Em outubro deste ano, a “Constituição feminina e cidadã”, como a tratou Ulysses Guimarães em 1988, completará 24 anos. As novas gerações não viveram o processo constituinte concluído naquele ano, com mobilizações em todo o país por bandeiras que a sociedade queria ver inseridas no texto constitucional, em especial por avanços em educação, saúde, cultura, reforma agrária e direitos humanos.
Na saúde, as normas aprovadas e posteriormente reformuladas por diversas emendas constitucionais foram claras, como no tocante ao financiamento e sua presença na seguridade social, considerada um conjunto integrado de ações, de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (artigo 194). Antes, porém, no artigo 165, parágrafo 5º, inciso III , definiu-se que o orçamento da seguridade social integra a lei orçamentária anual, como também a integram os orçamentos fiscal e de investimentos das empresas estatais.
Mais adiante, a CF de 1988 normatizou, no artigo 195, parágrafo 2º, que esse orçamento será elaborado de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei das Diretrizes Orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. No artigo 198, p. 1º, garantiu-se que sistema único de saúde será financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
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Assim sendo por que a saúde agoniza há anos, sendo foco de medidas tributárias específicas (como foi a CPMF) que vem e que vão, de novas propostas, como a da Contribuição Social para a Saúde e de vetos à regulamentação de seu financiamento, como ocorreu ano passado?
Relatório de 2011, da Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Anfip) revelou que em 2010 a seguridade recolheu R$ 458,6 bilhões, dos quais R$ 211,9 bilhões como receitas previdenciárias, fechando o ano com superávit de R$ 58,10 bilhões (após realizar os gastos da saúde, da previdência e da assistência social de sua responsabilidade). Por que tal superávit não foi reinvestido na saúde, nos termos do artigo 198 da CF de 1988? Porque o governo atual, como os de FHC e Lula, manteve sobre as receitas da seguridade a desvinculação das receitas da união (DRU), por mais quatro anos, até dezembro de 2015. A DRU permite ao governo usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas e tem como principal fonte as contribuições sociais, que responderam por 90% de sua arrecadação em 2010 (R$ 47 bilhões). A DRU desvia a aplicação de recursos próprios pelo orçamento da seguridade (R$ 228 bilhões de 2005 a 2010) transferindo-os para a engorda do superávit primário, para o pagamento dos juros da dívida pública. Em 2011, pelo Relatório de maio de 2012 da Anfip, a seguridade teve superávit de R$ 73 bilhões. Por que o governo não transfere esse montante para reforçar o SUS (o orçamento federal da saúde foi de R$ 77 bilhões em 2011), novamente nos termos do artigo 198 da CF?
É vergonhoso que se desviem recursos da seguridade em nome da sustentabilidade da relação dívida/PIB e dos interesses dos credores. Quer o governo fazê-lo, que tribute quem tem mais para tais fins, que volte a taxar com Imposto de Renda o pagamento de juros remuneratórios sobre o capital próprio, isento desde 2002. Por que não taxa a remessa lucros ao exterior, por que não aprova o imposto sobre grandes fortunas, previsto no artigo 153, parágrafo 7º. da CF? Por que não reduz as benesses fiscais às empresas, estimadas esse ano em R$ 145,97 bilhões, em vez de desviar dinheiro da seguridade e da saúde, autêntica hemorragia no seu financiamento?
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