As 14 horas de guerra parlamentar na Câmara na quarta-feira passada tendem a deixar sequelas profundas na política brasileira. Uma reforma política que há dois anos era discutida na comissão presidida pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS) foi, afinal, reduzida a um pequeno casuísmo: a chamada “não portabilidade” do tempo de TV e do fundo partidário pelos parlamentares que fundem novos partidos e uma redução do tempo de propaganda eleitoral. O próximo passo será provavelmente tentar proibir as coligações nas eleições parlamentares.
Na primeira medida, a da “não portabilidade”, o problema não é ela em si. Poderia até ser razoável, em tese, ainda que haja uma legítima objeção quanto ao fato de ela fazer algum sentido no atual sistema eleitoral. Sofistas como o líder do PMDB, Eduardo Cunha, sustentam que poucos deputados se elegem por sua própria votação e que a maioria se elege pelos votos “do partido”. Contesto essa caracterização. Salvo no que diz respeito ao relativamente restrito “voto de legenda”, o grosso da votação de uma bancada parlamentar é dada pelo somatório de votos personalizados.
Leia também
Veja no Youtube a batalha parlamentar
No Brasil se vota na pessoa, raramente na legenda do partido. Toda cultura política tem essa lógica do voto individual. Vou mais longe: a maioria desses votos é clientelista-assistencialista, direta ou indiretamente comprados. Uma pequena minoria apenas constitui voto de opinião, ou voto num espírito partidário-programático.
Nesse contexto, a noção de fidelidade partidária é questionável, sobretudo quando brandida por personagens que já trocaram de partido inúmeras vezes, sempre por interesse.
A fidelidade eleitoral (inclusive com perda de mandato), a não “portabilidade”, a proibição de coligações proporcionais e, até, a cláusula de barreira seriam perfeitamente coerentes num sistema de voto proporcional por lista fechada, num voto distrital majoritário ou num sistema misto como aquele que eu defendi na dita comissão.
A razão é que nesses sistemas estar-se-ia votando, de fato, em partidos, em listas preestabelecidas, em ordem de prioridade, nas convenções dos mesmos, ou primárias de filiados, ou em nomes escolhidos para um pleito majoritário no distrito.
Por isso é duvidoso, embora não totalmente fora de propósito, o que foi aprovado pelo rolo compressor governista. O grande questionamento se dá na sua aplicação escancarada e escandalosamente casuísta.
Na atual legislatura, um partido novo, o PSD de Kassab, se beneficiou da “portabilidade” dos tempos de TV e fundo dos deputados que o formaram, por decisão do STF. A maioria governista que coloca o voto de quarta-feira como uma “resposta” àquela decisão judicial revela o tamanho de sua incoerência quando decide, simultaneamente, criar novos cargos comissionados para a bancada de Kassab na Câmara.
Ao mesmo tempo, com a campanha presidencial de 2014 prematuramente desencadeada por Dilma, decide aprovar as novas disposições para aplicá-las aos novos partidos que estão se formando neste momento, sem esperar, como seria justo, o próximo período pós-eleitoral para fazê-lo, evitando um escandaloso casuísmo. Um destaque de Ronaldo Caiado (DEM-GO) reduziu mais ainda o tempo de TV dos novos partidos, mas também de todos os pequenos e médios (alguns dos quais nem perceberam).
Vários colegas me confessaram com total naturalidade que o objetivo era mesmo prejudicar a Rede de Marina Silva, a Solidariedade que Paulinho da Força Sindical quer formar e a fusão PPS-PMN que resulta no MD. Por outro lado a imprensa noticiou telefonemas da ministra Ideli Salvatti aos líderes partidários, alguns dos quais – como Anthony Garotinho – mudaram de posição no decorrer do processo. Temos hoje um quadro completo do casuísmo, diretamente patrocinado pelo Palácio do Planalto.
Aproximadamente 15 deputados do PT, inclusive Henrique Fontana, ausentaram-se do plenário para não votar o casuísmo que enterrou a reforma política. Evitaram entrar nesse jogo político truculento na companhia do PMDB, PCdoB e DEM, entre outros, inclusive o cínico PSD de Kassab. Mas permaneceram calados.
A principal consequência política foi forçar a aproximação de quem foi contra. Embora seja altamente improvável qualquer composição de primeiro turno entre Marina Silva, Eduardo Campos e Aécio Neves, em relação a um eventual segundo pode-se dizer que a mãe do PT subiu no telhado.
Veja ainda:
A decisão da Câmara que dificultará a formação de novos partidos
Matérias e artigos sobre reforma política
Outros textos de colunistas
Curta o Congresso em Foco no Facebook
Siga o Congresso em Foco no Twitter
Deixe um comentário