade de motivos e, principalmente, porque os três candidatos que estão aí no páreo, por assim dizer, eles são os candidatos do sistema, da engrenagem capitalista fundamental à qual nós combatemos. Agora, tudo isso vai ser decidido em uma conferência do nosso partido, que vai ser realizada após o primeiro turno. Então, apesar de que nós temos uma opinião, não é uma opinião fechada do partido, ainda.
O nível da campanha está baixo? O que o senhor está vendo nesses primeiros debates? Os candidatos estão se traindo a si próprios, os próprios dogmas?
Eu acho que… Nós temos aí, como sempre – talvez de uma maneira mais acentuada -, um show de oportunismo político. Marina Silva é uma… Ela meio que desmascara toda a questão da eleição, mudando de opinião todo dia, mas o que já era esperado. Ela é uma candidata que veio aí para, mais ainda do que os outros, dizer que vai fazer o que ela não tem a menor pretensão de fazer, e dizer que não vai fazer aquilo que ela, realmente, quer fazer. Desmascara o jogo político em geral, sem dúvida nenhuma.
Usaram de forma leviana, se é que se pode usar esse termo, a morte de Eduardo Campos?
É… A exploração desses fatos emocionais faz parte da política. Eu acho que o problema é a população aprender a distinguir esses truques de salão, de prestidigitação, truques de mágico de salão, da política eleitoral da burguesia. Tenho a maior confiança de que a população vai chegar a entender isso aí, está entendendo bastante. Acho que a população é muito crítica da eleição, corretamente, e isso é uma evolução. E, em um dado momento, esses partidos vão ficar para trás, vão ser ultrapassados pela onda da mobilização popular. Tenho uma plena confiança nisso.
Agora eu queria que o senhor falasse, em linhas gerais, de forma breve, que o senhor se apresentasse ao eleitor. O senhor já fez uma introdução, mas agora eu queria que o senhor se dirigisse ao eleitor – e até fisicamente (para a câmera)…para que o senhor conhecesse mais o senhor, e por que ele deveria votar no senhor.
Eu acho que não é o problema da pessoa, mas é o problema do programa do programa que nós defendemos. O que eu gostaria de dizer para o eventual eleitor que esteja acompanhando essa discussão é que nós não estamos defendendo um programa que foi elaborado caprichosamente, aleatoriamente. Nós procuramos defender um programa que é um programa histórico da classe trabalhadora, desde as reivindicações mais elementares, como o salário mínimo vital, a redução da jornada de trabalho, a reforma agrária, e tal… É um programa histórico. Esse programa não é um programa que o PCO inventou; é uma assimilação das lutas populares no Brasil e no mundo. Que nós lutamos nesse sentido, pelo socialismo. Que nós acreditamos que apenas um governo dos trabalhadores, composto pelos trabalhadores, controlado pelos trabalhadores pode, efetivamente, satisfazer as necessidades que as pessoas buscam quando elas participam da eleição e votam em um determinado candidato. Que o trabalhador, nesse sentido, não deve acreditar em pessoas, ele deve acreditar na sua própria força e deve acreditar, acima de tudo, em um determinado programa de luta. Só a luta do trabalhador pode mudar o Brasil. Não vai ser nenhuma pessoa eleita – e isso já está mais do que claro, porque foram eleitas tantas pessoas neste país aqui; o Brasil é um país que sempre teve eleição, desde a época em que era colônia de Portugal… Essas eleições não vão mudar o país. A eleição é uma maneira como se processa o metabolismo da classe dominante, como ela controla a realidade, como ela controla o Estado e tudo mais. Então, essa é a ideia básica do PCO, esse é o perfil do PCO. O PCO é um partido que acredita na luta, que acredita em um programa, que não acredita em fazer uma política de conveniência eleitoral – até porque as eleições não são definidas porque você fala uma coisa mais do agrado de um ou de outro, e isso é muito claro, depende da máquina eleitoral. E, portanto, nós nos apresentamos como um partido com essas características. Nós não estamos falando isso agora, porque nós estamos atuando nos movimentos populares, sindicais e estudantis há mais de 30 anos. E essa tem sido a nossa política e a nossa conduta. Nós temos um programa nos sindicatos que é o mesmo programa para a eleição. E nós procuramos dizer aos trabalhadores aquilo que a gente acha que corresponde à realidade, doa a quem doer.