Guillermo Rivera
Eleito com a missão de reerguer o Legislativo da pior crise política dos últimos dez anos, o novo presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), terá pela frente o desafio inglório de descolar da Casa o rótulo de instituição brasileira de menor credibilidade. Responsável por conduzir o processo de cassação dos 16 deputados envolvidos no escândalo do mensalão, Aldo terá de promover mudanças profundas para resgatar a imagem da Câmara perante um eleitorado cada vez mais perplexo diante da onda de denúncias.
Do contrário, corre o risco de entrar para a história como o terceiro e último presidente da legislatura de pior avaliação da opinião pública. Parlamentares e analistas políticos ouvidos pelo Congresso em Foco são unânimes: sem transformações profundas – como as cassações dos acusados, a realização de um reforma política e a retomada da prerrogativa de legislar –, o Parlamento estará exposto à maior renovação de todos os tempos nas eleições de 2006.
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“Ou o Congresso cassa os deputados envolvidos no escândalo do mensalão e faz uma limpeza ética, ou a renovação será assustadora em 2006”, adverte o analista político Antônio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Pesquisa realizada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) revela que os deputados estão no pior dos mundos: 81% dos entrevistados não confiam neles. Os deputados são merecedores da confiança de apenas 15% das pessoas ouvidas entre os dias 11 e 18 de agosto pelo Ibope.
Os números só não são piores do que os alcançados pelos partidos políticos, sobre os quais a desconfiança chega a 88% dos entrevistados, e pela classe política como um todo, cuja falta de credibilidade bate em expressivos 90%. A conseqüência imediata dessa ampla descrença deverá ser a elevação do percentual de votos em branco ou nulos, prevê o cientista político Marco Aurélio Nogueira.
Credibilidade em baixa
A tradicional desconfiança sobre a Câmara cresceu ainda mais este ano. Em 2003, esse índice era de 63%. Naquele ano, 30% dos entrevistados declararam confiar nos deputados. No ano passado, o percentual dos que não acreditavam nos deputados subiu para 74%.
O elevado grau de desconfiança em relação aos políticos, no entanto, não é exclusividade do Brasil, ressalta o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara (SP). “A classe política não está em um momento particularmente benéfico em nenhum lugar do planeta. Provavelmente, porque está defasada em relação às mudanças sócio-culturais que ocorrem hoje”, observa.
Avaliação semelhante é feita pelo cientista político Octaciano Nogueira. O professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) observa, no entanto, que a desconfiança dos brasileiros em relação aos seus representantes políticos supera a média dos vizinhos da América Latina, conhecida pela fragilidade de suas instituições democráticas. “Só Paraguai e Honduras apresentam números piores”, diz o cientista, com base em pesquisa realizada pelo instituto chileno Latino Barômetro.
O pior ainda por vir
Por isso, os números revelados pelo Ibope não surpreendem Octaciano nem são creditados pelo professor exclusivamente aos escândalos mais recentes. “Temos um sistema político precário, imperfeito, que funciona muito mal. A população já percebeu isso”, diz. “Em qualquer legislatura é assim. A avaliação começa como regular e se move para ruim durante o mandato”, explica. O professor lembra um bem-humorado prenúncio que ouvia no Rio de Janeiro (RJ), na década de 1950, quando o Congresso ainda se localizava naquela cidade. “A próxima legislatura é sempre pior do que a atual. Isso é invariável”, brinca.
Pior ou não, a próxima legislatura deve ser caracterizada por uma renovação maior do que as anteriores. A média, que é o ingresso de 50% de novos nomes a cada eleição, deve chegar a 60% no próximo ano, segundo os analistas ouvidos pelo Congresso em Foco. Pode se enganar, porém, quem espera pela chegada de caras novas a Brasília, adverte Antonio Augusto. “Há uma rotatividade de nomes. Assim, prefeitos, deputados estaduais e alguns deputados federais que estavam afastados da Câmara serão eleitos”, considera. “Pode haver um retorno a antigas práticas, com a eleição de populistas, que estavam desprestigiados”, alerta Marco Aurélio Nogueira.
Conhecido pelo estilo conciliador e pelo passado limpo, o novo presidente da Câmara, Aldo Rebelo, foi econômico em sua primeira entrevista coletiva após a vitória ao comentar o que pretende fazer para resgatar a credibilidade da Casa. Segundo ele, a recuperação passa pela intensificação dos trabalhos das comissões de inquérito e pela votação de projetos de interesse popular. “Não será num passe de mágica que iremos recuperar a credibilidade que o Congresso e povo reclamam. Isso vai nascer de muito trabalho e determinação”, afirma.
Senadores sob desconfiança
As denúncias envolvendo os deputados, no entanto, também mancharam o tapete azul que cobre o Senado. De acordo com o Ibope, nada menos do que 76% dos entrevistados não confiam nos senadores. Só 20% dos ouvidos demonstram confiança nos representantes dos estados no Legislativo. A avaliação desses números divide os especialistas.
“É efeito de amostragem. Ou seja, o povo deduz que, se está ruim na Câmara, está também ruim no Senado”, diz Marco Aurélio. Um fato que contribuiu para este resultado, analisa o professor da Unesp, é a falta de esclarecimentos, para a população, dos diferentes papéis das casas parlamentares. “O cidadão não entende a diferença entre Senado e Câmara, e joga tudo no mesmo bolo”, completa.
Para o diretor do Diap, que edita anualmente Os Cabeças do Congresso, publicação que lista os 100 parlamentares mais influentes do Parlamento, o Senado está pagando pela debilidade da Câmara. “A Câmara perdeu a prerrogativa legislativa. Por isso, me surpreende o fato de que o Senado esteja tão mal-avaliado”, conclui. O analista político lembra que, pela primeira vez, em 11 edições, um senador – Renan Calheiros (PMDB-AL) – apareceu este ano como o nome mais influente do Congresso. Em segundo e quarto lugares figuraram na última relação os senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM) e Aloizio Mercadante (PT-SP).
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