Ricardo Cappelli*
Quase 30 anos de casamento são mais que suficientes para que Lula conheça a alma dos comunistas. Sabe que a influência do partido vai além de sua ainda reduzida expressão eleitoral. O ex-presidente “dançou” completamente à vontade no congresso do PCdoB realizado no último final de semana.
Conhecedor das críticas pelos limites de seus governos, foi logo dizendo que os marxistas em seu governo ocuparam ministério e a diretoria geral da Agência Nacional do Petróleo – ANP. Quem governa junto, acerta e erra junto também, e se a legenda, estigmatizada por setores da sociedade, ocupou espaços tão importantes, “alguma coisa deve ter mudado”, disse em fina ironia.
Foi magnânimo com Manuela, pré-candidata à presidência. Enquanto a militância se olha desconfiada, com cutucões aqui e ali, fez questão de afirmar que “qualquer partido tem o direito de lançar candidato”. Tem consciência do seu tamanho e do que está em jogo. Ao levantar o braço da gaúcha e cortejá-la mandou recado claro ao PT: atacar a comunista é burrice, de uma forma ou de outra, estaremos juntos.
Manu aceitou o convite para dançar e também foi muito bem. Defendeu o direito de Lula ser candidato. Disse que não é candidata para ser vice de Lula, ninguém é candidato a vice, obviamente. Na segunda música, extremamente hábil, afirmou que nenhuma possibilidade pode ser descartada.
Lula deixou claro que está velho demais para gritar “não vai ter golpe” e o golpe acontecer, para gritar “fora, Temer”, e Temer ficar. Uma cutucada e uma sinceridade. Dilma transformou o Palácio do Planalto num comitê do “não vai ter golpe” nos últimos meses de seu mandato. Dia sim, outro também, reunia militantes para gritar palavras de ordem. Enquanto negava a política e se agarrava à suposta bravura, o poder real lhe escorria pelas mãos. Ao fazer pouco caso do “fora, Temer” o ex-presidente torna público o que já era evidente. Nunca acreditou ou apostou nesta estratégia.
Finalizou defendendo a unidade como melhor caminho e atacando a Globo. Fez autocritica ao reconhecer que seu governo não encaminhou a regulação dos meios de comunicação e se comprometeu a fazê-lo, se eleito novamente. Se fez isso apenas para agradar a plateia ou se realmente assimilou a importância estratégica do tema só o tempo dirá.
Ciro, convidado a participar do congresso, desdenhou da “dança”. Reforçou, infelizmente, sua imagem de temperamental, de um ator de difícil trato político, pouco afeito às construções e aos gestos simbólicos típicos da atividade. Ex-presidente da República, presidente mais popular da história, Lula pegou um avião para Brasília em pleno domingo apenas para falar 40 minutos e voltar. Ciro alegou outros compromissos e não foi.O cearense, sem dúvida um dos melhores quadros do país, erra ao subestimar ou “dar de barato” o destino do PCdoB. Erra ainda mais ao misturar Lula, Lulismo e PT, categorias que se falam, estão interligadas, mas não são a mesma coisa no imaginário popular. Ao apostar num espaço progressista alternativo ao Lulismo na atual quadra histórica, acredita no improvável. Com Lula no páreo o jogo será um. Sem ele, estará em jogo a disputa por esse caudaloso rio de comunicação popular chamado Lulismo. Não necessariamente um candidato do PT será seu herdeiro. O uspiano Haddad será capaz de incorporar este ideário no nordeste? Basta Lula e o PT colarem em qualquer um para o Lulismo ser integralmente transferido?
Neste ponto, a pré-candidata comunista mexeu pedras de forma mais inteligente. Tenta construir raia própria sem brigar ou se distanciar do Lulismo. Na política, cada lance corresponde a posição do jogo num dado momento. Fazer uma leitura cartesiana ou querer, traído pela ansiedade, antecipar movimentos, não parece um bom caminho.
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