As pesquisas de opinião pública apontam o governante plantonista instalado no Palácio do Planalto como o mais impopular da História do Brasil. E não é sem razão o desapreço ao presidente que inaugurou o processo criminal no STF, agora suspenso em razão da cumplicidade de 263 deputados federais, de cerca de R$ 3,6 bilhões em liberação de emendas parlamentares e com o perdão das eternas e lucrativas dívidas de ruralistas. Afinal, a chamada “Era Temer” expõe, sem despudor ou máscara, a quadra do tempo em que o direito ao trabalho ficou desempregado e sem qualquer proteção, a estação pontual em que o patrimônio nacional foi vendido a preço vil, a linha cronológica em que a máquina estatal não poupou esforços para fortalecer o poder econômico, a ocasião em que a imagem do Brasil foi descascada como banana e o período em que a parte social da Constituição Federal hibernará por vinte anos.
Mas a questão mais intrigante decorre de um fenômeno ainda não avaliado pelas pesquisas. Como explicar a dissintonia entre o clamor popular e a quase invisível reação à consolidação da temerosa política imposta pelo rejeitado governante? O que dizer deste surpreendente “silêncio ensurdecedor”? Como explicar a inércia que se espalha em surto contaminante, deixando como sintoma visível a palidez envergonhada das bochechas que se maquiavam de pudor e amor cívico pelo Brasil? Como entender a repentina rouquidão das ruidosas vozes que vociferavam contra a corrupção? Como compreender a mancha de bolor amarelado grudada em cada amassada panela que agora dormita nos escuros armários da acomodação? Como aceitar a repristinação, sem reação, da velha frase do ministro da ditadura Jarbas Passarinho: “Às favas todos os escrúpulos de consciência”?
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E da epidemia paralisante sequer escapam os que estão sendo devorados pela insaciável máquina governista de triturar direitos fundamentais à pessoa humana. Nela também anestesiados os velhos marujos que ousavam cantarolar canções que nos faziam sonhar um dia aportar no paraíso da igualdade, onde todos estariam vivendo livres na relva da solidariedade. A impressão que se tem é a de que todos assinaram um sinistro “pacto de espera para o ano que vem”. Diferentemente do inquebrantável “Contrato Social” proposto pelo suíço Jean-Jacques Rousseau, parece que a cidadania brasileira “concordou”, tacitamente, com a suspensão temporal do constitucional “compromisso republicano” até as eleições de outubro de 2018.
O problema da filosofia tupiniquim inspirada no showman Araquém decorre do próprio conteúdo do “esperar o ano que vem”. É que a possibilidade de simplesmente apressar o avançar da vida não se faz através do uso contínuo de um “fio mágico”, em que, puxando-o, cada etapa angustiante da história é pulada para infinitas outras etapas, até que se encontre a ocasião ideal para pousar, como nos advertiu William J. Bennett, em seu imperdível O Livro das virtudes. Tampouco os problemas de uma nação podem ser resolvidos através de um fugaz “click” de um controle remoto, em que os dias e os anos saltam para vários futuros, apagando da memória o passado não querido, como já exposto na tela-grande pelo cineasta pelo Frank Coraci.
A realidade quando entra em cena não escolhe momentos, personagens, sabores ou gostos segundo as vontades de cada pessoa, grupo, coletividade ou povo. O mundo factível não é construído através de feitiços ou ficções escritas para acalmar corações agoniados e desesperançados com o “hoje”. O mundo histórico sabe que a “sangria não estancada” em tempo hábil pode matar um país, subjugar o seu povo a um senhorio implacável ou postergar o desenvolvimento de ambos. Ele sabe, também, que o “amanhã” depende umbilicalmente dos atos, dos gestos, das vozes, das ações, das manifestações e de todos os meios de resistência praticados no “hoje”. E que não há magia capaz de ressuscitar o tempo que ficou para trás.
Para o Brasil que vive o “agora”, não se espera mudança significativa ou alteração de consciência na nefasta trajetória da política em curso. Continuar-se-á praticando troca de favores subterrâneos e não republicanos, privatizar-se-á a coisa pública, violar-se-á direitos essenciais, extinguir-se-á universidades e vagas educacionais, atacar-se-á a perspectiva de uma aposentadoria decente e transformar-se-á o social em moeda negocial. Manter-se-á, ainda, a proteção aos banqueiros, aos industriais, aos empregadores, aos ruralistas e, sobretudo, ao capital internacional. E, neste mundo de mesóclises e maldades irreversíveis, perguntar-se-á em 2018 aos que nada fizeram: é este o Brasil que você sonhou quando puxou e fez avançar, inerte, o fio mágico de sua vida?
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