De tão real parece um sonho. Melhor, um pesadelo. É assim o escrito de Eliane Brum.
É conto, é poesia, é realidade e por ser real é dor e sofrimento. Sua escrita revela a solidão da exclusão dos doentes de Chagas no interior da Bolívia. A exclusão da vida e a solidão na espera da morte.
O texto de Brum é um diálogo entre duas mulheres, Cristina e Maria. Ambas saem de sua região para irem à cidade de Cochabamba, para colocarem marca-passos em seus corações enfermos. Enfermos, física e espiritualmente. Fisicamente acometidos pela doença e espiritualmente comprometidos pelo desprezo humano.
A autora, através do diálogo entre Maria e Cristina, retrata o sofrimento e a dor dessas duas mulheres e de suas famílias. São vítimas da picada do Vinchuca, como é conhecido o bicho barbeiro na Bolívia.
Noutro texto, “Viagem ao coração das trevas”, Mario Vargas Llosa começa com uma frase do dr. Tharcisse: “O PROBLEMA NÚMERO UM DO CONGO SÃO os estupros”. “O mais notável, uma mulher de 87 anos, violada por dez homens. Sobreviveu. Outra, de 69, estuprada por três militares, tinha na vagina um pedaço de sabre”. O estupro, infelizmente, é comum em vários países africanos e é praticado para humilhar o derrotado na guerra ou a etnia da vítima.
Do começo ao fim do texto, você vai lendo e mergulhando nas trevas, na dor e no sofrimento. No Congo e em parte da África, escreve Llosa: “O sexo nada tem a ver com o prazer, só com o ódio”.
O risco que se corre ao terminar a leitura deste livro é mergulhar no ódio. Porém, o livro não foi feito para isso, mas sim para construir a solidariedade e o amor. Foi escrito para construir um mundo que valorize e respeite a vida humana.
O escritor Paolo Giordano, outro que trabalha para a construção de um mundo digno, encaminha seu texto para outro rumo, o do drama pessoal dos que trabalham na ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF). Esses profissionais, todos os dias, enfrentam precárias condições de trabalho e lutam para atender uma multidão de doentes. São doentes abandonados e pobres (por isso abandonados), vítimas do preconceito e da ignorância dos governantes.
“Makass” é o texto de James A. Levine. Indescritível. Só lendo-o para entender o significado do maltrato, do preconceito, da prepotência, do machismo e do abandono. O real é retratado num conto comovente. É uma história de profundo desprezo e de profunda solidariedade. Cada um e cada uma devem lê-la para compreender a maldade, o preconceito e o desprezo de parte da humanidade.
Todos esses textos e outros mais fazem parte do livro Dignidade!. Sim, com exclamação, como poderia ser também uma interrogação. Ao lê-lo, meus olhos embargaram. Meu coração que nunca foi duro, mais mole ficou. E Dignidade! mostrou, mais uma vez, quão indignas são as pessoas sob a égide do capitalismo.
São poucas as fotos no livro, mas há algumas, como a da página 24, cujo olhar demonstra dor e te pede socorro. Vi a foto, li o texto e me silenciei. O silêncio dos que sentem o olhar e a incapacidade de reagir, de socorrer.
Na capa interna, no final do livro, uma foto de Maria e Cristina na intimidade da dor e da solidariedade. É um momento de descontração, momento curto, mas que é possível ser alegre. E estão alegres porque são iguais: na dor, no sofrimento e na dignidade.
Dignidade!, livro escrito por nove escritores e escritoras, tem por objetivo relatar as atividades da ONG Médicos Sem Fronteiras. São nove artigos: contos, crônicas, histórias… Bem, cada leitor dá a interpretação que queira sobre o que está lendo. Todos os escritores ou escritoras foram convidados para visitar um país onde os Médicos Sem Fronteiras atuam e posteriormente escrever a respeito. Cada autor ou autora definiu a sua maneira de escrever o que viu e o que sentiu na visita.
Dignidade! relata o dia-a-dia dos profissionais da ONG Médicos Sem Fronteiras. Relata a vida e a dor de parte do mundo que é atendida pelos profissionais da MSF. São relatos para nos fazer refletir e tornar-nos mais humanos. Recomendo a leitura: Dignidade!, Editora LeYa.
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