João Capiberibe*
Encontrei Claudio, em sua granja, nas margens da BR-210, também conhecida como Perimetral Norte, a poucos quilômetros da pequena cidade de Pedra Branca do Amapari.
Aliás, essa estrada, planejada e iniciada nos tempos do Brasil do ame-o ou deixe-o, abriria uma fenda de 5 mil quilômetros no coração da Amazônia caso fosse concluída.
Iniciada em 1973, com uma grande concentração de homens e máquinas em gigantescos canteiros instalados em três pontos diferentes, separados entre si por milhares de quilômetros de floresta, um no Amapá, outro em Roraima e o terceiro no Acre, era uma loucura que não foi longe.
Mas o tamanho do estrago não foi pequeno, que o digam os povos indígenas viventes nas áreas por onde a insanidade começou.
Anos depois, conheci as duas pontas da estrada que felizmente não se uniram, a do Acre, onde passei uma temporada, e a do Amapá, onde vivo.
Causa-me arrepios, só de pensar nas consequências ambientais caso esse projeto tivesse se consumado. Se a Amazônia perdeu 17% de sua cobertura florestal sem essa estrada, com ela conclusa, essa cifra no mínimo dobraria.
Na minha volta do exílio, no início dos anos 80, acompanhei de perto o drama dos Waiãpi, na verdade do que restou deles, depois da invasão de seu território pelas máquinas vorazes e pelas doenças trazidas pelos homens da Mendes Jr., empresa contratada para executar o trecho onde eles viviam isolados do mundo selvagem dos brancos.
PublicidadeO genocídio desse povo não teve eco nos anos de chumbo, nem tão pouco na democracia. Permanece no esquecimento, assim como o dos Ianomâmis em Roraima.
Desculpem o longo interregno, mas quem vive na Amazônia não pode deixar de comentar tamanha insensatez.
Agora retomemos a visita à granja do Claudio.
Eu não estava só, compúnhamos uma intrépida trupe, que desafiando o senso comum de que política só se faz com muito dinheiro, insistíamos em levar adiante a candidatura de um jovem deputado estadual, de primeiro mandato, ao cargo de governador do Amapá, além, claro, da minha ao Senado e a de Janete, minha companheira de vida e de luta, à Câmara dos Deputados. O que sobrava de ousadia, disposição e entusiasmo faltava em dinheiro. Peregrinávamos de porta em porta, em campanha eleitoral, falando de nossos projetos e pedindo votos de confiança.
Chegamos à granja de Cláudio. Alguém abriu a porteira. Nossos carros assustaram os cabritos que pastavam nas laterais da estradinha de terra batida.
Ele nos viu de longe, largou o que estava fazendo, veio em nossa direção e antes de me cumprimentar, exclamou:
– Você é o cavalo que saiu do poço!
Confesso que me assustei. Ser chamado de cavalo na chegada não parecia uma maneira cordial de ser recebido.
Em seguida, Claudio apertou a minha mão e me abraçou. Virou-se aos demais e lhes disse:
– Um fazendeiro, depois de fazer de tudo para retirar um cavalo que caíra no poço da fazenda, desanimou e decidiu enterrar o animal ali mesmo. Com uma pá foi jogando terra dentro do poço. A terra caia no lombo do animal que se sacolejava todo fazendo deslizar a terra, ao mesmo tempo em que a pisoteava com seus cascos. Ao final, quando o fazendeiro menos esperava, o cavalo emergiu do fundo do poço. É isso aí. Você, Capi, é o cavalo que vai sair do fundo do poço nessas eleições, só que em vez de terra, seu alicerce serão os votos conscientes do povo do Amapá.
Pois olhem!
Não é que a profecia de Cláudio se concretizou, o protagonismo popular não se fez de rogado, o jovem candidato Camilo, que também é meu filho, foi eleito governador; eu, senador e sua mãe, deputada federal.
Mas, como dizia o poeta Drummond, no meio do caminho tinha uma pedra, pedregulho esse que em alguns momentos imaginei irremovível. Mas Deus não dorme, e finalmente, a norma que mudou a regra do jogo no segundo tempo da partida (Lei da Ficha Limpa), por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), não se aplicaria nas eleições de 2010, confirmando a vontade soberana e generosa do povo do Amapá, ou nas palavras de Claudio, transformando-me no cavalo que emergiu do fundo do poço.
* Ex-prefeito de Macapá, ex-governador, senador eleito no pleito de 2010 às vésperas de ser diplomado.
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