Na primeira coluna que escrevemos aqui neste Congresso em Foco, no já um tanto quanto longínquo dia de 17 de novembro de 2009, estabelecemos o que seria uma carta de princípios deste espaço: tentar desvendar as razões e as intenções ocultas dos personagens e dos atos políticos desta República brasileira.
De saída, apontamos duas comparações para tentar explicar nossa realidade brasileira, na qual as coisas nunca acontecem com a velocidade e a necessidade esperadas. Onde com uma frequência exasperante a esperança se frustra. Onde quase sempre se tem a sensação de que uma novidade boa vai aparecer e onde quase sempre acontece um inesperado recuo na última hora.
Aí, a proposta feita de que a Batalha de Itararé passasse a ser considerada a nossa data nacional. Itararé é “a batalha que não houve” em 1929, durante a revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder. Quando os gaúchos revoltosos saíram do Rio Grande do Sul rumo ao Rio de Janeiro, o governo anunciou que eles não passariam de Itararé, cidade do interior paulista. Armou-se tudo para que ali houvesse uma sangrenta batalha. Bem: quando os revoltosos chegaram a Itararé, nada aconteceu. O presidente Washington Luís já estava deposto. Com a ironia aguda que caracterizou um dos maiores humoristas da história brasileira, Aparício Torelly, deu-se o título de Barão de Itararé. No Brasil, nada mais apropriado para um humorista do que envergar um título de nobreza em homenagem a uma batalha que não houve.
Sugeri a Batalha de Itararé como data nacional porque a história brasileira é cheia de expectativas que se frustram. Tudo meio que termina antes de começar. A independência foi proclamada pelo filho do imperador português, para segurar o comando do país antes que “outro aventureiro” lançasse mão. A República foi proclamada por um militar monarquista. Tancredo Neves foi eleito para por fim à ditadura militar, morreu antes de tomar posse e entregou o governo a José Sarney que, apenas um ano antes, era o presidente do PDS, partido que apoiava a ditadura militar.
E associei na ocasião a Batalha de Itararé a um clássico da literatura mundial, o Leopardo, de Lampedusa. O livro fala sobre a unificação italiana, o processo conduzido por Giuseppe Garibaldi que acabou com os velhos ducados e principados italianos e fez com que tudo se tornasse um único país. O personagem principal do livro, conhecido como “O Leopardo”, é um nobre representante desses tempos de Itália não unificada. Quando ele percebe que não há mais como manter a antiga situação, patrocina o casamento de seu sobrinho, Tancredi, com a fiha de um burguês que ascende socialmente com a unificação. Ao justificar o casamento, ele usa a seguinte frase: “É preciso que algo mude para que tudo fique como está”. O raciocínio do “Leopardo” é idêntico ao das nossas elites políticas que aderem a todos os governos vencedores, sejam eles de que lado estejam. Percebem as mudanças, associam-se a elas, exatamente para permitir que as coisas não mudem muito. Mudem só um pouco, para que “tudo”, ou o essencial, “fique como está”.
Três anos depois de apresentar esta proposta inicial para a coluna, eis que o destino me empurra – pelo menos, neste momento – para fora do Congresso em Foco. Justamente no momento em que o julgamento do mensalão se conclui e a Operação Porto Seguro joga no nosso colo outro escândalo político.
A Operação Porto Seguro bem poderia ser o contraponto a nos mostrar de novo a Batalha de Itararé. Diante da condenação de altas autoridades e banqueiros envolvidos em corrupção, novas autoridades, novos casos. E a mesma frustração.
Mas seria um pessimismo torto, cruel e pouco exato considerar que nada mudou nestes últimos anos. Na verdade, uma análise mais cuidadosa me dá alguns sinais de que talvez eu possa ter errado um pouco naquela análise inicial, e o país não esteja mais tão fadado a mudar só um pouquinho para deixar tudo como está. Nestes três anos, mudanças importantes aconteceram para tornar o país melhor. As eleições sobre a égide da Lei da Ficha Limpa nunca mais serão as mesmas. A corrupção continua, mas é provável que as ações de desvio de dinheiro público possam mesmo vir a ser intimidadas diante de uma perspectiva menor de impunidade, após as condenações do mensalão. A atitude da presidenta Dilma Rousseff com os “malfeitos” certamente não pode ser minimamente comparada à lentidão, paralisia e leniência anterior.
Quem sabe chegue o dia em que Itararé, no Brasil, venha a ser apenas mesmo o nome de um velho humorista?
É com essa esperança que me despeço de vocês. Na verdade, me despeço com um “até breve”. Porque logo nos encontraremos. Em outros espaços ou, quem sabe, aqui mesmo? A vocês que me honraram com a leitura durante esse período, um muito obrigado, um feliz Natal e um Ano Novo com tudo de bom. Para nós e para este nosso país.
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