Congresso em Foco – O senhor tem sido um crítico da Operação Lava Jato. Por quê?
Wadih Damous – Do meu ponto de vista, essa operação é essencialmente abusiva, arbitrária e se conduz de maneira inadequada, desrespeitando direitos e garantias fundamentais, a Constituição e a lei. O juiz que preside esse inquérito, o Dr. Sérgio Moro, tem traços de paranoia. Porque ele coloca a hipótese acima do fato. Juiz não pode trabalhar com hipóteses. A polícia e talvez Ministério Público, sim. Mas o juiz não. O juiz trabalha com elementos objetivos. Ele estabeleceu um padrão de prisão preventiva absolutamente inconstitucional e arbitrária. Usa a prisão para chantagear, para obter delações. Estabeleceu a delação premiada como algo essencial ao deslinde dos casos que estão sob apreciação dele. Reputo a delação premiada como algo imoral. O delator para mim chegou ao ponto mais baixo da espécie humana. Tenho ojeriza a delatores, a dedo-duro. Quem lutou contra a ditadura sabe o que é ser um dedo-duro, um delator. O juiz Sérgio Moro acha isso essencial, mostrando a impotência e a incapacidade de fazer uma investigação mais aprofundada. Quem está delatando provavelmente está mentindo, total ou parcialmente. Está sendo coagido a delatar para obter pena menor ou sair da cadeia. Espero que o STF, no momento adequado, não se curvando à pressão da grande imprensa e de uma pseudo-opinião pública, coloque um ponto-final nesse negócio, a Operação Lava Jato.
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Nesse caso, a operação seria anulada?
Provavelmente há uma série de nulidades nessa operação. Sempre reclamamos que, no Brasil, o corruptor nunca era pego, que os poderosos sempre ficavam impunes. Quando essa operação começou, logo nos seus primórdios, achei que seria diferente. Está sendo diferente, mas do jeito negativo, porque o preço a pagar não pode ser o desrespeito à Constituição. Esse padrão Lava Jato é o aperfeiçoamento do julgamento do mensalão, com essas coisas esdrúxulas e idiotas como a teoria do domínio do fato. Da forma que é aplicada no Brasil não tem nada a ver com a forma com que se concebeu na Alemanha. Ficam esses juízes metidos a justiceiros, mandando e desmandando no país. E o pior: este juiz quer quebrar a economia brasileira? Ele e esses procuradores querem o quê? Desnacionalizar setores estratégicos da economia nacional? Colocar no olho da rua milhares de trabalhadores? É para isso que existe a Operação Lava Jato? Vamos reunir juristas de todo o país para bradar contra as arbitrariedades da Lava Jato. Pretendo organizar um manifesto em defesa da democracia que a operação está ameaçando.
Se há “arbitrariedades”, por que o STF não as derrubou?
As cortes constitucionais devem ser contra-majoritárias, não podem se curvar às maiorias de momento, a pressões, clamores conjunturais. O Supremo tem de seguir a vocação de uma corte constitucional. Se tiver de julgar contra a opinião de uma eventual maioria, se o processo permite, tem de julgar contra. Espero que o Supremo, quando for analisar na integralidade a Operação Lava Jato, se tiver de anular parcial ou integralmente, tem de derrubar sem medo. Eles são ministros vitalícios, não devem satisfação a ninguém, mas ao país, ao interesse público, não ao aplauso. Se tiverem de ser vaiados, que sejam. Mas julguem de acordo com os princípios jurídicos, é para isso que são pagos.
Na sua opinião, o esquema de corrupção em torno da Petrobras ainda não está comprovado?
Não sei, porque uma atitude arbitrária, como a que caracteriza a conduta dos juízes e procuradores, cria confusão até para quem é do mundo jurídico sobre o que é fato e o que não é. Não sei o que é fato ou não. Se é uma investigação calcada substancialmente em delação premiada… delação premiada é farsa, coação. Tem de ser acompanhada. Ainda que eu a considerasse válida…
Por que não vale? A redução da pena não está condicionada à comprovação do que foi delatado?
Eu a considero inválida moral e constitucionalmente. Ainda que na sua concepção fosse válida, tem de ser complementada com provas. Não sei se tem provas. O que tem lá? O juiz Sérgio Moro disse na prisão do pessoal da Odebrecht e da Andrade Gutierrez que são hipóteses. Um delegado fez especulação de que os valores desviados talvez chegassem a R$ 300 milhões, R$ 500 milhões. O que é isso? E isso gera motivo para prisão?
Por que isso acontece, na sua opinião?
Tem uma articulação midiática. Tem gente que bate palma para o que acontece com esses barões, porque isso acontece com pobres todos os dias, o que é verdade. Mas isso não justifica bater palma para a ilegalidade. Todos, pobres ou ricos, têm de ser tratados nos termos da lei e da Constituição, sobretudo quando esses atos são praticados por juiz e procuradores da República.
Mas a delação só não é válida quando há confirmação dos fatos apontados?
É o que diz a lei, mas o juiz Sérgio Moro tem uma lei na cabeça dele. Não é a que está em vigor.
Essas críticas à Operação Lava Jato têm partido de advogados. Por que ele tem tido apoio de associações ligadas à magistratura e ao Ministério Público?
É lamentável, mas isso não me comove. Não mostra que o juiz está com a razão, mas que a arbitrariedade ganhou espaço em amplos setores da magistratura. Se isso é verdade, é lamentável, porque as arbitrariedades cometidas pelo juiz são gritantes. Qualquer estudante de Direito minimamente preparado sabe disso.
As prisões dos empreiteiros não se justificam?
Não há condenação ainda. Como essas pessoas estão presas? Ele prende e depois investiga com base em delação premiada.
Por que o senhor pretende organizar o manifesto contra a Lava Jato?
É para mostrar que o juiz Sérgio Moro não conta com aplausos unânimes da nação. É para mostrar que segmentos significativos do direito, os que defendem a ordem jurídica do Estado democrático de direito, não concordam com ele. Ele não goza de unanimidade.
O senhor vê interesses políticos por trás da atuação dele, como alegam alguns petistas?
Aí é especulação. Mas que o juiz vaza informações para jornal, os procuradores vazam, com vazamentos seletivos, isso tudo cria uma desconfiança. Qual é o objetivo real dessa operação? Derrubar o governo, colocar o Partido dos Trabalhadores na ilegalidade? Qual é? Já houve vozes defendendo esse tipo de coisa. O Partido Comunista Brasileiro já foi colocado na ilegalidade pelo Tribunal Superior Eleitoral à época. Tradição para isso não falta.
Essas empreiteiras também doaram para a oposição. Isso não dificulta um eventual pedido de fechamento do partido?
Mas só noticiam que doaram para o PT. Quando é para o PT é propina, quando é para o PSDB é doação. Isso tem de ser visto. Qual critério para dizer que para um é propina e para outro é doação? Quando um delator diz que recebia propina desde o governo Fernando Henrique, isso sai em nota de rodapé. Isso não ganha manchete, qualquer destaque jornalístico. Articulistas famosos dizem que na época do FHC não era sistêmico, no governo do PT é. Com que critério dizem isso?
Mas por que esses casos do governo Fernando Henrique não foram investigados ainda no início do governo Lula, já que se falava já naquela época em corrupção na Petrobras?
Pode ser. Mas nada justifica arbitrariedade. Tem de investigar a fundo, embora não ache que a corrupção seja o maior problema do país. Um país cheio de desigualdades sociais, onde existem contrastes, com pessoas pouco acima da linha da miséria… Não é a corrupção o grande mal do país. É um mal que, como qualquer mal ou crime, tem de ser combatido, mas com os instrumentos da democracia. Tem gente que defende que para pegar essa turma tem de ser com arbitrariedade mesmo. Eu não concordo com isso. Estou fora disso. Toda vez que a lei e a Constituição forem desrespeitadas, vou reclamar. Não acho que a corrupção seja um bem maior que os outros, não é maior que a vida, que a educação, a saúde.
Operações como a Castelo de Areia e a Satiagraha foram anuladas nos últimos anos. Este é o caminho para a Lava Jato?
Pode ser. Embora hoje haja pressão, sobretudo midiática, para que isso não aconteça. A grande imprensa pré-condena, enquanto o Judiciário faz apenas a homologação daquilo que já está decidido.
O que o senhor propõe para mudar isso?
Com a maioria aqui, não acredito que haja vontade de mudar qualquer coisa nesse sentido. Embora todos devessem refletir. Hoje são alguns, do PT. Amanhã podem ser eles. Os ventos mudam. Cria-se um padrão aqui de arbitrariedade, todos passam a correr risco de um dia virem a ser alvo de arbitrariedade no que diz respeito a lei e a pessoas.
NR: procurado para comentar as declarações do deputado, o juiz Sérgio Moro informou que não se pronunciaria.
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