Marcos Magalhães*
Marina vai às urnas para escolher quem vai ocupar a Casa Rosada. Ela é jovem, bonita, pouco sorri e muito trabalha. É apaixonada pelo tango e batalhou um lugar em uma orquestra de jovens talentos, que anima bailes pelos bairros de Buenos Aires. Não foi fácil. Tinha um antigo instrumento, que tocava pelos ônibus para sobreviver. Juntou dinheiro, comprou outro e agora trabalha no que gosta. Personagem principal do filme O Último Bandoneón, Marina é uma argentina que se recusou a desistir.
Rodado em 2005, quando o país já emitia sinais de recuperação econômica, o filme – que começa a ser exibido no Brasil – é o retrato de um país que tenta reencontrar seu caminho. Deixa de lado as fortes denúncias políticas comuns em outras obras recentes. Não fala de militares, de Ménem, das privatizações ou da corrupção. Conta apenas a história de Marina, essa moça triste e pobre que corre atrás de um bandoneón para poder tocar em uma orquestra de tango.
Como votaria Marina? Um olhar estrangeiro sobre a Argentina de hoje revelaria uma surpreendente falta de opções para um país que conta com tamanha tradição cultural e política. Neste domingo (28) estará na cédula o nome de Elisa Carrió, advogada de centro-esquerda e principal nome da oposição. Também estará o antigo ministro da Economia Roberto Lavagna, um dos principais responsáveis pela recuperação do país. E haverá ali ainda o nome da grande favorita, Cristina Kirchner – esposa de Nestor, o atual presidente que se consolidou como principal liderança política nos últimos anos.
Todos esses nomes já são velhos conhecidos dos argentinos, que ainda não conseguiram erguer uma solução alternativa e moderna ao peronismo. Os problemas que o novo governo terá pela frente são igualmente antigos. O principal deles é a ameaça de retorno da inflação. Outra questão em jogo é a própria credibilidade dos índices divulgados pelo governo sobre o comportamento da economia. Além disso, há sinais de que os investimentos começam a ficar mais escassos.
O atual governo procura tranqüilizar a sociedade, dizendo que a inflação ficará em apenas um dígito, ou seja, não quebrará a barreira psicológica dos 10% – muito sensível em um país que já experimentou a hiperinflação. Para isso, não hesita em montar acordos com supermercados para congelar preços, ao velho estilo do Plano Cruzado. Mas pouca gente confia nos índices divulgados. A inflação real já estaria, segundo cálculos independentes, entre 15% e 16%.
Se o fantasma da inflação já assusta, os riscos de maior intervenção governamental na economia também começam a afastar potenciais investidores no país, temerosos, principalmente, da falta de regras estáveis. Com isso, fica ameaçada a continuidade da recuperação econômica argentina. Até aqui, foi tudo muito bem. O país vem crescendo a quase 9% ao ano, o desemprego caiu de 22% para 7% e a quantidade de pessoas vivendo na pobreza nos últimos cinco anos foi reduzida pela metade.
O país que experimentou uma crise econômica e política tão grave como a que retirou do poder o então presidente Fernando de la Rúa, em 2001, ainda está curando suas feridas. Os argentinos apreciam a retomada do crescimento e voltam a se divertir nas ruas, mas sabem que ainda há um longo caminho para assegurar vida mais longa à prosperidade recente. Essa tímida confiança deve garantir a permanência dos Kirchner na Casa Rosada por um novo mandato. Quem sabe até inaugure uma dinastia, se Nestor resolver se candidatar em 2011.
Tudo isso passará na mente de Marina, na hora do voto. Ela talvez pouco se lembre das manifestações que tomaram as ruas de Buenos Aires há seis anos. Mas certamente também não sabe o que é viver em um país rico como já foi a Argentina. O atual cenário do país se desenha na tela ao longo de sua busca.
PublicidadeEnquanto procura um bandoneón que lhe permitiria ingressar na orquestra, ela se depara com a falta de instrumentos no mercado e com uma legião de velhos artesãos que buscam reconstruir antigas obras de arte. Depois de vender o instrumento usado e poupar bastante, acaba adquirindo em um leilão o seu Doble A, conhecido como o Stradivarius dos bandoneóns. Ela abre um tímido sorriso. E o velho tango ganha ali uma jovem entusiasta de sua melancolia.
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