Amigos, recentemente o mundo dos concursos obteve mais uma importante vitória na Justiça brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de Repercussão Geral do tema tratado no Recurso Extraordinário (RE) 724.347. No processo, discute-se se candidatos aprovados em concurso público têm direito a indenização por danos materiais em face da demora na nomeação, efetivada apenas depois do trânsito em julgado de decisão judicial que tenha reconhecido o direito à investidura no cargo. No recurso, a União questiona se, em situações como essa, o Estado pode ser responsabilizado civilmente.
O julgamento ocorreu em meados deste mês, e o assunto mereceu amplo espaço na imprensa, com toda a razão. Eu não poderia deixar de tratar do tema nesta coluna, diante da importância dele, ainda maior porque a decisão da Corte será fundamental para o julgamento de casos semelhantes no futuro. Sem dúvida alguma, muitos candidatos aprovados em seleções diversas por todo o país enfrentam constrangimento semelhante ao da parte envolvida no recurso extraordinário julgado pelo STF. Agora, todos eles poderão recorrer à Justiça para se ressarcir dos prejuízos morais e materiais causados por injustificada demora em sua nomeação e posse no cargo para o qual foram aprovados.
Mas o que é a Repercussão Geral de uma decisão do STF, e por que o reconhecimento dela nesse processo me deixa tão satisfeito? Explico: Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988 por meio da Emenda Constitucional nº 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo da ferramenta é permitir que o Supremo Tribunal Federal selecione os recursos extraordinários que vai analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. A aplicação desse “filtro recursal” resulta em diminuição do número de processos em trâmite na Suprema Corte e evita o notório crescimento do volume de feitos a ela encaminhados nos últimos tempos.
Uma vez constatada a existência de Repercussão Geral de um dado tema, o STF analisa o mérito da questão. A decisão proveniente dessa análise é posteriormente aplicada pelas instâncias inferiores, em casos idênticos, obrigatoriamente. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, por meio de sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Trata-se do chamado Plenário Virtual.
Foi o Plenário Virtual que examinou o RE 724.347, originário da Justiça Federal de Brasília. Para recusar a análise de um recurso extraordinário, são necessários votos de pelo menos oito dos 11 ministros do STF. Se o número não for alcançado, o tema deve ser julgado pela Corte, não mais virtualmente, mas em sessão normal do Plenário. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar.
As abstenções nessa votação são consideradas favoráveis ao reconhecimento de Repercussão Geral na matéria. E aí está uma curiosidade do julgamento: logo no início dele, foi suscitada preliminar sobre a constitucionalidade do tema. O Tribunal, por maioria, reputou a questão constitucional. Foi voto vencido o ministro Luiz Fux, e não se manifestaram os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Roberto Barroso. Ou seja, estes seis foram considerados votos favoráveis à matéria. Já a decisão sobre a Repercussão Geral do julgamento foi tomada por unanimidade pelo Plenário Virtual.
Reconhecida a Repercussão Geral do tema, agora os ministros da Suprema Corte partem para a análise do direito à indenização por demora na nomeação. Enquanto a matéria não é examinada, os recursos com o mesmo tema ficam sobrestados (suspensos), até ser explicitado o entendimento do STF. Se houver decisão sobre eles no mesmo sentido do STF, os recursos estão prejudicados; se houver decisão em sentido contrário, será realizado juízo de retratação.
Agora que já estamos bem esclarecidos sobre a Repercussão Geral desse julgamento, vamos ao caso, que, como eu disse, teve origem em recurso extraordinário levado ao Supremo após julgamento no TRF 1 – Tribunal Regional Federal da 1ª Região –, que tem jurisdição em Brasília, onde está sediado, em Goiás e em Tocantins. No recurso, a União questiona se, em situações em que há demora na nomeação de candidato aprovado em concurso público, o Estado pode ser responsabilizado civilmente.
O recurso extraordinário foi interposto ao Supremo pela Advocacia-Geral da União, após acórdão do TRF-1 ter reconhecido o direito de candidatos aprovados em concurso público a indenização por danos materiais, em decorrência da demora na nomeação determinada judicialmente. Para o TRF-1, a indenização deveria equivaler aos valores das remunerações correspondentes aos cargos em questão, no período compreendido entre a data em que os interessados deveriam ter sido nomeados e a posse efetiva, descontados rendimentos eventualmente recebidos, durante esse período, em razão do exercício de outro cargo público inacumulável ou de atividade privada.
No recurso extraordinário apresentado ao STF, a União sustenta que é imprescindível o efetivo exercício do cargo para que um candidato tenha direito a receber a retribuição pecuniária. De outra forma, segundo alega a União, haveria enriquecimento sem causa.
Para o relator do caso, ministro Marco Aurélio, a situação jurídica discutida no processo pode repercutir em inúmeros casos. No entender do magistrado, é preciso definir, sob o ângulo constitucional, o direito à nomeação, uma vez aprovado o candidato em concurso público, e as consequências da demora diante de um ato judicial que reconhece o direito à investidura.
É importante ressaltar que decisões anteriores do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio Supremo já reconheceram o direito à nomeação de candidatos aprovados dentro do número de vagas estipulado pelo edital do concurso. Assim, tudo leva a crer que a decisão final do STF nesse processo seja na mesma linha. Em outras palavras, é provável que a União seja condenada a indenizar candidatos prejudicados pela demora na nomeação para o cargo em que obtiveram aprovação. Como bem disse o ministro Marco Aurélio, a decisão final do Supremo balizará inúmeros casos pela via da Repercussão Geral e servirá também para definir, com base na interpretação da Constituição, o direito de candidato aprovado em concurso público ser nomeado e assumir o cargo sem protelações.
Essa é a decisão que todos nós esperamos venha a ser adotada pelos ministros do STF no julgamento do mérito do RE 724.347. É a nossa expectativa para que se faça justiça, de modo que os candidatos prejudicados por injustificável demora em sua nomeação possam, finalmente, assumir o seu feliz cargo novo!
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