No mundo que se diz democrático não há espaço para o isolamento decisório. Nesta moderna forma de administrar a coisa pública, o governante não é mais o senhor absoluto das decisões, tampouco o único intérprete autorizado a decifrar o pensamento dos seus administrados. O governante que se diz moderno é obrigado a compartilhar os seus poderes, pudores e quereres. Neste sentido, a consulta aos cidadãos e suas organizações não é uma mera faculdade, mas uma obrigação fundamental e definitiva para situar o grau de democracia aplicado. Eis porque eleições, plebiscito, leis de iniciativa popular e referendo são regularmente apontados como instrumentos determinantes para o exercício da soberania popular, momentos únicos em que os cidadãos participam diretamente dos destinos de seu país, ratificando ou mudando os rumos traçados pelos governantes.
Mas a participação do cidadão e suas organizações não se resume aos processos de eleição e consulta popular. Não poderia mesmo a democracia ser reduzida a instrumentos que são utilizados de forma pontual e periódica, ainda que a democracia participativa seja considerada a mais eficaz. O vácuo provocado pelo lapso de tempo é preenchido com a chamada democracia representativa, onde o cidadão e suas organizações escolhem aqueles que representarão os seus interesses, perspectivas, projetos e sonhos. Com a democracia representativa, complementando a participação direta dos cidadãos, estaria fechado o círculo de compartilhamento decisório a que está obrigado o governante.
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Não sem razão encontramos representantes dos cidadãos e suas organizações em todos os cantos e recantos decisórios do Brasil. O presidente, os governadores e os prefeitos junto ao Poder Executivo. Os senadores, os deputados e os vereadores junto ao Poder Legislativo. Os representantes da advocacia e do Ministério Público, considerados como essenciais à administração da Justiça, junto ao Poder Judiciário. Estas duas entidades, junto com os dois representantes da sociedade indicados pelo Congresso Nacional, participam do importantíssimo Conselho Nacional de Justiça e do ainda devendo Conselho Nacional do Ministério Público. Trabalhadores e empresários indicam representantes nos conselhos que administram o FGTS, os fundos de pensão e outros assemelhados espalhados pelo país. Enfim, representantes de comunidades se espalham pelo país, fazendo brotar a esperança de um Brasil mais participativo.
Assim, para a consolidação da democracia, espera-se que o representante seja o espelho dos cidadãos e das organizações que o designou, o receptor mais autorizado para escutar as suas lamúrias e o porta-voz mais legítimo para tornar reais as suas esperanças. Como oriundo de um processo eleitoral, deve ser fiel às promessas assumidas durante a campanha. Caso seja representante de uma organização, comunidade ou segmento social, deve observar o pensamento da entidade, sociedade ou agrupamento que está a representar. E como representante destes cidadãos e organizações, mesmo quando legalmente livre para agir e votar segundo suas próprias concepções, não pode esquecer as motivações de sua escolha. Afinal, afastar-se dos compromissos da representação equivale à perda da condição ética da própria representação. E sem a ética não há que se falar na manutenção da representação, pois negada a sua legitimidade e a razão da existência democrática.
Aliás, exatamente porque perdera a sua condição ética de representante, negando as promessas assumidas publicamente, o ex-presidente Collor fora afastado, via mobilização popular e posterior impeachment, da sua condição de mandatário dos cidadãos brasileiros. A mesma razão que fez movimentar os cidadãos que se mostraram inconformados com as absolvições de vários personagens envolvidos em atos de corrupção, inclusive fazendo nascer a segunda lei de iniciativa popular batizada de Lei da Ficha Limpa. Nesta mesma linha de coerência, para devolver ao cidadão o direito de retomar as rédeas do seu destino é que se exige a aprovação do projeto de lei que estabelece no Brasil o recall, isto é, a possibilidade de revogação do mandato eletivo nos casos de ausência ética na representação.
O ano de 2012 recomeça com a ética da representação na pauta. Ao STF, quando analisar a questão da competência do importantíssimo Conselho Nacional de Justiça, caberá decidir se os magistrados faltosos em seus deveres continuaram impunes ou, como quer a cidadania, afastados da missão de julgar com isenção, como seriam os demais servidores que se servem da coisa pública. À presidente Dilma Rousseff incumbirá escolher, quando da anunciada reforma ministerial, personalidades desconhecidas das páginas policiais ou dos bastidores obscuros da politicagem. Ao parlamento incumbirá a missão de aprovar as reformas tão solicitadas pelo país, resistindo às pressões dos grupos políticos e econômicos que insistem em manter o patrimonialismo que se arrasta por décadas nestas terras tupiniquins. Mas tocará ao povo, sobretudo a ele, a missão mais importante do ano: escolher diretamente prefeitos e vereadores comprometidos com a ética da representação. Afinal, como se sabe, de overdose de ética ninguém morre.
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