Não há como negar que vivemos tempos confusos. No tsunami em que se transformaram as investigações da Lava Jato, os números são maiúsculos: até esta semana em que completou 500 dias, foram 600 procedimentos de investigação instaurados, envolvendo 494 pessoas e empresas, e nada menos que 94 mandados de prisão expedidos. E as acusações e suspeitos têm chegado cada vez mais perto da cúpula do governo federal.
Mas este não é o único problema que a presidente Dilma e seus mais próximos colaboradores precisam resolver. Temos também as agora famosas “pedaladas fiscais”, que vieram jogar os holofotes sobre o TCU – Tribunal de Contas da União, responsável por avaliar a legalidade das contas do governo federal, ano a ano. Como se sabe, para fechar o ano de 2014, o governo federal usou do caixa dos bancos estatais, o que é terminantemente proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O que estes dois problemas têm em comum? O fato de que pesam suspeitas graves de que o advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do TCU, Aroldo Cedraz, vem se beneficiando de seu parentesco para obter pareceres favoráveis a seus clientes. Sem falar na acusação de ter recebido propina de um empreiteiro.
Diante disso tudo, o que faz o TCU e seu presidente? Quase nada. Nas vésperas de julgar as contas do governo federal, nem Aroldo Cedraz se declara impedido, nem o resto do colegiado se movimenta para que isso aconteça. O que, na hipótese mais otimista, leva a crer que a distância entre o colegiado da corte de contas, de caráter eminentemente político, e o TCU, como instituição de auditoria de contas públicas, é cada vez maior.
Para variar, a questão vai além da fria legalidade. Com que moral o presidente de um tribunal de contas pode julgar os números de um governo acusado de beneficiar ilicitamente seu próprio filho? Com certeza, a questão é de moralidade pública, coisa muito bem compreendida em sociedades onde a cultura de cidadania é mais evoluída.
Só para citar um exemplo recente, pego em artifícios contábeis para inflar o balanço de sua empresa, o diretor-presidente da Toshiba, Hisao Tanaka, além de um pedido público de desculpas, renunciou ao cargo. E, em outro caso de renúncia por questão de moralidade pública, semana passada um membro da Câmara dos Lordes inglesa, John Sewel, declinou do cargo após o vazamento de um vídeo seu na companhia de prostitutas e consumindo drogas. Tudo em nome da reputação das instituições às quais pertenciam.
É imperativo que o presidente do TCU aceite a instauração de um procedimento interno de corregedoria contra seu filho e, não apenas isso, mas também se declare impedido de presidir a corte. Sem isso, estarão desmoralizando o julgamento das pedaladas, o que é o mesmo que dizer que desmoralizam toda a instituição.
Seria um ato de dignidade para com a instituição à qual serve e para com os cidadãos. Se, mais tarde, nada for comprovado, que volte à função. Mas não neste momento. Vale lembrar que a dignidade tem papel importante na Constituição Cidadã de 1988. Logo em seu Artigo 1º, inciso III, afirma-se que um dos fundamentos da República é “a dignidade da pessoa humana“. Simples assim.
Repetimos: este é um comportamento digno de qualquer um, mas em especial de ocupantes de cargos públicos. Imaginem que um gestor público, ao longo de seu mandato, cause – ativamente, por omissão ou negligência – o desastre socioeconômico que vivemos hoje no Brasil. O que teria feito o seu congênere japonês? Ou um primeiro-ministro britânico? Teria balbuciado desculpas esfarrapadas de que a conta é de uma imaginária crise internacional ou feito um claro mea culpa em rede nacional e se afastado até que tudo se esclareça?
Agora que a Lava Jato também está chegando cada vez mais perto de um ex-presidente da República, useiro e vezeiro em responsabilizar outros pelas suas falhas, com mais razão ainda ele deveria se pronunciar. E pedir desculpas de público é o mínimo que esperamos.
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