Meu artigo anterior sobre o mecanismo perverso que tem um considerável probabilidade de levar a uma guerra em 2012 entre o Irã, Israel e os EUA, teve considerável repercussão. Sendo em geral um otimista incorrigível, não tenho a intenção de alarmar, mas estou vendo a coisa chegar cada vez mais perto. O New York Times Magazine trouxe um artigo de Ronen Bergman, um jornalista que vem cobrindo o tema, que depois de longas conversas com vários expoentes do establishment político, militar e de inteligência de Israel, inclusive o ministro da defesa Ehud Barak, chega à mesma conclusão que expus aqui há uma semana e de forma ainda mais peremptória. Ao final de sua grande reportagem, encontramos a seguinte frase: “Depois de conversar com muitos líderes israelense do mais alto escalão e com chefes militares e de inteligência, formei a convicção que Israel de fato atacará o Irã em 2012”.
Embora não tenha nenhuma garantia de que seu ataque – e mesmo um maior, norte-americano – possa obter outra coisa que um adiamento de alguns anos ou meses no acesso do Irã à construção de artefatos, o primeiro-ministro Benyamin Netanyahu estaria decidido a atacar as instalações nucleares iranianas e ter que lidar com as suas consequências. Vários especialistas observam que um ataque tornaria inevitável, a médio prazo, a obtenção de armas nucleares pelo Irã num contexto muito mais hostil onde elas teriam maior probabilidade de serem usadas ou de provocarem uma nova onda de ataques preventivos dessa vez com armamento nuclear tático.
Se Israel de fato atacar, abrirá um conflito de características militar e geograficamente assimétricas que tende a se desdobrar por um longo tempo e ter numerosos rounds. O cenário imediato previsível seria uma resposta com seus próprios foguetes de longa distância, que tendem a ser interceptados pelo arsenal antimísseis de Israel e dos EUA. Essa certamente não é a retaliação mais problemática. Outras duas o são muito mais. A tentativa de fechamento do estreito de Ormuz certamente seria imediatamente contraposta pelo imenso poder de fogo aeronaval dos EUA, mas ainda assim as minas e os mísseis terra-mar poderiam causar alguns danos à navegação e, sobretudo, uma explosão no preço do petróleo e dos seguros de frete marítimo. Só isso já é suficiente para agravar de forma aguda a crise econômica, sabotando a efêmera recuperação da economia norte-americana e empurrando a Europa mais para o buraco.
É também altamente provável que o Hezbollah (e talvez o Hamas) reiniciem a guerra dos foguetes. Israel passou por isso na segunda guerra do Líbano, em 2006. Hoje a quantidade, o alcance e a precisão desses foguetes é muito maior. O que o norte de Israel sofreu naquela ocasião se estenderá à região de Tel Aviv. A aviação israelense poderá neutralizar a maior parte dos 40 mil foguetes do Hezbollah mas o que sobrar poderá ainda alimentar meses de mísseis caindo sobre as cidades israelenses. Como represália, Israel destruirá a infraestrutura civil do Líbano numa escala ainda maior do que a imensa de 2006, criando ondas de refugiados. A aviação no entanto não será suficiente para fazer cessar os foguetes, como não o foi da outra vez, e Israel terá que atacar por terra e ocupar territórios a um preço de vidas de soldados incomensurável para uma sociedade que, paradoxalmente, preza tanto a vida dos seus. Se a Síria se juntar à guerra dos foguetes – Assad nessas alturas já não tem mais nada a perder –, o problema das cidades israelenses e da necessidade de uma sangrenta ocupação de território será multiplicado por dez. E, depois de ocupar território, Israel terá que manter esse território protegido contra guerrilhas antes de recuar de novo e se expor às levas de foguetes da guerra subsequente, no futuro.
É possível que Israel aposte que os sunitas (e parte dos cristãos marronitas) do Líbano e os sunitas da Síria aproveitem para atacar o Hezbollah e livrar-se do regime Assad. Não é um cálculo absurdo, mas historicamente ataques israelenses têm levado à união de inimigos muçulmanos contra Israel. Também não é absurdo imaginar que o regime do Irã possa se enfraquecer em relação a sua capacidade de reprimir a oposição, sobretudo se o conflito se desdobrar, envolver os EUA numa “segunda onda” de ataques, dessa vez contra a infraestrutura militar e de segurança da república islâmica. Mas o mais provável é que a própria oposição cerre fileiras com o regime contra o ataque externo ao país, inclusive porque também defende o direito do Irã de possuir armas nucleares numa paridade estratégica com Israel, Paquistão e Índia. O mesmo tende a ocorrer com os países da primavera árabe. A reação da rua, agora livre, certamente será anti-Israel e anti-ocidente.
Assistiremos a um onda de terrorismo fora da região contra alvos israelenses e norte-americanos que fatalmente provocarão vítimas na população local. As redes terroristas “adormecidas” patrocinadas pela Guarda Republicana do Irã e pelo Hezbollah são muito mais amplas, sofisticadas e perigosas que a Al Qaeda, que praticamente não dispõe de base social. A Europa certamente sofrerá muito. Os atentados de Buenos Aires, nos anos 90, são um lembrete dos perigos que correm vários países, inclusive o Brasil. Aqui temos redes importantes vinculadas ao partido xiita libanês, que evitam qualquer atentado no Brasil. Será assim sempre?
Para obter uma vantagem tática efêmera num processo onde o tempo joga contra Israel e para tentar favorecer seus aliados republicanos e prejudicar a reeleição de Obama, Netanyahu parece preparar-se para uma aventura do mais alto risco. O regime iraniano parece querer esse ataque para se consolidar internamente e desviar atenção da crise. Obama tem que escolher entre o enorme desgaste político de curto prazo ou o enorme risco estratégico, a médio e longo, de assumir a poda efêmera do programa nuclear iraniano em sua próprias mãos.
Quando ira acontecer? Uma das informações interessantes do NYT é que Israel recusa-se a dar aos norte-americanos um aviso prévio superior a uma hora de um eventual ataque, que é o prazo para uma informação que estes já teriam por conta de seus satélites capazes de detectar a decolagem de uma grande quantidade de aviões de combate de Israel que sobrevoariam na rasante a Jordânia e o Iraque. Um ataque norte-americano provavelmente aconteceria em outubro e cinicamente garantiria a reeleição, a curto prazo, e muitos problemas no futuro. Israel pode fazê-lo a qualquer momento e poderá agir “a quente” em cima de uma provocação na fronteira do Líbano, uma escaramuça com o Hezbollah, a Síria ou algum atentado contra alvo israelense fora da região. Em geral esses tipos de ataques possuem “pretextos”. Penso que, se acontecer um ataque israelense, será lançado antes de outubro.
Há alguma forma de evitar? O Irã provavelmente ainda pode evitar o ataque, sem abrir mão de seu direito a enriquecer controladamente urânio para fins não-militares, se abrir as portas a uma inspeção internacional robusta, que dê garantias de que não está atravessando a fronteira da fabricação e operação de artefatos. Fará isso? Não é a probabilidade maior porque o regime dos aiatolás parece também desejar a escalada. Quando junta a fome com a vontade de comer, sai debaixo…
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