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De 1600 para cá, 60 milhões de imigrantes cruzaram as fronteiras dos Estados Unidos da América do Norte, criando um país multi-étnico sem paralelo na história do mundo. Boa parte dessa história está contada no Museu da Imigração em Ellis Island, uma pequena ilha ao lado da Estátua da Liberdade, em Nova York. Publicidade
Aqui na América, museu é sempre cheio de vida e, na maioria das vezes, uma viagem nos túneis do tempo. O museu de Ellis Island não foge à regra. A ilha era a primeira parada para os imigrantes que vinham em busca do sonho americano. Nova York funcionava como a porta de entrada para esse sonho. De 1892 a 1954, 12 milhões de imigrantes passaram pela triagem do governo em Ellis Island. Os aventureiros chegavam pelo mar, em grandes navios. Os passageiros da primeira e segunda classe não passavam pela triagem, só os da terceira classe, que viajavam nos porões em condições pra lá de insalubres. Se a visão de Lady Liberty representava a esperança, Ellis Island era a dura realidade, tanto é que ficou conhecida como “a ilha das lágrimas”. Publicidade Além de ter sido o principal centro de imigração do país, Ellis Island serviu como prisão durante alguns períodos, especialmente na época da II Grande Guerra. Em 1946 ainda abrigava 7000 prisioneiros, na maioria, alemães, italianos e japoneses, os inimigos. Em 1954 o centro de detenção foi desativado e o último prisioneiro, libertado. Em 1990 a ilha se transformou no Museu da Imigração, que hoje recebe 2 milhões de visitantes por ano, número um pouco menor do que o de pessoas que tentam entrar ilegalmente no país no mesmo período. O lugar impressiona. É meio sinistro. A construção é enorme e imponente. Além disso, é muito bonito e misterioso. Como tudo em NY – não há como fugir do lugar comum – é um filme, mesmo porque os americanos filmam tudo e fazem estórias da história. Os fantasmas dos imigrantes ainda rondam pelos corredores e salões do prédio principal. Ao lado da ilha está a Lady Liberty, a famosa Estátua da Liberdade, presente dos franceses para comemorar os 100 anos da Revolução Americana, que guarda similaridades com a francesa. A Senhora Liberdade é obra do escultor francês Frederic Bartholdi, ajudado por Gustave Eiffel, que desenhou a estrutura da estátua. As 31 toneladas de cobre de Lady Liberty vieram para os EUA de navio, desmontadas em 350 pedaços e depois remontadas no pedestal em que o monumento está hoje. Em 1886, dez anos depois da data prevista, a estátua foi inaugurada e passou a ser o símbolo da liberdade, democracia e amizade internacional. Bons tempos aqueles. PublicidadeNesses 129 anos, o mundo mudou absurdamente, ninguém discorda. Em 1984, Lady Liberty foi declarada patrimônio mundial da humanidade. Mas, se os EUA continuam sendo símbolo de liberdade, democracia e amizade internacional, há enormes controvérsias. O governo de George W. Bush aperta o cerco aos imigrantes, apesar de saber que o país não funciona sem eles. Nos Estados Unidos da América, ilegal tem direito a documento – a carteira de motorista é o que vale. Um novo projeto já aprovado pelo Congresso prevê tantos requisitos que praticamente anula a possibilidade de um ilegal ter o documento. Mas não o impede de trabalhar. A rede Wal-Mart, a maior empregadora do país, vira e mexe tem problemas com a imigração, porque também utiliza mão-de-obra ilegal. O raciocínio é simples: trabalhador ilegal é igual a menos direitos e benefícios e, óbvio, significa um salário menor. Liberdade é isso aí. Se uma pessoa for declarada “ameaça iminente à segurança do país”, é o começo de um pesadelo sem fim. A prisão pode ser até a temida base de Guantanamo em Cuba. E é bom esquecer os direitos constitucionais. Segundo o Ato Patriótico (legislação aprovada logo após os atentados de 11 de setembro que suspende os direitos civis), o FBI pode fazer o que quiser, como quiser e quando quiser. Para começar, pode prender sem acusação alguma, por tempo indeterminado, pode vasculhar os seus e-mails (parece que a moda já chegou ao Brasil), cartões de créditos e contas bancárias. Pode ainda entrar na casa de quem quiser, sem mandato. Enfim, pode tudo. Vivem-se tempos bicudos por aqui. Democracia modelo exportação. Quem fala em reformar o sistema político é visto como maluco. Cada voto não é um voto, a eleição é indireta. Como o presidente norte-americano gosta de dizer: ou se está com ele ou se está contra ele. Ou se é vermelho ou azul, ou se é preto ou se é branco – cinza, nem pensar. “Se ficar, o bicho pega. Se correr, o bicho come.” E o bicho já pegou faz tempo. Republicanos e democratas se parecem muito, vão se alternando no poder. Bill Clinton, do Partido Democrata, ficou oito anos no comando e deixou muitas saudades por aqui. Bush também vai completar seu ciclo de oito longos anos e, desconfia-se, saudade não deixará. Se liberdade e democracia são conceitos ameaçados ou em discussão, amizade internacional é a última coisa que os EUA representam hoje. A não ser para o primeiro-ministro britânico Tony Blair e para o príncipe Abdullah, da Arábia Saudita, com quem Bush gosta de andar de mãos dadas. George Bush, quando viaja pelo mundo, é um catalisador de protestos. Por onde passa, o presidente não desperta muito entusiasmo, a não ser de seus opositores. O fato é que Lady Liberty hoje tem manchas na cara. É hora de se cuidar, com um pouco mais de carinho, da D. Liberdade. Não se pode maltratar uma velha e centenária senhora. Mas deixemos para falar mais sobre isso na próxima coluna. Até lá. |
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