Fiquei inclinado a conceder bolsa de estudo na instituição que dirijo à jornalista Samantha Pearson, do tradicional matutino britânico Financial Times, após ler seu despeitado artigo sobre a participação da presidente Dilma Rousseff na cúpula Brasil-União Europeia, na Bélgica. A moça, definitivamente, precisa reciclar seus conhecimentos para escrever melhor e com mais coerência.
A primeira confusão do desastrado texto refere-se ao alerta de Dilma quanto à importância de se tentar combater a crise sem aprofundar a recessão, referindo-se, como exemplo, às agruras da América Latina nos anos 80, quando medidas fiscais extremamente restritivas aprofundaram a estagnação. A jornalista, porém, parecendo não entender o significado de “medidas fiscais”, retrucou: “Sim, você leu direito. O país que está listado em 152º lugar no ranking do Banco Mundial por seu desajeitado e pesado sistema de impostos está dando conselhos sobre impostos restritivos”.
Ora, a presidente, nesse ponto, não falou sobre tributos, mas a respeito do corte exagerado de investimentos públicos, serviços essenciais e salários dos servidores do Estado, como ocorre em nações europeias, sem efeito prático na contenção da crise e com agravantes recessivos. A articulista, contudo, comparou limão com laranja. O fato de ambos serem cítricos não significa que sejam a mesma fruta.
Samantha também questionou o direito da governante brasileira de fazer sugestões aos europeus, esquecendo-se de um pequeno detalhe: tratava-se de reunião formal de cúpula. Dilma não estava lá para trocar receitas de bolo com a premier alemã, Angela Merkel, mas para analisar, entre estadistas, os problemas mundiais e o intercâmbio com a Europa. Esse pressuposto e a liberdade de expressão, vigente na Inglaterra desde a Carta de João Sem-Terra (1215), legitimaram as propostas.
Além de mal-educada, foi improcedente a hipocrisia atribuída pela jornalista à presidente devido a duas questões: a defesa brasileira de combate ao protecionismo, uma semana depois da adoção do aumento do IPI sobre automóveis importados, e a compra de dólares pelo Banco Central (anterior à presente desvalorização do Real), em contraponto com a crítica a países que estariam manipulando suas moedas. Os dois casos devem ser analisados à luz do ataque ao aquecido mercado brasileiro, nem sempre com práticas comerciais civilizadas, por exportadores em busca de alternativas à queda das vendas na Europa e Estados Unidos.
Há anos, a cotação do Real favorece importações e dificulta exportações da indústria de transformação, cujo déficit na balança comercial em 2010 foi superior a US$ 70 bilhões. Assim, a tal compra de dólares nem de longe determinou a curva de cotação da moeda nacional. Portanto, o Brasil pode, sim, criticar a depreciação cambial artificial. Quanto ao IPI, realmente é uma defesa comercial, mas limitada e ínfima, por exemplo, em relação aos subsídios agrícolas de nações desenvolvidas. Ademais, é ação pontual, num contexto peculiar da economia internacional.
No final do artigo, a jornalista acabou corroborando a performance do Brasil no enfrentamento das crises, ao dizer que, “graças a um dos sistemas bancários mais sólidos do mundo, enorme capacidade de adotar medidas anticíclicas e reservas cambiais robustas, o país sente-se no direito de distribuir conselhos, ainda que excêntricos”. Ante tal arrogância, cabe uma ressalva: os indicadores são conquistas de um povo que está aprendendo a arte da sobrevivência num mundo cada vez mais complexo, no qual, aliás, o G8 não dá mais as cartas sozinho.
*Presidente da Trevisan Escola de Negócios e membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República
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