Em janeiro, escrevi sobre os riscos de uma guerra no Oriente Médio, em 2012, desencadeada por um ataque israelense às instalações nucleares do Irã. O perigo pareceu retroceder um pouco com uma forte pressão de bastidores da administração Obama, ainda que a um preço muito caro: o compromisso de uma ação norte-americana futura caso o Irã estivesse de fato prestes a dotar-se de arma nuclear. Em termos oficiais, essa posição explicitou-se no anúncio de que os EUA não considerariam mais uma estratégia de “contenção” a um Irã nuclear nos moldes da Guerra Fria ou da sua atual postura em relação à Coreia do Norte, um regime pior do que o do Irã, que dotou-se de armas nucleares sem no entanto desencadear uma ação militar preventiva. Para muitos analistas dentre os mais lúcidos, essa exclusão, a priori, de uma estratégia de contenção foi um grande erro. Colocou os EUA no risco de uma situação futura de ter que obrigatoriamente bombardear para não se desmoralizar mesmo sabendo que não conseguirá impedir duradouramente o Irã de construir a bomba.
Uma série de dados tornam esse tipo de compromisso altamente problemático. Há uma predominância entre os analistas mais lúcidos, inclusive israelenses, de que o Irã ainda não decidiu, de fato, enriquecer urânio a 90% e partir para a montagem de um artefato. Por outro lado, há um consenso bastante amplo de que um ataque, mesmo com os meios superiores de que dispõem os EUA, não impediria o Irã de se dotar de armas nucleares num futuro não muito distante e numa situação de radicalização muito pior. Analistas veteranos da inteligência israelenses calculam que um ataque adiaria o advento da bomba iraniana por dois ou três anos. Por outro lado vislumbra-se um campo de acordo possível que seria o Irã renunciar ao enriquecimento do urânio, num nível superior ao da sua utilização para fins energéticos, ser abastecido de urânio enriquecido a 20% para utilização médica por um acordo internacional e aceitar um grau de inspeção internacional mais robusto. Mas em contrapartida o Irã deveria receber algum tipo de concessão política em relação às sanções econômicas atuais e contenciosos anteriores. É previsível também que em algum momento tenha que haver uma negociação sobre a desnuclearização da região como um todo, na qual o arsenal nuclear de Israel seja oficialmente colocado sobre a mesa e discutido. Ora, a administração Obama, premida pela dinâmica da campanha eleitoral, nunca explicitou sua disponibilidade para aceitar alguma contrapartida que permita ao regime islâmico “salvar a cara”, algo fundamental em sua cultura. É implausível que a crise termine simplesmente por uma rendição dos aiatolás com o rabinho entra as pernas.
Ocorre, no entanto, que a dupla Netanyahu-Ehud Barak, ponta de lança política dessa estratégia de beira de abismo, não aceita sequer essa posição norte-americana bastante temerária. Quer mais. Netanyahu já estabeleceu um clara distinção. Enquanto os norte-americanos tencionam impedir o Irã de efetivamente construir artefatos operacionais, Netanyahu considera inaceitável que o Irã alcance sequer uma presumida capacidade potencial para tanto, como hoje diversos países possuem, inclusive o Brasil. Isso coloca a ameaça de ataque numa contingência onde não é mais preciso que o Irã seja flagrado, enriquecendo urânio a 90% e armando a bomba para justificar um ataque preventivo. Basta o Irã atingir o limiar de um patamar onde se estime que esteja por adquirir o conhecimento cientifico, técnico e os materiais necessários para tanto e que esteja colocando algumas de suas centrífugas de enriquecimento de urânio em instalações subterrâneas de difícil destruição mediante ataques convencionais, para motivar um ataque preventivo. É precisamente onde estamos.
A recente visita do candidato republicano à Casa Branca, Mitt Romney, com suas gafes seriais, também reforçou bastante o risco de um ataque israelense que teria como “efeito colateral” provocar uma brutal aumento do preço do petróleo, reverter a efêmera e tênue recuperação econômica norte-americana, ferrar de vez com a zona do euro e, com isso, eventualmente, aumentar as chances de Romney reverter o quadro eleitoral que lhe é desfavorável neste momento. Netanyuahu é um velho amigo do candidato republicano. Em sua visita, Romney consagrou uma postura inédita mesmo nas administrações republicanas de Reagan, Bush pai e Bush filho: colocou os EUA a reboque da política mais extremada de Israel, tanto em relação ao Irã como aos assentamentos na Cisjordânia que estão no limiar de inviabilizar definitivamente a solução de dois estados a privar os palestinos de qualquer território com um mínimo de coerência e contiguidade para poder implantar o seu.
Romney não só aceitou a tese de que o ponto crítico seja a mera “capacidade” nuclear com todo a grau de incerteza e margem de erro que isso implica – como no caso do Iraque com o suposto mas inexistente arsenal de destruição massiva de Saddam Hussein – como também sustentou claramente que os EUA deveriam abrir mão de qualquer crítica à ampliação voraz e incessante dos assentamentos, algo que nenhum presidente norte-americano democrata ou republicano jamais aceitou por mais pró-israelense que fosse.
Nesse contexto e apesar de uma forte oposição interna – inclusive do chefe do estado maior israelense, general Benny Ganz, dos antigos chefes do Mossad e do Sin Beth e de parte de seu próprio gabinete de direita e extrema-direita – a dupla sinistra Netanyahu-Barak parece disposta a cometer o desatino. Barak calcula que não mais de 300 israelenses morreriam nas represálias do Irã e do Hezbollah e que Obama seria obrigado a entrar na roda desobstruindo o Estreito de Hormuz, que o Irã ameaça fechar, e complementar o serviço contra as instalações nucleares iranianas, sob pena de se arriscar a perder as eleições.
A situação da Síria com a guerra civil entre a maioria sunita e o regime aliado do Irã e o do Hizbollah, em grande dificuldade, criaria um contexto tático ainda mais favorável. Sem falar na possível repercussão, boa para Romney nas eleições, do preço da gasolina atingir patamares inéditos nas últimas semanas do governo Obama. Tudo isso soa muito como o sonho de uma noite de verão de dois governantes irresponsáveis e simplistas. A carreira política de Barak é marcada por esses crassos erros de cálculo embora ele se considere um gênio estratégico. Netanyahu é tradicionalmente mais cauteloso em questões militares, mas parece possuído de impulso messiânico. Acredita que o enfraquecido e politicamente decadente Ahmadinedjad é um novo Hitler e que precisa agir para prevenir o novo holocausto.
Pode ser que não aconteça o ataque, mas há uma considerável probabilidade dele ocorrer entre a segunda quinzena de agosto e o início de novembro. Ironicamente, em troca de adiar o advento por uns dois ou três anos, Israel poderá levar o Irã a de fato construir a bomba que neste momento pode eventualmente ainda não ter decidido… Criará um contencioso histórico duradouro com um país orgulhoso de mais de 70 milhões de habitantes que, historicamente, não é um inimigo de Israel e já foi seu aliado no passado. Os iranianos, tanto simpatizantes como de oposição ao regime dos aiatolás, se consideram uma potência regional, milenar, herdeira do império persa, com o direito natural a uma paridade em relação às mais importantes nações da região – Índia, Paquistão e Israel –, que já possuem armamento nuclear. O mais provável é que um ataque fortaleça politicamente o regime xiita islâmico. E certamente galvanizará contra si as populações e governos da “primavera árabe” e mesmo os regimes árabes mais hostis ao Irã.
As consequências de desestabilização da economia mundial, aumento da insegurança, terrorismo internacional e radicalização do processo chamado de “primavera árabe” num rumo ainda mais hostil em relação a Israel e ao ocidente, de tabela, é uma consequência praticamente certa. Mas a dinâmica aventureira do governo de direita e extrema-direita de Israel associado aos republicanos de Romney parece impossivel de deter neste momento. Netanyahu domina o quadro político israelense, está confiante que não há força política capaz de se contrapor a ele numa sociedeade que se direitiza cada vez mais e onde a esquerda foi politicamente destruida pelo erro tremendo palestino da segunda intifada.
Bibi Netanyahu percebe que, pelo menos até novembro, Obama é seu refém, mas que, reeleito, poderá fazê-lo pagar caro pelas humilhações que lhe infligiu mobilizando contra ele o poderoso lobby da AIPAC e o Congresso que o mesmo influencia enormemente. Obama, reeleito, será um problema político sério para Bibi. Mesmo que mantenha uma linha dura em relação ao Irã provavelmente vai querer novamente deter a expansão dos assentamentos na Cisjordânia para não se isolar politicamente ainda mais do mundo árabe e islâmico. Provavelmente fará alguns gestos em relação aos palestinos. Poderá até condicionar ações em relação ao Irã a uma mudança de comportamento israelense para com os palestinos e tentar impor uma solução de paz equilibrada, na linha da Iniciativa de Genebra ou dos Parâmetros Clinton. Depois de interferir como nenhum governante israelense, até hoje, na política interna norte-americana, Bibi pode esperar o troco do frio calculista Barack Obama caso reeleito.
Por tudo isso está aberta um sinistra janela de oportunidade em que mais um atentado do tipo ocorrido na Bulgária, um incidente no sul do Líbano ou mesmo um informe novo sobre a suposta “capacidade nuclear” iraniana poderá servir de pretexto. Ou pode haver um ataque surpresa, a frio, sem novo pretexto algum. Entramos num período de altíssimo risco, até novembro.
Atacará? Não atacará? Só Deus sabe…
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