No mundo que se diz democrático não há espaço para o isolamento decisório. Nesta moderna forma de administrar a coisa pública, o governante não é mais o senhor absoluto das decisões, tampouco o único interprete autorizado a decifrar o pensamento dos seus administrados. O governante que se diz moderno é obrigado a compartilhar os seus poderes, pudores e quereres.
Nesse sentido, a consulta aos cidadãos e suas organizações não é uma mera faculdade, mas uma obrigação fundamental e definitiva para situar o grau de democracia aplicado. Mas a participação do cidadão e suas organizações não se resume ao processo eleitoral ou à consulta popular via plebiscito, leis de iniciativa popular e referendo. Não poderia mesmo a democracia ser reduzida a instrumentos que são utilizados de forma pontual e periódica, ainda que a democracia participativa seja considerada a mais eficaz.
O vácuo provocado pelo lapso de tempo é preenchido com a chamada democracia representativa, em que o cidadão e suas organizações escolhem aqueles que representarão os seus interesses, perspectivas, projetos, sonhos e até esperanças. Com a democracia representativa, complementando a participação direta dos cidadãos, estaria fechado o círculo de compartilhamento decisório a que está obrigado o governante.
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Assim, para a consolidação da democracia, espera-se que o representante seja o espelho dos cidadãos e organizações que o designou, o receptor mais autorizado para escutar as suas lamúrias e o porta-voz mais legítimo para tornar reais as suas expectativas. Como oriundo de um processo eleitoral de escolha democrática, deve ser fiel às promessas assumidas durante a campanha e, sobretudo, aos compromissos éticos, legais e políticos inerentes ao exercício da função delegada pelo representado.
É escrever em outras palavras: o representante de uma organização, comunidade ou segmento social, deve observar o pensamento da entidade, sociedade ou agrupamento que está a representar. E como representante desses cidadãos e organizações, mesmo quando legalmente livre para agir e votar segundo suas próprias concepções, não pode esquecer as motivações de sua escolha. Afinal, afastar-se dos compromissos da representação equivale à perda da condição ética da própria representação. E sem a ética não há que se falar na manutenção da representação, pois é negada a sua legitimidade e a razão da existência democrática.Assim entendendo, não posso deixar de concluir que o presidente plantonista Michel Temer, flagrado em circunstâncias nada republicanas, perdera a condição ética de mandatário dos cidadãos brasileiros. Ainda que empossado em circunstâncias históricas nebulosas, estava obrigado a manter intacto o elo que deve unir o querer do representado ao agir do seu representante. O golpe parlamentar que lhe outorgara o mandato não tinha o poder autorizativo de um habeas corpus preventivo para livre violentar a Constituição Federal.
O mesmo defeito que atinge o deputado Rodrigo Maia, seu aliado político e cúmplice na manobra parlamentar que evita instaurar, via processo de impeachment, a necessária investigação dos atos ilícitos atribuídos ao chefe provisório do Executivo. Aliás, como demonstram todas as pesquisas divulgadas imprensa afora pelos institutos especializados, não apenas em razão de questões éticas a completa ausência de sintonia entre o povo e os seus representantes, estão rejeitados os governantes e as políticas restritivas de direitos que praticam.
Agora, pela primeira vez na história do Brasil, o presidente da República é denunciado criminalmente perante o Supremo Tribunal Federal. A Constituição Federal condiciona o prosseguimento da ação à prévia autorização dos deputados federais. Caberá à chamada Casa do Povo decidir se o Poder Judiciário pode ou não cumprir a sua missão constitucional de instruir e julgar os atos praticados pelo cidadão residente no Palácio do Jaburu. Esse será, certamente, o grande teste para confirmar a aposta constitucional na democracia representativa, fundada na ideia de que o representante deve permanente satisfação ao representado, assim como deve proteger a coisa pública daquele que a compreende como patrimônio privado.
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