Em Brasília, se costumava dizer que o melhor hospital da capital era a ponte aérea. Esta “certeza popular”, que os governantes juravam ser injusta, ganhara força com a morte de Tancredo Neves, momentos antes de ser empossado presidente do Brasil. Mas como em várias cidades do Brasil não existem aeroportos, a experiente voz do povo passou a acreditar em outra conclusão igualmente trágica: o melhor hospital da cidade é a ambulância.
E não é preciso cair doente para comprovar a veracidade da afirmação. Basta circular por alguma rodovia brasileira e contar quantas vezes você foi ultrapassado por um desses hospitais-ambulantes. Caso não fique ainda convencido, outra opção é visitar os hospitais-fixos dos grandes centros e observar o ir e vir das ambulâncias. Querendo mais comodidade na pesquisa, então leia alguns dos jornais locais e observe que faltarão ambulâncias servindo de leito, exibidas nas propagandas governamentais como feitos administrativos extraordinários ou mesmo personagens principais de escândalos com verbas públicas.
A conclusão não pode ser outra, nascer carente de hospital no Brasil tem se transformado em um parto complicado. Até parece que o angelical substantivo “parto” foi substituído pelo verbo “partir”. “Partir” em uma ambulância para um grande centro hospitalar. Aliás, neste contexto, “ficar” é verbo que não mais se conjuga na área de saúde, salvo na gostosa versão dos jovens quando saem à noite em busca de uma paquera que acalente o gostar.
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Infelizmente, controlar o acesso ao leito móvel ainda rende bons votos, “sem gastos excessivos”. E em termos eleitorais, as ambulâncias cumprem as mesmas necessidades dos “caros” hospitais e maternidades. As mesmas não! Elas cumprem melhor, pois os hospitais e maternidades públicos têm o “grave defeito” da impessoalidade no recebimento, tratamento dos pacientes ou mesmo no descaso coletivo.
Com as ambulâncias-hospitais, relações são mais pessoais e “proveitosas”. É o administrador público quem escolhe o “beneficiado”. E aí o favor, sem qualquer louvor, é transformado em voto para o “benfeitor”. E pouco se pode fazer em contestação, vez que a pouca disponibilidade do leito-móvel serve sempre como boa desculpa para afastar o pretendente inconveniente ou uma fiscalização mais determinada. E há outras “vantagens”. As ambulâncias-hospitais, por exemplo, também podem servir para abrigar “eleitores não pacientes”. É que as ambulâncias ainda podem ser convertidas em “eficientes” veículos de transporte público ou – em alguns casos – em providencial cama que se transforma em um cobiçado leito amoroso.
Se o futuro na área de saúde ainda é incerto, o que dizer do diagnóstico? Será correto o laudo que diz ser a ausência de “reais” o principal agente causador da doença? E se verdadeira a resposta, por que não se curar o paciente fornecendo o remédio receitado como essencial?
Como de médico e louco todos têm um pouco, ouso aqui fazer o meu diagnóstico. Mas de logo advirto acreditar que os “reais” motivos são outros. Os sinais e sintomas que percebo não guardam muita relação com o aspecto financeiro, embora não menospreze este componente no “conjunto da obra defeituosa”. Não posso esquecer que vários destes hospitais inativos receberam recursos financeiros e tecnológicos para que funcionassem a contento. Todos lembram que nessas unidades hospitalares os caros aparelhos médicos recebidos estão abandonados ou nunca foram usados. Os profissionais da área da saúde sabem que um motorista especializado em dirigir ambulâncias continua valendo mais do que um médico gabaritado.
Com esse quadro clínico desfavorável, somente posso concluir que o mal hospitalar é de natureza política. Penso que a ambulância-hospital é um forte exemplo de política assistencialista que sempre caracterizou o patrimonialismo brasileiro. E enquanto for “vantajosa” essa eutanásia social, as ambulâncias serão os melhores hospitais das cidades brasileiras. Ainda mais quando são eficazes transportes para a corrupção, esta sim uma paciente persistente e quase incurável.
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