Nessas eleições de 2012, marcadas por extremos de renovação e retrocesso (que tratarei em colunas futuras), a vitória de Fernando Haddad em Sampa se traduz por muito mais do que um sopro de esperança. E para que alguns leitores não resmunguem dizendo que só me reporto a São Paulo, vou citar adiante, fazendo minhas as palavras de dois expoentes da cultura nacional: Antonio Cândido e Emir Sader.
No manifesto assinado por 100 intelectuais (including me, ver no site da Carta Maior), o mestre acertou na mosca ao declarar: “Antes referência internacional, São Paulo deixou de ser um espaço de inovação e criatividade. No período da gestão Serra/Kassab, enquanto o Brasil brilhou, a cidade se apagou.”
Prosseguindo, Cândido comenta que “depois de oito anos intermináveis, a cidade de São Paulo está irrespirável.” Seu espaço urbano, cada dia mais desumano, aproxima-se de uma situação de calamidade. Numa política de arrasa-quarteirão, bairros inteiros estão mudando para pior sua configuração social e urbanística. Torres se erguem em ruas desprovidas de capacidade para receber mais automóveis. Enquanto isso, ocorrem recorrentes incêndios em favelas e seus moradores são jogados na rua.
A atual gestão atingiu uma rejeição histórica. As reivindicações dos moradores da periferia, dos movimentos sociais e dos cidadãos em geral tornaram-se alvo de uma política autoritária e segregacionista. São escassas as políticas públicas voltadas para os que mais precisam delas. Comandada por administradores tecnocráticos e provincianos, a cidade, militarizada, adquiriu contornos de um campo de depressão (eu diria concentração mesmo!) individual e coletiva.
Aqui, Antonio Cândido é pontual: “Nestas eleições, Fernando Haddad apresentou um programa de mudanças apoiado em ideias e projetos inovadores. Suas soluções não podem ser postergadas ou ignoradas. Seu programa demonstra vasto conhecimento dos principais problemas da cidade, pensando suas múltiplas dimensões de modo amplo e estratégico. Orientado por novas diretrizes, enfatiza a descentralização e formas democráticas de gestão, direcionadas para a redução das desigualdades sociais. Não foge ao desafio de conceber políticas sociais, econômicas e culturais dinâmicas e ousadas.”
Ressalte-se também que esse programa foi articulado em discussões públicas, por centenas de ativistas sociais, gestores experientes e representantes das diversas esferas da sociedade. Trata-se ainda de um programa com pé no chão. Os custos de todas as propostas foram avaliados, e a fonte dos recursos especificada, evitando o aumento de impostos e procurando eliminar tarifas desnecessárias.
Pautado pelas ideias de liberdade, transparência, utilização crítica das tecnologias, fomento à inovação, o plano de governo de Fernando Haddad busca o fortalecimento das instituições públicas, o aprimoramento do convívio social, a ampliação de direitos e a garantia de seu exercício como um bem disponível e partilhável por todos.
Ao finalizar seu discurso, Cândido reinvidica: “Queremos uma cidade mais acolhedora e generosa, devolvendo São Paulo a todos que nela vivem. Urge reverter a degradação progressiva do espaço e sociabilidade pública, construindo ações concretas que permitam ao cidadão e ao indivíduo que somos desenvolvermos livremente nossas potencialidades.”
Para Emir Sader (ver também no site da Carta Maior, “O resgate de São Paulo”), São Paulo, uma das cidades mais extraordinárias do mundo, se tornou ainda mais triste, cinzenta, cruel: locomotiva da exclusão, discriminação e intolerância. Tornou-se a cidade mais injusta do Brasil pela brutal polarização entre a mais desenfreada riqueza e os maiores polos de miséria e de abandono do Brasil.
A isso ficou reduzida São Paulo nas mãos da sua elite e dos partidos que a representam. A chance de seu regate é agora. Pelo desgaste das políticas da direita e pela conjunção de fatores que levou Fernando Haddad a liderar as pesquisas. Não por acaso o resgate é comandado por um ex-estudante da USP e um ex-operário metalúrgico do ABC – algumas das grandes marcas de São Paulo.
Cidade obrigada, graças à sua direita, a renegar o que tinha de melhor: a diversidade, os movimentos sociais, os trabalhadores nordestinos, a cultura; a renegar sua relação com o Brasil e seu povo. Uma São Paulo que virou as costas para os outros estados, virou as costas para Brasil. Uma cidade que ficou à margem do maior processo de democratização econômica e social que o país já viveu. À margem do reconhecimento e extensão dos direitos básicos a todos os cidadãos brasileiros, antes marginalizados pelos governantes, especialmente no governo tucano, que só acentuou a desigualdade, a miséria e a pobreza no país.
Ao invés de “locomotiva da nação”, como apregoava a antiga elite paulista, tornou-se objeto de vergonha nacional: pela miséria, discriminação, racismo, violência policial e seus grupos extermínio; pela decadência de seus sistemas de educação, saúde pública, cultura, entre tantas outras vergonhas.
E Sader conclui: “Mas chegou a hora do resgate de São Paulo. Chegou a hora de colocar São Paulo no mesmo processo que tem feito o Brasil avançar, pela primeira vez, na superação da sua maior chaga – o de ser o pais mais desigual do continente mais desigual do mundo.”
Por outro lado, entre os extremos de retrocesso tipo marcha à ré para trás, tivemos a eleição de ACM Neto do DEM como prefeito de Salvador, marcando o retorno do carlismo, do coronelismo e do barbarismo (as forças mais arcaicas do Brasil), não só por ser quem é, mas como representante do DEM, a direita mais extrema do país!
O moço é a encarnação do estereótipo hollywoodiano do mimado e truculento vilãozinho latino-americano, AK-47 em punho – eternamente refreado pelo pai ou avô e manipulado pela CIA. O fato é que os baianos já se ferraram pelos próximos quatro anos.
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